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    As multidões eram uma visão natural. A mansão da Sábia Sienna era um local sagrado que todos os jovens brotos da magia queriam visitar; e mesmo para aqueles que não estudavam magia, era um ponto turístico obrigatório para quem vinha a Aroth.

    — Por favor… por favor, me deixe passar nesse exame para que eu possa entrar em uma Torre da Magia…

    — Vai ser a décima primeira vez que eu falho. Pelo menos me deixe chegar até a entrevista…

    Os exames de recrutamento das Torres da Magia, realizados duas vezes por ano, eram conhecidos como uma competição brutal. Entre as cinco torres, milhares de magos prestavam o exame, mas no máximo algumas dezenas passavam e eram aceitas.

    Ainda faltavam dois meses para o próximo exame, mas a estrada em frente à mansão de Sienna já estava tomada de estudantes rezando por sucesso.

    — Não precisa prestar atenção neles — disse o guia ao notar Eugene olhando para aquele grupo com olhos arregalados. Ele se aproximou com um sorriso no rosto. — Eles não vão conseguir entrar na mansão de qualquer jeito, não têm dinheiro pra isso.

    — …É mesmo? — Eugene perguntou.

    — Só a taxa de entrada para o jardim custa centenas de milhares de sals. E se quiser visitar o interior da mansão, tem que pagar várias vezes mais.

    — Por que é tão caro?

    — Porque ainda há gente disposta a pagar esse preço para entrar. Existe uma superstição de que, se você rezar diante do retrato de Sienna que está no salão principal da mansão, passará no exame de recrutamento da torre que deseja entrar.

    — Isso funciona?

    — Claro que não… Alguns anos atrás, depois de juntar dinheiro com muito esforço, eu rezei diante do retrato… e mesmo assim fui reprovado.

    Os ombros do guia murcharam ao admitir isso.

    — …De todo modo, o preço alto mostra o quanto essa oportunidade é valiosa, não é? Como Dama Sienna nunca se casou nem teve filhos, toda a renda do turismo da mansão vai para o palácio real.

    Junto do guia, Eugene seguiu até o portão principal da mansão. Apesar da fila, o nome Lionheart provou ser eficaz: as pessoas logo abriram caminho.

    “Então foi por isso que ele mandou eu continuar com a roupa formal.”

    Antes de embarcar na carruagem aérea, Eugene já estava incomodado com os olhares e tentou trocar de roupa, mas o guia insistiu para que ele continuasse com o traje até terminar a visita à mansão de Sienna.

    Graças a esse conselho, não precisaram esperar. Após trocar algumas palavras com os guardas, o capitão da guarda veio pessoalmente saudar Eugene.

    — Sir Eugene Lionheart, sua identidade foi confirmada.

    A identidade de Eugene estava vinculada ao seu sangue, então era impossível forjá-la. Especialmente a dele, que possuía uma aparência rara e chamativa, já que o brasão dos Lionheart fora gravado no verso do cartão depois que ele foi adotado pela linha direta.

    “Antigamente, andávamos com medalhões…”

    E embora todos carregassem esses medalhões, eles não eram tão eficazes para identificação, era fácil falsificá-los. Naquele tempo de constante derramamento de sangue, o que realmente servia para provar a identidade de alguém era a força, não um emblema.

    “Até a moeda virou esses papéis esquisitos…”

    A moeda ainda se chamava sal, mas costumava vir em forma de peças de cobre, prata e ouro. E esse tal dinheiro de papel? De onde exatamente vinha seu valor?

    “O mundo mudou mesmo.”

    Enquanto vivia na sede principal, Eugene não havia sentido tanta diferença. Mas agora que saía pelo mundo, tudo parecia meio irreal ao perceber o quanto as coisas haviam mudado desde sua vida passada.

    O capitão dos guardas perguntou:

    — Como os senhores desejam pagar a entrada?

    Com naturalidade, o guia respondeu:

    — Queremos o tour completo pela mansão. Sir Eugene, vai querer pagar em dinheiro ou com cartão?

    Pego de surpresa, Eugene gaguejou:

    — …C-Com cartão.

    Tateando, Eugene tirou o cartão da carteira. Aquilo que chamavam de carteira também era estranho. Por que colocar o dinheiro nesses bolsos de couro finos? Ninguém mais usava bolsas de moedas? E esse tal cartão? Disseram que ele podia usá-lo sem hesitar sempre que precisasse pagar algo. Era um cartão preto, com o brasão dos Lionheart gravado.

    — Um ca-cartão preto… — o guia engoliu em seco ao recebê-lo.

    Os bancos nacionais só emitiam esse tipo de cartão para contas de mais alto nível. Mesmo que isso pudesse atrair ladrões, cartões roubados não podiam ser usados tão facilmente, os bancos públicos os vinculavam ao sangue do dono, como as identidades.

    — Uau… — depois de uma breve pausa, o capitão da guarda recebeu o cartão com uma reverência respeitosa.

    Assim que o pagamento foi concluído, Eugene e o guia foram escoltados não pelo portão principal abarrotado, mas por um portão mais discreto e reservado.

    — Aproveitem bem a visita — o capitão se despediu com uma reverência.

    Enquanto ainda refletia sobre a gritante diferença entre o senso comum dos dias atuais e o senso comum herdado de sua vida passada, Eugene guardou a carteira.

    “Vou ter que me acostumar.”

