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    — Você realmente estava mentindo descaradamente — Eugene acusou Ciel assim que saíram da Torre Vermelha de Magia. — Afinal, eu sei muito bem que você enfiou todos os presentes que o Mago Chefe Lovellian te deu num canto do seu quarto.

    — E o que isso tem a ver com mentir? — Ciel rebateu.

    — Você não disse que eles estavam decorando seu quarto?

    — Você só pensa assim porque tem um péssimo senso de design de interiores. Aos seus olhos, pode até parecer que eu só joguei tudo num canto, aos meus olhos, todos estão em seus devidos lugares como decorações.

    Será que era mesmo o caso? Eugene achou as afirmações dela absurdas, mas não conseguia encontrar um jeito de refutar. Por mais que olhasse, parecia mesmo que ela tinha só empurrado tudo pra um canto. Mas… poderia aquilo ser mesmo parte da decoração?

    — …Mas acho que estavam cobertos de poeira da última vez que os vi? — Eugene recordou hesitantemente.

    — Isso é porque você não estava olhando direito — insistiu Ciel. Você realmente acha que eu deixaria meu quarto ficar empoeirado? Algo assim é impossível. Se isso for verdade, vou chamar imediatamente minhas atendentes e repreendê-las assim que voltar para a propriedade principal.

    — Pensando melhor… talvez não tivesse poeira mesmo.

    — Acho que deve ter sido uma experiência bastante memorável — Ciel comentou com um sorriso maroto, se aproximando casualmente de Eugene.

    — O que foi? — ele perguntou.

    — Estou falando de você entrando no meu quarto — Ciel esclareceu sugestivamente. — Parece que foi tão marcante que você consegue se lembrar claramente de cada coisa que viu lá…

    — Desculpe, mas sempre tive uma boa memória — Eugene a interrompeu. — Lembro-me de tudo que vi na última vez que visitei o quarto de Cyan. Já que tocamos nesse assunto, quando encontrar ele, diga a ele para se livrar dos livros estranhos que ele anda escondendo debaixo da cama.

    Pega de surpresa, Ciel respondeu com atraso: — …O quê?

    — Cyan ainda parece acreditar que fez um ótimo trabalho escondendo-os para que ninguém mais os encontre. Mas não sou só eu, até a Nina sabe que ele vem colecionando pornografia sobre mulheres usando tiaras estranhas com orelhas de coelho, desde os quinze anos.

    — Que nojo.

    — Né? A Nina ficou horrorizada só de imaginar que, no dia em que o Cyan virar Patriarca, ele pode mudar o uniforme das empregadas para incluir orelhas de coelho e meias coloridas.

    — Vou repassar isso pra minha mãe.

    — Mas isso já é um pouco demais… — A resposta de Eugene se arrastou com uma expressão preocupada.

    Se a rígida Ancilla ficasse sabendo, era certo que ela arrastaria o Cyan pela orelha e daria uma bronca daquelas; e se isso realmente acontecesse, o Cyan podia até pensar em se matar de tanta vergonha.

    — Você devia só dar uma indireta — Eugene sugeriu.

    — E o que eu deveria dizer? — Ciel perguntou, confusa.

    — Só diz que você não gosta muito de orelhas de coelho — Eugene respondeu, já começando a andar, tendo conseguido mudar de assunto com sucesso.

    Depois de piscar os olhos surpresa para Eugene, Ciel rapidamente o alcançou apressadamente.

    — Se é assim, de que tipo de orelhas você gosta, então? — ela provocou.

    Eugene a olhou cauteloso: — Por que você perguntaria algo assim?

    — Você disse que não gosta de orelhas de coelho. Então, que tipo de orelhas você gosta?

    — Desculpe, mas eu só prefiro orelhas comuns. Se você realmente pensar bem, não acha um pouco estranho e perturbador? Se elas têm orelhas de coelho crescendo no topo de suas cabeças, o que diabos poderia haver nos lugares onde as orelhas geralmente ficam?

    — …Não podia ser só… liso?

    — Se você visse algo assim na vida real, não ia achar assustador?

    — …Se for esse o caso… e se elas tiverem apenas orelhas comuns nos lugares de sempre?

    — Isso significa que teriam tanto um par de orelhas humanas quanto um par de orelhas de coelho? Isso também não é meio perturbador?

