Capítulo 94: Salão de Sienna (3/8)
— Aquele cajado foi usado pela Dama Sienna durante a maior parte da vida dela — disse Mer, assumindo o tom de uma guia turística.
A Feitiçaria não era o único item no Salão de Sienna. As diversas ferramentas mágicas que ela usara ao longo da vida e que não podiam ser mantidas em sua mansão, já que esta havia sido transformada em atração turística, estavam guardadas ali.
Como, por exemplo, o cajado que Mer apontava. Esse item também estava nas memórias de Eugene.
— …Chama-se Akasha — ele recordou.
— Como esperado, você já sabia — Mer sorriu vitoriosa e estufou o peito. — Existe uma árvore conhecida como Árvore das Fadas, que só cresce na Floresta Samar, o santuário dos elfos. Akasha, o cajado mágico mais poderoso do mundo, foi feito a partir das raízes daquela árvore milenar que cresce no centro da floresta deles.
A voz dela, trêmula de empolgação, fazia Eugene sentir como se estivesse ouvindo a própria Sienna. Ela mesma havia explicado a origem do cajado há muito tempo, e, como um papagaio, repetia essas histórias sempre que ficava bêbada.
Os elfos acreditam que a árvore ancestral guarda os espíritos de seus antepassados e que suas raízes sustentam todo o mundo. — Mer continuou sua palestra — Essa Árvore do Mundo é o centro da religião élfica. Você entende o que isso significa, não é? Aqueles elfos arrogantes cortaram uma raiz daquela árvore sagrada e ancestral para presentear a Dama Sienna!
Sienna não era uma elfa, nem sequer uma meio-elfa.
Apesar de humana, Sienna era frequentemente associada aos elfos. Entre os muitos rumores sobre onde ela teria se refugiado, alguns diziam que ela havia buscado abrigo na Floresta Samar, o santuário dos elfos.
Sienna não sabia quem eram seus pais. Quando ainda era um bebê, foi abandonada na grande selva no extremo sul do continente, a Floresta Samar. Normalmente, ela teria sido devorada por um monstro ou besta selvagem, mas, naquele dia, sua sorte foi boa. Um elfo que por acaso passava por ali ouviu o choro do bebê e a salvou.
Foi assim que Sienna foi levada até o bosque sagrado dos elfos, localizado em algum lugar no coração daquela floresta.
Os elfos dali não a receberam de bom grado. No entanto, ao descobrirem que ela possuía um talento mágico tremendo, a reconheceram como uma deles e lhe ensinaram a magia élfica.
Enquanto Eugene encarava Akasha com um olhar vago, Mer prosseguia com sua voz aguda:
— Dama Sienna foi a primeira pessoa a possuir um cajado feito das raízes da Árvore do Mundo. Mesmo entre os elfos, isso foi uma honra sem precedentes. E não só isso — está vendo aquilo ali? A joia vermelha na ponta do cajado! Se estiver curioso sobre o que é aquilo, é…
— Um Coração de Dragão — Eugene interrompeu.
Mer aceitou a interrupção sem se abalar — Sim, isso mesmo! Entre todos os cajados mágicos existentes no mundo, apenas dois incorporam um Coração de Dragão. Um deles é o Akasha da Dama Sienna, e o outro é…
— Vladmir — respondeu Eugene em tom calmo.
Aquele cajado terrível ainda existia trezentos anos atrás. Na época, seu dono era um lich chamado Belial, um servo do Rei Demônio do Encarceramento.
Eugene tinha uma relação trágica com aquele cajado.
Instintivamente, ele lançou um olhar para o próprio abdômen. Em sua vida passada, quem o matara havia sido aquele lich, Belial. Ele era responsável pelas armadilhas poderosas espalhadas por todo o castelo do Rei Demônio, e o grupo de Hamel havia sido constantemente atormentado por essas armadilhas, sem qualquer chance de descanso.
Durante o tempo em que estiveram naquele castelo, Hamel foi deixado à beira da morte após ter o peito perfurado.
Desde o início, o Castelo do Rei Demônio do Encarceramento era tão torturante que não podia ser comparado aos castelos dos Reis Demônios anteriores. Além disso, todas as feras demoníacas e demonídeos que protegiam o castelo eram fortes o bastante para se equiparar aos servos dos Reis Demônios anteriores.