    Mesmo quando vivia em Gidol, Eugene raramente saía da mansão. Afinal, do lado de fora não havia nada além de campos de trigo infinitos. E depois de ser adotado pela família principal, Nina trazia tudo o que ele precisava, então ele dedicava todo o seu tempo ao treino de mana e artes marciais.

    — Por quanto tempo deseja ficar aqui? — o guia perguntou educadamente.

    — Talvez uma ou duas horas? — Eugene respondeu, parecendo incerto.

    — Nesse caso, vou esperá-lo aqui até terminar — o guia respondeu com um sorriso.

    Eugene assentiu distraidamente e se virou. No início, questionara a utilidade de um guia, mas agora achava até conveniente ter alguém lidando com os detalhes incômodos por ele.

    — …Muito bem… — Eugene respirou fundo antes de dar o primeiro passo. — Vamos ver como aquela garota vivia.

    A mansão de Sienna era enorme.

    Ela morou ali por mais de cem anos. Durante esse tempo, Vermouth se casou com mais de dez mulheres, e até aquele tolo do Molon arranjou casamento e teve vários filhos.

    Mas Sienna nunca se casou. Nem sequer morou com seus três discípulos pessoais. Exceto pelos criados, ela viveu sozinha nessa mansão espaçosa.

    “Se ela viveu aqui por cem anos, não seria estranho se tivesse se casado e até tido netos.”

    No caso de Anise, por causa da fé, era normal que não se casasse. Mas e Sienna? Se ia viver tanto tempo, não teria sido melhor seguir o exemplo de Vermouth e Molon, casar, ter filhos… só para não acabar sozinha?

    — Ei, o que você pretende fazer depois disso tudo?

    Essa lembrança… quando havia acontecido?

    Provavelmente… logo depois de derrotarem o quinto Rei Demônio, o Rei do Massacre. Nas ruínas do castelo do Rei Demônio, enquanto todos ainda estavam exaustos da batalha, tinham organizado uma escala para vigia.

    Numa noite em que todos estavam apagados pelo cansaço, Hamel enfaixava os próprios ferimentos quando Sienna, que seria a próxima na vigia, abriu os olhos e lhe fez essa pergunta.

    — Por que tá perguntando isso do nada?

    — Só tô curiosa. A gente tá passando por tanta merda nesse inferno, numa idade em que devia estar aproveitando a juventude… então acho que temos o direito de pensar em ter um pouco de felicidade depois disso, não acha?

    — Sei lá. Nunca parei pra pensar nisso.

    — Molon, aquele idiota, disse que quer virar rei. Não é hilário?

    — Louco do caramba. Que besteira. Por que ele ia querer ser rei?

    — Deixa ele. É o que ele quer… Todo mundo tem o direito de sonhar.

    — Você bebeu? ‘Todo mundo tem o direito de sonhar…’ Olha isso, até me deu arrepios de tão brega.

    — Seu desgraçado. Eu só tava tentando ser sincera…!

    — Então, o que você pretende fazer quando isso acabar? Vai querer virar rainha igual o Molon?

    — Tá maluco? Por que eu escolheria algo tão chato?

    — Mas tá dizendo que seria possível, né?

    — Claro que é. Se a gente voltar depois de matar todos os Reis Demônio, vão tentar empurrar coroas pra gente mesmo que a gente diga não. Molon provavelmente pensou nisso também, por isso falou que queria ser rei.

    — Então, se não quer ser rainha, o que você quer?

    — Eu queria…

    Eugene ergueu o olhar para o retrato. Lá estava Sienna, exatamente como Hamel se lembrava dela. Cabelos lilás claros, encantadores mesmo num relance no meio de uma multidão, e olhos verdes tão belos quanto os cabelos.

    — …viver uma vida normal… como qualquer pessoa… Quero me casar, ter filhos, viver com conforto e, um dia, virar avó.

    Na mente de Eugene, o vento soprou pelos cabelos de Sienna.

    Inconscientemente, Eugene estendeu a mão em direção ao retrato.

    De repente, uma voz o lembrou:

    — Não é permitido tocar no retrato.

    Eugene não conseguiu conter o xingamento:

    “Filho da mãe, justo quando eu tava ficando sentimental.”

    Um dos guardas posicionados na mansão lançou-lhe um olhar de advertência. Embora todos os objetos estivessem protegidos por magia de preservação, ainda assim não podiam ser tocados livremente.

    — Eu entendo o que está sentindo — o guarda disse com simpatia. — Dama Sienna é realmente linda… Claro, é impossível que um retrato consiga capturar toda a beleza dela.

    Ainda um pouco irritado, Eugene perguntou:

    — Você nunca viu ela pessoalmente. Como pode ter tanta certeza?

    — Porque retratos nunca superam a realidade — o guarda respondeu com convicção.

    Eugene não tinha tanta certeza disso. Ergueu o rosto e encarou o retrato mais uma vez. No início, achou que a imagem combinava perfeitamente com suas memórias… mas, ao olhar novamente, parecia até mais bela do que a verdadeira.

    “…É mesmo.”

    Quanto mais encarava o retrato, mais incerto Eugene se sentia. Se ela voltou sem matar os dois Reis Demônio restantes, então por que não se casou, teve filhos e envelheceu em paz, cercada pelos netos? Por que Sienna viveu sozinha por mais de cem anos?

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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