    — …Ah… cof — Ciel não esperava essa resposta. Com uma expressão amarga, pigarreou e disse: — Vamos parar com essa conversa inútil e escolher um presente pra minha mãe.

    — Mas eu nem sei do que a Senhora Ancilla gosta — Eugene reclamou.

    — Mas eu sei, então por que isso importaria? Você só precisa me seguir.

    — Se você vai apenas me fazer segui-la, por que me pediu para agir como seu guia?

    — Você realmente não tem nenhuma cortesia. Então você quer que eu simplesmente ande por aí sozinha? Você vai me abandonar na capital de um país estrangeiro, que nunca estive na vida, um lugar que não conheço?

    — Que ‘abandonar’ o quê… Não é como se você não conseguisse se virar sozinha.

    — Mesmo que você diga isso, todo mundo sabe que é você quem devia estar me acompanhando — Ciel o advertiu.

    — Então acho que não tem jeito. Se eu te dispensar à toa, sei que vou ter que ouvir sobre isso por muito tempo — Eugene resmungou enquanto desabotoava a Manto das Sombras.

    Embora ainda fosse cedo na estação para usar um manto tão forrado de pelos, graças aos diversos feitiços imbuídos nele, ele podia evitar o calor mesmo que estivesse em um deserto.

    — …Pensando bem, seu aniversário foi no mês passado — Ciel comentou de repente.

    — Foi — Eugene confirmou.

    — Você fez alguma coisa no seu aniversário? Teve festa?

    — Não fiz nada. Fiquei só lendo livros.

    — Livros?

    — Na biblioteca da Torre Vermelha de Magia.

    — Você realmente não fez nenhuma festa? E não ganhou presente de ninguém?

    — Não ganhei. O Arquimago Lovellian e a Senhorita Hera até se ofereceram pra me dar alguma coisa, mas implorei pra não fazerem isso, porque eu ia me sentir envergonhado.

    — Quem é Hera?

    — Uma maga da Torre Vermelha de Magia.

    — A Hera é mulher?

    — O nome dela é Hera, você achava que era homem?

    — E como ela é?

    — Como uma maga.

    — …E o que você quer dizer com ‘como uma maga’?

    — É literal. Ela tá sempre de túnica, chapéu alto e segurando um cajado.

    — E a aparência dela?

    Justo quando Eugene estava se incomodando com como responder, viu Hera do outro lado da rua. Ela abraçava um grande saco cheio de pães e cheirava os baguetes com prazer.

    — Aquela ali é a Hera — ele apontou.

    — Oh céus, Sir Eugene! — veio a exclamação.

    Hera o avistou e sorriu amplamente, acenando com a mão. Nesse breve instante, Ciel examinou Hera dos pés à cabeça. Então, como se nada tivesse acontecido, sorriu inocentemente e fez uma reverência.

    — Sou Ciel do clã Lionheart — ela se apresentou.

    Hera exclamou:

    — O q-quê…! E-Eu sou Hera Strillila, da Torre Vermelha de Magia.

    Hera não conseguiu processar a situação de imediato e olhou para Eugene em busca de socorro.

    — …Ela veio com os Cavaleiros do Leão Negro — Eugene explicou.

    — Ah… por causa do Manto das Sombras! Parece que o negócio foi concluído rápido!

    — É. Eu planejava ir direto pros laboratórios, mas ela ficou insistindo pra eu vir junto.

    Hera sentiu o olhar sutil de Ciel pousar sobre si.

    Cof… — ela pigarreou discretamente e assentiu, compreensiva. — Espero que vocês dois aproveitem bem o passeio.

    — Hã? — Eugene soltou um som confuso.

    Hera não viu necessidade de dizer mais nada. Com passos rápidos, passou por Eugene.

    Depois de olhar por um momento para as costas de Hera, Ciel assentiu e comentou:

    — Parece ser uma boa pessoa.

    Ainda confuso, Eugene hesitou:

    — Ah… É, ela é uma boa pessoa.

    — Talvez seja por causa do cheiro do pão, mas fiquei com fome.

    — Então por que não comemos alguma coisa primeiro?

    Enquanto retomava o passo, Eugene olhou para Ciel e perguntou:

    — Mas e você, veio até Aroth só pra comprar presentes mesmo?

    — Eu disse que também vim te ver, não disse? — Ciel o lembrou.