E entre esses guardiões, havia três demonídeos especialmente poderosos. Eles eram conhecidos como a Lâmina, o Escudo e o Cajado do Encarceramento.
Enquanto enfrentavam o Escudo do Encarceramento, Belial, o Cajado, interveio. Dentro do castelo do Rei Demônio do Encarceramento, era impossível anular completamente os efeitos da magia negra e das maldições lançadas por Belial, mesmo com a magia sagrada de Anise.
Alguém precisava avançar e abrir caminho.
Hamel se ofereceu para esse papel. Embora normalmente Molon fosse quem assumiria esse papel, Hamel o recusou e insistiu que ele mesmo abriria o caminho, permitindo que os demais avançassem.
Não era possível conquistar o Castelo do Rei Demônio do Encarceramento sem que alguém morresse.
Então, se alguém tivesse que morrer…
‘Que seja eu’, ele havia dito.
Hamel era forte.
Mas não tão forte quanto Vermouth.
Hamel era resistente.
Mas não tanto quanto Molon.
Ciente disso, assumiu a dianteira. Para que, mesmo que morresse, Molon pudesse suportar os golpes. Mesmo que não pudesse mais lutar, Vermouth ainda estaria lá para continuar lutando.
Após derrotarem o Escudo do Encarceramento, Hamel estava tão ferido que já se encontrava à beira da morte. Nem poder divino, nem magia eram capazes de curar suas feridas. A energia maligna do castelo e as maldições do lich o empurraram para a morte.
E, quando a batalha contra Belial, o Cajado do Encarceramento, terminou, um enorme buraco atravessava o peito de Hamel.
Foi assim que sua vida passada chegou ao fim.
Hamel foi morto por Belial e Vladmir. Eugene tinha certeza de que Vladmir havia sido destruído. Pouco antes de morrer, testemunhou a filactéria de Belial ser despedaçada, e o próprio lich virar pó.
No entanto, de algum modo, Vladmir não foi destruído. Embora Eugene não soubesse os detalhes de como sobreviveu, o atual dono de Vladmir era o Conde Edmond Codreth de Helmuth. Junto do Mestre da Torre Negra Balzac, Edmond era um dos três magos negros que haviam assinado contrato com o Rei Demônio do Encarceramento.
— Posso tentar segurar? — Eugene perguntou, apontando para Akasha.
Diante da pergunta, Mer fez um sorriso travesso e assentiu:
— Claro que pode, mas só para avisar, é impossível lançar qualquer magia com esse cajado.
— Por quê? — Eugene questionou.
— Akasha só reconhece a Dama Sienna como sua mestra. Depois que a Dama Sienna se retirou, vários magos tentaram se tornar os novos donos de Akasha, mas nenhum deles conseguiu receber sua aprovação.
— Se não podiam usar, por que deixaram ele aqui? Deviam ter quebrado o cajado e ao menos aproveitado o Coração de Dragão.
— Por favor, não diga absurdos. Akasha é um tesouro concedido à Dama Sienna pelos elfos e pelos dragões. Mesmo sem poder ser usado, por si só já tem um valor imenso.
Mer apontou isso com um estalo da língua, e Eugene sorriu de leve. Aquela resposta despertava certa nostalgia. Há muito tempo, ele ouvira algo parecido da própria Sienna.
— Você já deve saber disso também, não é, Sir Eugene? Um Coração de Dragão é literalmente o coração de um dragão. Como o coração de um de seus camaradas mortos foi sacrificado para criar um cajado para a Dama Sienna… se alguém quebrasse Akasha por causa disso, não sei quanto aos elfos, mas os dragões com certeza apareceriam para varrer Aroth com seus sopros.
Ele também já ouvira algo semelhante da própria Sienna. Quando brincara sobre quebrar o cajado e dividir a mana do Coração de Dragão entre eles, Sienna jogou uma garrafa de cerveja nele gritando:
— Seu ignorante desgraçado. Quer quebrar o quê? Tá querendo acabar com a gente?
Claro, Mer não o xingou daquele jeito, mas ouvir dela as mesmas palavras que Sienna havia dito, com um rosto tão parecido com o dela, fez Eugene se lembrar das memórias de sua vida passada.
