Feita de massa encefálica pulsante, uma estante de livros irradiava um brilho azul etérico que se perdia no infinito. A própria estrutura parecia respirar, exalando uma sensação perturbadora de conhecimento absoluto, sabedoria ancestral… e a loucura esmagadora que os acompanhava.

    Nessa estante tão eterna quanto o tempo, coexistiam todos os livros, artigos, jornais, cartas, e tudo o que já foi ou seria escrito, armazenado nessa biblioteca tão alta quanto o próprio espaço.

    Mas a Verdadeira Biblioteca de Alexandria não guardava apenas livros, jornais ou artigos.

    Havia também seres demoníacos com infinitos olhos, tantos olhos quanto o número infinito de quilômetros de altura da grande biblioteca.

    Esses seres agiam como guardas, prontos para exterminar qualquer infeliz que ousasse buscar o conhecimento infinito. E entre essas criaturas demoníacas, com cabeças que pareciam colmeias de olhos em forma de cérebro, dois jovens humanos pareciam completamente deslocados.

    Laab, com sua pele de ébano, cabelos pretos encaracolados e olhos verdes brilhantes, carregava olheiras ainda mais profundas e pesadas. Seus passos pareciam exigir toda a sua força, como se estivesse carregando uma bola de metal no tornozelo. Constantemente, ele estralava os dedos, talvez para fugir de uma mente ansiosa demais para descansar.

    Ao lado dele, Jito Valtross, com sua pele oliva, cabelos castanhos desgrenhados e olhos âmbar, estava tão cansado quanto Laab — uma consequência dos dias sem dormir, correndo dos demônios e lutando contra as aberrações oculares. Mesmo assim, nunca ousava deixar sua postura curvada, como se fosse sua maldição.

    “Se eu morrer aqui, eu vou te amaldiçoar, Beelzebuth, eu juro…”

    Já havia se passado uma semana desde que ficaram presos na Verdadeira Biblioteca de Alexandria. A comida, por enquanto, não era um problema. Como Laab havia lido em “Curiosidades sobre os Divinos”, um Serafim poderia ficar de sessenta a noventa dias sem comer. A comida não era algo problemático; eles estavam racionalizando, comendo uma pequena porção por dia que era o suficiente para não ficarem fracos a ponto de não conseguirem derrotar os demônios de olhos.

    O maior problema era a água.

    “Temos água para, no máximo, mais uns três dias. Se bebermos o suficiente para não desidratarmos a um nível fatal, pode durar, uhm, cinco dias, talvez?” — Laab refletia sobre seu problema, tentando encontrar alguma solução, mas cruelmente falhando no processo.

    A única coisa boa que veio de ficar preso na Verdadeira Biblioteca de Alexandria foi a oportunidade de ler os inúmeros livros, artigos e escritas que Laab e Jito encontraram.

    Entre tomos ensinando como sobreviver no mundo fora da proteção das cidadelas, pergaminhos detalhando técnicas de esgrima e artigos sobre civilizações antigas, Laab aprendeu um pouco mais sobre as Línguas Antigas!

    As Línguas Antigas eram idiomas criados pelas civilizações ancestrais. Normalmente, cada frase desses idiomas continha um poder, e cada língua era usada para um propósito específico. E agora Laab sabia — nem que fosse um pouco — sobre elas.

    “Talvez um dia eu possa virar fluente na Língua Troll?” — Laab tentava se animar um pouco.

    Laab havia aprendido sobre quatro línguas: a Língua Élfica, a Língua Draconiana, a Língua Troll e a Língua dos Lobos. Elas poderiam ajudar as pessoas que as dominavam em determinadas situações, sendo cada uma proficiente em algo.

    Por exemplo, a Língua Draconiana era imbuída com o poder de calamidades. Ou seja, se uma pessoa atirasse uma flecha enquanto falava na Língua Draconiana, o encantamento correspondente poderia soltar uma rajada de ar ou até mesmo conjurar um furacão.

    Já a Língua dos Lobos era ótima para ser usada em qualquer tipo de ritual, seja de mediunidade, sacrificial ou de purificação.

    — Lok’Dur — Laab murmurou baixinho. Como um sopro etéreo, uma brisa suave tocou seu corpo, aliviando um pouco a fadiga. Ele havia murmurado em Trollesco uma frase que significava um comando simples ao próprio corpo: “Diminuir Fadiga”.

