Capítulo 98: Salão de Sienna (7/8)
Quando Eugene abriu os olhos, a primeira coisa que fez foi verificar a cueca. Estava preocupado com a possibilidade de ter se mijado, exatamente como Melkith havia alertado.
Felizmente, a cueca estava macia e seca. No entanto, isso não foi o suficiente para tranquilizá-lo. O olhar de Mer, que estava por perto e o encarava, parecia um tanto estranho.
— Eu fiz algo vergonhoso enquanto estava desacordado? — Eugene perguntou, tentando desesperadamente manter a calma.
— Bem, desmaiar daquele jeito já foi um pouco vergonhoso — provocou Mer.
— Não estou falando disso — Eugene rosnou.
— Estava preocupado se tinha se mijado? — Mer perguntou com um sorriso travesso.
Sentindo o coração afundar, Eugene balançou a cabeça com desespero e disse — Não tem como eu ter feito uma coisa dessas.
— Dizem que a verdade costuma ser cruel. — Mer suspirou.
— Por favor, não vem com esse papo furado. Porque, como eu disse, não tem como eu ter feito isso! — O tom de Eugene se tornava cada vez mais desesperado.
Mer finalmente deu um descanso ao pobre Eugene — Para de se preocupar. Pelo menos, você não se mijou, Sir Eugene. Embora tenha espumado um pouco pela boca.
— …Então só espumei?
— E teve um pequeno sangramento pelo nariz. Mas enfim, não te falei que você não se mijou? Sir Eugene, se você tivesse se mijado, eu jamais estaria tão perto assim de você….
— …Do jeito que você falou, parece que já teve gente que se mijou.
— Claro que sim, e não foram poucos. A atual Mestra da Torre Branca, Melkith El-Hayah, também se mijou… e o Mestre da Torre Azul, Hiridus Euzeland, idem.
Eugene se lembrou do Mestre da Torre Azul, com aquele rosto sempre rígido. Então aquele velho mago de temperamento fácil de ofender realmente havia se mijado ao entrar na Feitiçaria? Ele preferia não imaginar tal cena….
— Entendi, então isso confirma que eu realmente não me mijei. Se é assim, então tudo bem — disse Eugene, aliviado, ao se levantar.
Quanto tempo teria passado? Enquanto procurava por um relógio com essa dúvida na cabeça, Mer de repente falou:
— Sir Eugene ficou desacordado por cerca de duas horas — disse Mer, respondendo à pergunta não verbalizada.
— Isso significa que apaguei por um bom tempo — Eugene murmurou surpreso.
— E então, como foi? — perguntou Mer, os olhos brilhando na expectativa por sua reação.
No entanto, Eugene achou quase impossível descrever tudo o que tinha visto e sentido.
— …Difícil — Eugene começou com essa palavra. — E árduo. Nem sei ao certo o que estava vendo…. Não, acho que entendo vagamente o que vi. Mas estou achando difícil aceitar aquilo como verdade, ou até mesmo como uma teoria.
— Claro que sim — declarou Mer, satisfeita.
Mer realmente valorizava aquela impressão sincera de Eugene. Arquimagos, cheios de orgulho por suas habilidades e conhecimento, raramente davam uma opinião honesta após experimentar o conteúdo da Feitiçaria.
— É exatamente por isso que a Feitiçaria e quem a criou, Dama Sienna, são tão incríveis — afirmou Mer com orgulho.
— Isso é verdade — Eugene admitiu, sem negar.
Ou melhor, ele não tinha como negar.
Embora sempre tivesse acreditado de coração que Sienna era a maior maga, ainda sentia curiosidade sobre o que exatamente a tornava tão extraordinária a ponto de até os outros magos a reconhecerem dessa forma. Esse tipo de pensamento era inevitável.
Eugene, não, Hamel conhecia Sienna muito bem. Não como a Arquimaga, a Sábia Sienna, mas como Sienna Merdein, a pessoa que fora sua companheira. Sabia muito bem o quanto ela podia ser desajeitada, rude, boca-suja, e o quanto sabia irritar os outros com aquele ego inflado.
“Embora eu acho que ela tem direito a esse ego.”
Eugene virou a cabeça de volta para olhar a Feitiçaria.
Para ser honesto, se dependesse só de autoestudo, não parecia que seria capaz de entender aquele grimório nem que se esforçasse pelo resto da vida.
— …Os movimentos dos Círculos eram realmente hipnotizantes — Eugene murmurou para si mesmo.
Ao ouvir esse comentário, os olhos de Mer se iluminaram — Hoh?
Observando Eugene imerso em seus pensamentos, Mer sorriu.
“De fato. Ele deve ter bons olhos para perceber que a Feitiçaria não pode ser comparada a toda a magia que aprendeu até agora. E parece que sua capacidade de compreensão também não é ruim”, Mer analisou Eugene em silêncio.
— Aquele Círculo… que diabos era aquilo? — Eugene perguntou, enquanto limpava o sangue seco do nariz.
A coisa mais surpreendente e incompreensível da Feitiçaria, aquele Círculo, era a própria essência da fórmula mágica ensinada por ela.
Eugene sabia o que era um Círculo. Já fazia trezentos anos desde que Sienna estabelecera a Fórmula da Magia de Círculos. Durante todos esses séculos, os magos de Aroth haviam se dedicado a explorar os Círculos, aperfeiçoar suas funções e desenvolver novas versões. Na era atual, não era só em Aroth, a maioria dos magos do mundo inteiro havia começado a praticar magia através dos Círculos.
Em outras palavras, os Círculos haviam se popularizado por serem fáceis de entender e aprender. Até mesmo os livros introdutórios de magia que Eugene havia lido conseguiam descrever os Círculos de maneira clara e detalhada. Embora tivesse lido mais de uma dúzia desses livros na Torre Vermelha da Magia, as descrições sobre os Círculos eram quase sempre as mesmas.
— E o que exatamente você viu? — Mer perguntou com um sorriso malicioso.
Parecia que ela realmente queria ouvir mais sobre a avaliação de Eugene ou, mais precisamente, sua admiração pelas realizações de Sienna.
“Então a Sienna já devia ser assim desde jovem”, Eugene percebeu.
Mer havia dito que fora criada com base na personalidade de infância de Sienna. A Sienna que Eugene conhecia também gostava de ouvir as reações estupefatas dos outros como uma forma de massagear o próprio ego.
— …Aquele Círculo… ele simplesmente continuava se multiplicando — Eugene disse, esfregando a cabeça dolorida. — Mas os Círculos que eu conheço… só vão até o Nono Círculo.
O Nono Círculo.
Hoje em dia, não existia nenhum mago que tivesse alcançado o Nono Círculo. Mesmo os Mestres de Torre, considerados o auge da magia, estavam limitados ao Oitavo Círculo, e nem mesmo os magos negros de Helmuth, que haviam firmado pactos pessoais com Reis Demônios, conseguiram ultrapassar a barreira até o Nono Círculo.
O Nono Círculo era o último estágio da fórmula mágica dos Círculos. Embora Eugene tivesse lido essa afirmação em muitos livros de magia, apenas a Sábia Sienna realmente havia alcançado o Nono Círculo após a criação da fórmula.
— A Feitiçaria é o último grimório que Dama Sienna criou — declarou Mer, colocando as mãos firmemente na cintura enquanto olhava para Eugene. — Quando criou a fórmula dos Círculos, Dama Sienna já estava no Nono Círculo. Mas ela continuou pesquisando e treinando sua magia. E assim… ultrapassou os próprios limites.
Eugene deduziu: — Se foi além do Nono Círculo, então isso significa que existe um Décimo Círculo?
— Você é idiota, Sir Eugene? — Mer perguntou grosseiramente.
Era só um palpite baseado em aritmética simples, mas ele foi chamado de idiota por isso. Eugene fez uma expressão ofendida, pedindo silenciosamente para que ela moderasse suas palavras, mas Mer continuou com o mesmo olhar piedoso de antes.
— Sir Eugene também presenciou o conteúdo da Feitiçaria em primeira mão. Não deve ter desmaiado antes da demonstração chegar aos dez Círculos, certo? — Mer perguntou com desconfiança.