    — Mas fora isso. Eu te conheço há quatro anos. Você acha mesmo que eu não percebo suas reações? Não é como se fosse algum grande segredo. O que você quer fazer com a Dama Carmen?

    — Você realmente repara nas coisas mais estranhas.

    — Você que é óbvia demais.

    — Estou pedindo pra ela me aceitar como escudeira — Ciel respondeu com um encolher de ombros, derrotada. — Afinal, meu irmão vai ser o Patriarca, e eu mesma não tenho nenhum desejo pelo cargo. Embora pareça que minha mãe queira me colocar num casamento arranjado…

    Por um instante, Ciel espiou a expressão de Eugene. Mas o rosto dele não demonstrava nenhuma reação.

    — …Eu odeio a ideia de casamentos arranjados. Mas também não quero ficar presa na propriedade principal sendo forçada a agir como uma dama — Ciel continuou.

    — Então é por isso que você quer entrar nos Cavaleiros do Leão Negro? — Eugene confirmou.

    — Embora eu não possa entrar agora, quero me tornar escudeira da Dama Carmen e receber orientação direta dela.

    — E a Dama Carmen aceitou seu pedido?

    — Se ela realmente não gostasse de mim, não teria deixado que eu a acompanhasse até aqui. Talvez você não saiba, mas a Dama Carmen gosta de mim desde que eu era pequena — Ciel comentou com um sorriso presunçoso.

    Eugene se lembrou da expressão severa, ou melhor, fingidamente severa, da Carmen.

    — …Isso é bom — concluiu.

    Ciel perguntou:

    — O quê é bom?

    — É bom ver você procurando algo pra fazer por conta própria, em vez de só depender da família principal. E o Cyan, como está?

    — Fica falando de você. Antes de eu vir pra cá, ele também me chamou de lado pra falar sobre você.

    — Sobre o quê?

    — Mas meu irmão pediu pra eu manter segredo…

    — Mas pelo jeito você vai contar de qualquer forma, então que segredo é esse?

    — Ele queria que eu descobrisse qual Estrela da Fórmula da Chama Branca você já alcançou.

    — A Terceira Estrela.

    — Continua igual a antes.

    — E o Cyan?

    — Ele está na Segunda Estrela — Ciel revelou.

    — Então ele também não progrediu — Eugene respondeu com um sorriso.

    Diferente daquele caso perdido do Eward, parecia que os gêmeos estavam se esforçando bastante. Eugene ficou satisfeito ao ver isso. O complexo de inferioridade de Cyan estava alimentando seus treinos, e, embora Ciel ainda fosse ardilosa e provocadora, não tinha uma personalidade mesquinha que menosprezava os outros.

    Só o Eward é que tinha virado um cachorro.1

    — …Você soube de alguma notícia do nosso irmão mais velho? — Eugene perguntou. — Ouvi dizer que ele voltou pra casa dos parentes da mãe dele.

    — Não sei e nem quero saber — Ciel respondeu com desprezo, franzindo a testa. — Minha mãe ficou super satisfeita com a desgraça do Eward, mas isso só me irrita. E ainda deixou meu irmão de mau humor.

    — Mas você ainda deve ter ouvido alguma coisa, não? — Eugene insistiu.

    — …Ouvi dizer que a Senhora Tanis pode estar procurando um mago pra contratar como tutor — Ciel admitiu.

    — Um tutor? — Eugene repetiu, confuso.

    — Engraçado, né? Mesmo depois de ele ter feito uma besteira daquelas, parece que ainda querem que ele estude magia. Quando na verdade deviam só deixar ele fazer o que quiser, já que não vai ser Patriarca mesmo — Ciel resmungou, agarrando o braço de Eugene. — Vamos parar de falar dessas coisas deprimentes e ir comer alguma coisa. Não tem um restaurante bom por aqui?

    — Tem vários, mas a comida provavelmente é pior que a da propriedade principal — Eugene a alertou.

    — O gosto nem importa — Ciel disse, revirando os olhos enquanto olhava para Eugene. — Em primeiro lugar, quando se trata de boa comida, não é só o sabor que conta. O clima também é importante.

    1. Referência ao provérbio asiático “Um tigre não dá à luz a um cachorro”, que sugere que filhos de grandes pessoas também devem ser excepcionais. No caso, os gêmeos se destacaram, e Eward não.[]
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