    Durante suas leituras, Laab havia descoberto coisas estranhas demais sobre a Verdadeira Biblioteca de Alexandria. Uma das mais perturbadoras era que o tempo simplesmente não passava.

    Pelo menos, não da forma convencional.

    Ele percebeu isso quando encontrou livros datados com anos que ainda não haviam chegado.

    “Regras da Cozinha Demoníaca — Volume 4” Publicado em 104 p.C.

    “Isso é ano que vem!” — Laab pensou, atônito.

    Certa vez, escalando um dos níveis mais altos da estante infinita, Laab encontrou algo ainda mais bizarro:

    “O Iluminado” Lançado em 1977 d.C.

    “Isso foi há mais de 134 anos!”

    Jito ficou ainda mais confuso quando soube que Laab conhecia a data de lançamento daquele livro antigo.

    Afinal, quando as Cinco Igrejas foram formadas e criaram o novo governo mundial, elas reiniciaram o calendário. A contagem dos anos passou a girar em torno da chegada dos demônios: a.C antes do cataclismo e p.C pós cataclismo.

    Laab era um amante da história. Saber coisas assim era quase natural para ele.

    Foi então que começou a entender algo perturbador: na verdadeira Biblioteca de Alexandria, o tempo não era uma ideia abstrata, teórica ou apenas uma linha contínua.

    “O tempo era vertical!”

    “Quanto mais descemos, mais nos aproximamos do futuro. Quanto mais subimos, mais voltamos ao passado…”

    Essa era a teoría de Laab.

    Ele estralou os dedos.

    Era nisso que ele acreditava — mas não queria acreditar.

    Simplesmente porque não havia nenhum livro datado além do ano 133 p.C.

    “O mundo acaba em 133 p.C.? Ou seria apenas o fim da humanidade?”

    “Algo mais profundo deve estar escondido nessa data…”

    Ele estralou os cinco dedos da mão esquerda e bocejou levemente, fazendo os olhos lacrimejarem.

    Jito bocejou também.

    Laab sabia muito pouco sobre o jovem de cabelos castanhos e postura impecavelmente reta.

    Laab sabia muito pouco sobre o jovem de cabelos castanhos e postura impecavelmente reta.

    Há três dias, quando compartilharam seus sonhos, eles não se tornaram exatamente amigos — mas, desde então, o silêncio entre os dois deixara de ser desconfortável. Agora, era quase agradável.

    Jito era bastante introspectivo. Assim como Laab, embora Laab nem sempre tivesse sido assim.

    Laab costumava ser sociável, amigável e atencioso — especialmente com Omar e Cibele. Ele não era essa figura fechada e contida que agora se tornara.

    É apenas que ser ele mesmo o fazia lembrar de Omar…

    Laab achava que Jito se parecia com ele antes da morte de Omar. Só que, no caso de Jito, havia claramente um trauma que o deixará ainda mais reservado.

    Laab não queria perguntar.

    Não por falta de curiosidade — apenas por respeito. E, no fundo, porque eles não eram próximos o suficiente para isso.

    Laab olhou para os lados e viu uma estante feita de massa encefálica e livros.

    Muitos livros.

    Ele virou o rosto para o outro lado… e viu outra estante. Também feita de massa encefálica. Também repleta de livros.

    Muitos livros.

    “Se isso é um cérebro… de quem é?”

    “Claro, talvez seja a representação física do cérebro da Fonte do Conhecimento. Mas por que o cérebro dele teria uma representação física?”

    “Deuses… como eu vou contar para as pessoas que entrei no cérebro de um deus?”

    Laab riu baixo, achando graça da própria situação, e acenou para que Jito parasse um pouco.

    Ele já estava sedento de tanta sede.

    Abriu sua bolsa, pegou uma garrafa e tomou um gole. Em seguida, estendeu a garrafa para Jito, que a pegou e deu um último gole.

    — Valeu — Jito agradeceu, ofegante. — Vamos descansar agora. Você fica de guarda.

    Antes mesmo de Laab concordar com a cabeça, Jito já havia se deitado no chão, usando algumas roupas como travesseiro improvisado.

    Laab sorriu, voltou o olhar para os lados e, mais uma vez, viu:

    Livros.

    Muitos livros.

    Livros, livros… e mais livros.

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