— Yadelohim… — murmurou Ananit, os olhos arregalados refletindo a estrutura colossal — Não achei que viveria pra ver isso… ao vivo e em cores.

    E convenhamos… nem era pra ninguém.

    Aquela aberração não dava as caras fazia milênios. Literalmente.

    Ainda assim, lá estava — firme, insolente, com a arrogância de quem jamais soube o que é mofo, ferrugem, ou mesmo o singelo conceito de deterioração.

    Imune. Eterno.

    Quase a encarnação física da mente que o pariu.

    Resplandecente…

    Quase uma obra do Romero Britto se ele tivesse surtado como Nicola Pisano.

    Defensivamente: Elohimerakḥesh!

    Reagia com antíteses puras a qualquer ataque direto.

    Ofensivamente: Elohimerabir!

    Lançava projéteis instantâneos contra ameaças num raio de um quilômetro.

    Em piedade: Elohimerhanitsal!

    Amplificava a regeneração dos aliados como se soprasse milagre em carne viva.

    Mas… não era só uma arma.

    Aquele escudo flutuante era, na prática, o campo magnético de toda e qualquer merda que ousasse dar dor de cabeça aos guardiões.

    — Bonito, né? — comentou alguém ao lado, tentando soar casual… e falhando miseravelmente.

    Surgiu do nada. Rosto conhecido, mas emocionalmente ausente.

    Um rapaz de cabelos cacheados, desgrenhados como se tivesse acabado de acordar — e talvez tivesse mesmo.

    Usava um uniforme em tons pastéis, quase infantil. O brasão do infinito pendia torto no peito, mal costurado.

    Nem parecia dividir patente com nomes como Asael Dagan.

    Do tipo que, se você andasse atrás, ia segurar sua própria espada por segurança.

    — É… — Ananit julgou com os olhos. Cara feia.

    Bom, ao menos foi genuíno o bastante pra deixá-lo sem graça.

    A personalidade dela era um problema. Dos bons. O tipo que silencia mais do que grita.

    — Esse é… o Eco do nosso Criador! — disse ele, ainda deslumbrado — Fantástico, né?

    — Ehr… — cruzou os braços e sorriu de lado — Se o Eco de Elohim já faz isso… imagina o que faria se fosse de natureza vil?

    Esse tal de Noctherr deve ser muito, muito fodão pra deixar um deus tão… tenso.

    — Ele é… — engoliu em seco — um dos Sete Reis Sombrios. O primeiro a desafiar a ordem natural das coisas. Dizem que…

    — Ordem natural?

    — É… — pigarreou, visivelmente desconfortável — A ordem da vida. A alma nasce, vive, sofre, morre… e parte. Deixa um rastro, uma história. Transcende. Mas ele devorava as almas antes mesmo que tocassem o vislumbre do nosso céu. Obcecado.

    Tão obcecado que quis reescrever tudo. Redesenhar a realidade com as próprias mãos.

    — E então, nosso senhor selou esse doido?

    — Aham — Seus lábios se apertaram. O ar já cheirava a medo — Ele… e mais uns cinco ou seis Reis Sombrios…

    — Uma suruba cósmica toda pra um cara só? Ou ele arrastava um exército?

    — Só ele. Dizem que até o tempo parou, só pra contê-lo. Esse cara… botava medo até em quem não tem alma pra sentir medo!

    — Hm… — Ergueu uma sobrancelha.

    — Mas você não sabia disso? Logo você…

    — É…

    — Já imaginava!

    — Ei… achei que você fosse esperar mais de mim. Sou o braço direito do Elyah, lembra? Devia ter lido tudo isso e muito mais.

    Ironizou. Mas ele e bibliotecas nunca se deram muito bem.

    Já ela… um gênio. Daqueles que leem o rodapé da realidade.

    — Exato! — respondeu com entusiasmo venenoso — Devia, mas não fez. Como sempre.

    Mas esperar isso de alguém que não aguenta nem uma carta?

    Vai me desculpar… eu não sou tão idiota assim.

    — Errrr… — Ananit coçou a nuca, sem a menor vergonha — Odeio ler. De verdade. Prefiro ouvir histórias. Cada exagero, cada mentira… junto os cacos depois e monto a minha própria verdade.

    — Wow.

    — Incrível, né?

    — Não! — a encarou como se analisasse uma anomalia — Me diz uma coisa… é natural do sexo feminino complicar absolutamente tudo?

    — Ah — deu dois passos à frente — É natural meu, pode anotar. Não sei das outras garotas…

    — Garotas? Nenhum guardião usa esse termo…

    — Tá… mas eu uso!

    — Ai, ai…

    — Enfim, Yiriel… vê se para de tremer assim! — percebeu o nervosismo dele desde o primeiro segundo.

    — O inimigo nem atacou ainda. Desse jeito, você tá parecendo humano demais!

    Ela sorriu. O suficiente para congelar o coitado por dentro.

    Foi a mesma dose de veneno — mas desta vez, ele engoliu até a última gota.

    — Ah, ah… — mal conseguia reagir — Desculpa. Eu… prometo que…

    — Prometa a si. Não a mim!

    — Como assim?

    Foi como ouvir uma palavra complicada demais pra digerir de primeira.

    Daquelas que você precisa ler, reler, sentir. Até que faça sentido.

    — Se você prometer pros outros, nunca vai cumprir. Nem vai se respeitar. Qual é?

    Não demonstrar medo intimida.

    É segredo nosso…

    Faça como os verdadeiros gênios: transfira tudo pro mental.

    E então se virou. Foi embora.

    Deixando-o plantado como uma estátua com complexo de vaso quebrado.

    Seus cabelos rosados dançavam ao vento, e os olhos, voltados ao céu, pareciam farejar uma tempestade.

    Algo ali a inquietava.

    — Você… nem parece da mesma patente que eu… — murmurou ele, quase se ajoelhando.

    — Ei… Ei!?

    A resposta ao seu vazio era uma angústia sem som.

    — Me responde antes… Você faz isso!?

    Quase gritou. Como se aquela resposta mudasse tudo.

    — Eu? Não! — riu, sem culpa — Não sou um gênio, lembra?

    Corte seco, Tramontina.

    — Ah…

    Não poderia terminar de forma mais morna.

    Como água de bule esquecida no inverno de Curitiba.

    Às cinco da manhã.

    Se não nevar — e ainda assim for frio — era isso que sentia.

    Noctherr.

    Seus trapos dançavam ao vento, e o rosto… o de um depravado.

    Do tipo que faria da morte sua noiva e da noite de núpcias, o próprio fim de tudo.

    Embriagado pelo desejo de cessar.

    Amargurado com a insistência da existência.

    De pé sobre um lago congelado.

    Oitavo Andar: Eisdom. Onde um castelo fora erguido há mais de cinquenta mil anos.

    O ponto mais gelado que se pode conceber.

    Além do zero absoluto.

    Ali, até os pecados movidos pela pressa ou adrenalina… cessavam.

    Tudo parava.

    — Olá… meu irmão…

    Era a voz do catalisador do caos.

    Pura nostalgia em cada passo sobre aquela geleira.

    Como se o tempo estivesse prestes a respirar… pela última vez.

    Ele voltou.

    Mas não da melhor forma.

    As boas-vindas deveriam ser ditas. As portas, batidas.

    Mas quem — senão o próprio Fim — saberia fazer isso melhor?

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota