Capítulo 89: Akron (5/6)
Este era o primeiro andar de Akron. Toda a história de Aroth e de Akron cobria uma das paredes daquele grande salão aberto, e diversos relatos relacionados a Sienna estavam entre os registros históricos.
Essa Biblioteca Real não apenas armazenava grimórios de imenso valor, mas nos andares superiores também guardava os vários vestígios deixados por Arquimagos lendários cujos nomes estavam gravados na história da magia.
“Para uma biblioteca, este lugar também parece muito com um museu”, pensou Eugene.
De mãos para trás, Eugene permanecia de pé, lendo o que estava escrito na parede. Como era de se esperar, o que mais lhe interessava eram os registros sobre Sienna. Os vestígios de Sienna estavam armazenados do décimo segundo ao décimo quarto andar. Entre todos os Arquimagos cujos nomes constavam na lista de figuras proeminentes de Akron, Sienna era a única com três andares inteiramente dedicados a ela.
Esse era o tamanho do papel que o nome ‘Sienna Merdein’ havia desempenhado na história de Aroth, não, na história da magia. Ela foi a Arquimaga que enfrentou os Reis Demônios junto com o Grande Vermouth.
Vermouth não havia contribuído muito para o avanço da magia, mas Sienna se estabeleceu em Aroth e passou muito tempo como Mestra da Torre Verde. Foi ela quem estabeleceu a fórmula mágica dos Círculos e permitiu que ela se espalhasse, possibilitando que incontáveis magos aprendessem através dela.
“Ela realmente se esforçou a vida toda”, pensou Eugene, com um sorriso amargo ao ler a lista das realizações de Sienna. “Mas isso não combina com ela.”
Levar uma vida normal, casar como qualquer outra pessoa, ter um filho, viver em paz e tornar-se avó, era isso que Sienna havia dito a Hamel que gostaria de fazer quando se aposentasse.
Apesar de ter dito aquilo, Sienna passou a vida inteira sozinha. Durante seu tempo na Torre Vermelha da Magia, Eugene encontrou vários livros sobre Sienna, mas mesmo tendo vivido em Aroth por quase cem anos, ela não parecia ter tido nem um único escândalo nesse tempo todo.
Embora fosse conhecida como a Sábia Sienna, diversos livros de história de Aroth lhe atribuíram um título diferente: a Buscadora da Verdade1.
Sienna viveu sozinha a vida inteira, sem consumir álcool nem levar uma vida de luxo, e passou a maior parte de seu tempo na Torre Verde da Magia ou em sua mansão. Nunca se encontrou com nenhum de seus três discípulos em particular fora da Torre da Magia e jamais compareceu a festas ou eventos sociais.
Mas essas anedotas sobre Sienna não tinham nenhuma semelhança com a Sienna que Eugene lembrava.
Segundo as memórias de Hamel, Sienna gostava de beber. Embora não tanto quanto Anise, durante a jornada deles, Sienna vivia roubando a água benta de Anise e bebia enquanto ouvia as fofocas mais recentes.
Sienna também adorava se divertir. Gostava de beber e conversar com mercenários em tavernas baratas e também de bater papo com estranhos.
Como alguém com uma personalidade tão animada quanto Sienna poderia ter vivido uma vida ascética por quase cem anos, a ponto de ser chamada de Buscadora da Verdade? Eugene simplesmente não conseguia acreditar nisso.
— Ei, garoto — uma voz o chamou.
Interrompendo sua leitura repetitiva dos registros de Sienna com o cenho franzido, Eugene virou-se e viu a Mestra da Torre Branca sorrindo enquanto enrolava uma mecha de seus cabelos cacheados entre os dedos.
— O que está lendo com tanta atenção? — ela perguntou. — Tem algum mago que te interessa?
Em vez de responder à pergunta, Eugene perguntou outra coisa:
— Já terminaram a discussão?
Atrás da Mestra da Torre Branca, os outros magos saíam da sala.
— Mhm, terminou — ela assentiu. — Não te deixamos esperando demais, deixamos?
— Na verdade, foi bem mais rápido do que eu esperava — Eugene respondeu.
— Se tivéssemos que chegar a uma decisão unânime, nem o dia inteiro teria sido suficiente.
— Sendo assim, como chegaram a uma conclusão?
— Fizemos uma votação por maioria, é claro.
Com um sorriso, a Mestra da Torre Branca olhou para trás e revelou:
— Cinco aprovaram sua entrada, dois se opuseram e um se absteve.
— Foi mais apoio do que eu esperava — comentou Eugene.
— Não está curioso para saber quem aprovou, quem se opôs e quem se absteve?
— Desde que eu saiba que mais aprovaram do que se opuseram, isso já me basta. Nesse caso, posso subir para os andares superiores agora?
— Mhm, está liberado. Afinal, foi isso que decidiu a maioria. Hah, já que você não parece tão curioso, deixe-me te contar de qualquer forma. Fui eu quem se absteve.
Os olhos de Eugene se arregalaram com essas palavras. Pela forma como ela se aproximou e falou com ele de maneira tão amigável, tinha certeza de que ela havia aprovado sua entrada. Enquanto Eugene inclinava a cabeça, confuso, a Mestra da Torre Branca apenas riu com leveza ao encará-lo.
— Pelo clima da sala, parecia que haveria bastante gente votando a seu favor de qualquer forma, então senti que o resultado não mudaria só porque me abstive — explicou ela. — Ah, mas não se preocupe. Embora eu tenha me abstido, não sou contra sua entrada em Akron.
— Mas, independentemente da justificativa, você também não aprovou minha entrada — rebateu Eugene.
— Isso é verdade. Para ser sincera, me senti um pouco dividida. Você pode estar transbordando talento e cheio de potencial. Mas, não é fato que ainda é um pouco jovem demais? — dizendo isso, a Mestra da Torre Branca abaixou o tom de voz. Depois, inclinando-se levemente na direção de Eugene, sussurrou baixinho: — E além disso… o ponto crucial é que, se eu demonstrasse apoio a qualquer dos lados com meu voto, acabaria me envolvendo em uma discussão irritante. Dá pra ver na cara deles, não é? Todos ainda parecem incomodados… Mesmo com a votação decidida e a conclusão alcançada, eles só vão mudar de sala e continuar discutindo em outro lugar.
— E quanto a você, Mestra da Torre Branca? — perguntou Eugene.
— Já que me abstive, não preciso me preocupar com isso. Posso apenas dizer com honestidade que não mudarei minha posição neutra, não importa o que tentem me convencer.
Endireitando-se de novo, a Mestra da Torre Branca acenou para os outros magos. A única pessoa que reagiu foi o Mestre da Torre Azul, que ainda mantinha uma expressão rígida. Após lançar um olhar de desgosto para a Mestra da Torre Branca, ele suspirou fundo e saiu de Akron.
De repente, ela comentou: — O Mestre da Torre Azul aprovou.
— …Hã? — Eugene demorou a responder.
— Estou falando da sua permissão para entrar em Akron. No começo ele era contra, mas parece que mudou de ideia durante a reunião.
Eugene se surpreendeu com essas palavras. Desde que havia entrado na sala, o Mestre da Torre Azul parecia o mais insatisfeito com sua presença, mas ao que tudo indicava, ele havia mudado de opinião no final.
— Agora então… dum-dum-dum. Quem você acha que foram os dois que votaram contra? — perguntou a Mestra da Torre Branca com ar brincalhão.
— Eu disse que não estava curioso — resmungou Eugene.
— Foram o Mestre da Torre Verde e o Chefe da Guilda dos Magos.
— Por que continua me contando isso mesmo eu dizendo que não quero saber?
— Você tem mesmo dezessete anos? Que reação fria. Não devia estar mais irritado e frustrado?
— Irritado e frustrado com o quê?
— ‘Como ousam ignorar o prestígio da linhagem direta dos Lionheart?’ Você não sente nenhum orgulho ferido?
— Não.
— É porque sente que vem de um ramo colateral, no fim das contas?
— Hah, não é isso — Eugene suspirou. — Só não vejo motivo pra demonstrar esse tipo de arrogância. Quão nojento seria eu vir até um país estrangeiro e agir como se estivesse acima de todos por causa disso?
— Você está falando do seu irmão mais velho, né? — perguntou a Mestra da Torre Branca com um sorriso travesso.
Eugene ficou confuso por um instante, depois lançou um olhar irritado para ela.
O nome da Mestra da Torre Branca era Melkith El-Hayah.
Até Eugene já tinha ouvido falar dela. Era conhecida como a melhor Invocadora de Espíritos de sua geração. Foi a primeira pessoa da história a assinar contrato com dois Reis dos Espíritos ao mesmo tempo. Além de sua habilidade com magia espiritual, também era uma grande maga que havia alcançado o nível de Arquimaga em magia convencional.
— Você realmente continua dizendo coisas que eu não quero ouvir. Tem alguma rixa comigo? — questionou Eugene.
— Nenhuma — negou Melkith.
— Então tem algum ressentimento com os outros magos?
— De jeito nenhum. Você acha mesmo que eu disse tudo isso agora só pra colocar você contra eles? Nossa, nem pense nisso. O que eu ganharia tentando envenenar sua impressão deles?
— Nesse caso, por que está me contando tudo isso?
— Porque estou interessada. — Com um sorriso, Melkith apontou para a Espada Tempestuosa Wynnyd, pendurada na cintura de Eugene. — Eu sei que espada é essa. É um tesouro do clã Lionheart, a Espada Tempestuosa Wynnyd. Ouvi dizer que ela até recebeu a proteção do Rei dos Espíritos do Vento?
— Sim, e daí? — Eugene confirmou.
— Embora eu esteja interessada em você também, estou ainda mais interessada nessa sua espada. Já faz muito tempo que tento firmar um contrato com o Rei dos Espíritos do Vento, mas… ele parece ser orgulhoso demais. Não importa quantas vezes eu o invoque, ele simplesmente não aparece.
— Pelo que sei, Mestra, você já tem contrato com dois Reis dos Espíritos. Eles não são o bastante pra te satisfazer?
— Claro que não.
- um termo geralmente usado para descrever alguém que busca o caminho budista para a iluminação através do ascetismo. Um equivalente ocidental seria os eremitas que vivem em pobreza.[↩]
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