“…Isso é…” Por alguns segundos, Eugene ficou paralisado, até despertar com um pensamento: “Isso não é bom.”
Estava se deixando levar demais pelas memórias de sua vida anterior. Eugene balançou a cabeça com força e se virou de Mer. Não havia ido até Akron só para mergulhar em lembranças.
— Por ora, vamos só tentar segurar — disse, estendendo a mão.
O cajado era da altura de Sienna. Mesmo o segurando diretamente, nada parecia acontecer. Após lançar um olhar para Mer, Eugene tentou infundir um pouco de mana em Akasha.
Mas, mais uma vez, nada aconteceu. Akasha não aceitava a mana que ele oferecia. Desde que vira a ilusão de Sienna, Eugene alimentava uma leve esperança de conseguir obter a aprovação de Akasha. Mas parecia que Sienna não havia deixado nada planejado para ele.
“Se fosse para deixar algo para mim, preferia que tivesse deixado Akasha em vez do colar.”
Ainda não sabia quem havia deixado o colar na sede principal do clã Lionheart. No entanto, Eugene estava quase certo de que tinha sido Sienna quem o deixara lá.
— …Você sabe o que é isso? — perguntou Eugene, ao ter um pensamento repentino. Ele puxou o colar e mostrou a Mer.
Mer o examinou e disse:
— É só um colar desgastado.
— Então não se lembra de já tê-lo visto?
— De jeito nenhum. Não disse que não saio de Akron há centenas de anos?
— Bem, não importa se não reconhece.
Sem fazer mais perguntas, Eugene guardou o colar de volta por baixo da gola. Em seguida, deixou Akasha para trás e começou a vasculhar o Salão de Sienna com mais atenção.
Havia várias coisas que ele se lembrava de já ter visto.
Lá estavam as vestes e o chapéu que Sienna sempre gostava de usar. Eles também eram artefatos de imenso valor mágico. O primeiro andar do salão estava repleto desses itens. Com a Feitiçaria ao centro, o entorno era preenchido por todas as ferramentas mágicas que Sienna havia utilizado pessoalmente.
— Você não pode levar nada disso com você — alertou Mer.
Eugene acenou displicentemente — Não pretendo levar nada.
Talvez por terem sido encantados com magia de preservação, ainda estavam em perfeito estado mesmo depois de centenas de anos. Isso não quer dizer que estavam impecáveis. As vestes estavam puídas em diversos pontos. Tentando não se incomodar com isso, Eugene subiu as escadas.
— Esses livros são as anotações feitas durante o processo de construção de Akron — continuou Mer, no mesmo tom de guia turística.
O décimo terceiro andar estava repleto de estantes. Embora houvesse muitos livros na mansão, os livros expostos lá não se comparavam aos que estavam aqui em termos de valor. Os grimórios verdadeiramente preciosos não estavam na mansão, e sim ali, em Akron.
— E esse é um rascunho da fórmula de círculos de magia, escrito quando a Dama Sienna ainda estava desenvolvendo a teoria. Se fosse ler agora, Sir Eugene, provavelmente não entenderia nada. Mesmo sendo um rascunho, as técnicas e pesquisas envolvidas são altamente avançadas. — Enquanto seguia Eugene, Mer murmurava — Isso também vale para os outros diários de pesquisa armazenados em Akron. Entre todos os magos que passaram por aqui, nenhum conseguiu entender os estudos da Dama Sienna de primeira.
Deixando as palavras entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, Eugene puxou um dos cadernos de pesquisa da estante. Ao contrário dos livros da mansão, que não podiam ser abertos, ali se podia ler quantos cadernos de pesquisa quisesse.
— …Ha — uma risada escapou antes mesmo de Eugene passar de algumas páginas.
— Viu só? Você não faz ideia do que significam aquelas palavras, né? — Mer provocou.
— Acho que sim — Eugene admitiu com um sorriso, virando-se para longe da estante. Pensou consigo, “A caligrafia dela continua horrível como sempre.”
A péssima letra de Sienna estava eternizada naqueles livros. Já era difícil entender o que ela dizia quando começava a falar sobre mana ou Círculos, mas seus garranchos rabiscados exigiam uma decodificação à parte.
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