— Eu vi o que veio depois disso — Eugene admitiu. — Quando os dez Círculos se separaram… a mana deles começou a se entrelaçar, formando um único Círculo gigantesco. E dentro desse Círculo, inúmeros círculos começaram a se multiplicar, se dividir, se entrelaçar…
— Aquilo ali é o cerne da Feitiçaria — então, como se estivesse esperando por esse momento, Mer ergueu o dedo como uma professora chamando atenção. — Chama-se Buraco Eterno. O objetivo final da fórmula dos Círculos, que só Dama Sienna conseguiu alcançar. Desde que a Feitiçaria foi revelada, inúmeros magos tentaram recriar o Buraco Eterno, mas nenhum conseguiu romper a barreira até o Nono Círculo.
— … — Eugene escutava com atenção.
— Sem desperdiçar nem um único ponto de mana, você precisa conter toda sua mana dentro de uma série gigantesca de Círculos, depois separá-los e recombiná-los para formar um novo. Isso pode ser considerado o modelo mais eficiente e amplificador de um Círculo. E não é tão complicado quanto um Círculo convencional.
— Você está dizendo que aquilo não é complicado? Aquilo?
— Embora seja difícil criar um Buraco Eterno, na verdade, é muito simples e fácil lançar magia através dele. Já não te falei isso?
Um sistema otimizado de aplicação de mana para Círculos, que amplifica o poder mágico criado por um Círculo, simplifica qualquer técnica, aumenta a eficiência, elimina a necessidade de encantamentos, permite múltiplas ativações de um mesmo feitiço com um único uso e grava feitiços no subconsciente para uso posterior.
— Se você conseguir criar um Buraco Eterno, poderá fazer tudo isso naturalmente, como respirar — Mer garantiu, dando um exemplo. — Uma bola de fogo conjurada através de um Buraco Eterno é mais forte que um Fogo Infernal lançado no Nono Círculo. E ao mesmo tempo, não exige o consumo brutal de mana do Inferno, e sua técnica de conjuração não é mais complicada do que antes.
— Se eu conseguir criar um Buraco Eterno, posso até lançar feitiços do Nono Círculo sem encantamentos? — Eugene perguntou, curioso.
— Claro, mas você não vai precisar disso. Se pode reproduzir o poder de um Fogo Infernal com apenas uma bola de fogo, por que usaria Fogo Infernal? Seria mais prático continuar lançando bolas de fogo. Ah, claro, se precisar de ainda mais poder, talvez valha a pena lançar o Fogo Infernal, mas quando Dama Sienna criou o Buraco Eterno… ela nunca mais sentiu necessidade de usar Fogo Infernal.
Naquele ponto, ela já não estava mais tentando conquistar os Castelos dos Reis Demônios, nem lutava contra eles ou os demonídeos de alto escalão. Após ‘O Juramento’, o mundo estava em paz, e Sienna já não vivia mais a vida turbulenta que levava enquanto vagavam por Helmuth.
— Agora você entendeu, né? — Mer perguntou, balançando o dedo em frente ao rosto de Eugene. — Para Dama Sienna ser assassinada por magos negros… não existe a menor possibilidade. Ao criar o Buraco Eterno, Dama Sienna pode ser considerada invencível. Embora nunca tenha confirmado pessoalmente, é provável que fosse capaz de matar um Rei Demônio sozinha.
— Talvez — Eugene disse, sem conseguir negar aquelas palavras.
A Sienna com quem havia vagado por Helmuth já era uma maga incrivelmente poderosa, mas parecia que ela havia se tornado ainda mais forte após o fim da guerra contra os Reis Demônios.
O entendimento básico de Eugene não conseguia captar completamente a grandiosidade da Feitiçaria. No entanto, ele podia afirmar que Sienna, que criou aquele grimório, era muito mais poderosa do que a versão dela que Eugene lembrava dos tempos de campo de batalha.
“Sienna não estava desperdiçando o tempo de forma leviana.”
Os outros provavelmente também não estavam. Exceto um.
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