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    Eight utilizava suas ataduras em mim, mesmo que estivesse ileso. Seu corpo cheio de machucados e roupas rasgadas não era o suficiente para fazer sua mente pensar na saúde corporal.

    Como a melhor detetive é assim? Nem parece que quase podia prever o futuro há uns tempos atrás.

    — Aaah! O que é esse ferimento horrível?! — gritou Eight, puxando mais ataduras. 

    Era apenas um arranhão.

    Um minúsculo arranhão.

    E, mesmo assim, ela encheu meu braço de faixas.

    Tudo que pude fazer diante dessa situação foi… ficar feliz. A sensação de ter alguém cuidando de mim era confortável.

    Uma sensação que não sentia desde… minha infância.

    Ah…

    Eu sinto falta desses dias.

    Sinto muita falta.

    Quero poder abraçar minha irmã e mãe de novo.

    Antes que as memórias invadissem meu cérebro e até mesmo lágrimas descessem pelos meus olhos, Six, agora consciente, subiu ao palco. A derrota da matriarca não mudaria nada no treinamento, foi apenas mais uma luta, afinal.

    Não parecia estar tão abalada quanto antes, mas ainda me sentia culpado por tudo que eu fiz. Consigo até imaginar o que ela viu dentro do Mundo dos Sonhos.

    — Continuando para nossa terceira luta… — gritou Six, seus olhos fechando pelo esforço feito. — Venham para o palco, Ten e Three! 

    O que? 

    O velho?! 

    Esse era outro que quase nunca lutava. A ficção foi quem nos ajudou a nos adaptar nesse mundo, então chamar o mesmo para lutar não seria meio…? Além do mais, é uma criança contra um idoso!

    Que tipo de critérios a matriarca usou pra escolher essas lutas?

    — O velhote…? — indagou Eight, olhando para a arena. Suas mãos não pararam nem por um segundo de enfaixar meu braço. — Estou animada para ver o resultado dessa luta.

    Criatividade versus comédia.

    Ten apenas andou para sua posição, criando um terreno limpo que voava sobre seus pés. Essa compulsão por limpeza era algo muito… extremo da parte dele.

    Não colocava os pés na areia da arena.

    Three, por outro lado, apenas andou para seu lugar, visualmente bravo. Rangia os dentes e veias saltavam por seu pescoço. Agora ele estava com sua máscara, querendo esconder a expressão que fazia.

    Se materializou na arena… nada alegre. Que ironia, não é?

    Parou?

    Olhei para Eight, que havia parado de me enfaixar. Seus olhos vidrados na luta me mostraram uma expressão que nunca vi ou nunca havia percebido.

    Three, diferente do seu irmão, usava armas. Diga-se de passagem, que arminhas estranhas… 

    — Hoje vai ser um soco inglês? — perguntou Eight, olhando para a comédia pegar sua arma. Algo feito de madeira, mas que iria doer muito na pele de qualquer desavisado.

    Three era bem adaptável quando o assunto era armas. Podia usar quase tudo.

    Peguei as ataduras de sua mão.

    Mostrou uma cara surpresa com minha ação repentina, mas logo deixou acontecer. Retirei uma faixa, começando a enrolar os locais de onde saía um pouco de sangue.

    — Você tem que parar de negligenciar a si mesmo — disse, um tom baixo. Não olhei para seu rosto, focando apenas em cuidar de seus ferimentos. — Sabe… muito obrigado.

    Após acabar, olhei para Eight, que estava vermelha como um tomate.

    — V-você está bem… 

    — Que a luta comece! — gritou Six, interrompendo o que ela iria tentar falar.

    Três garras surgiram do chão, indo em direção ao garoto. O velho parecia ser bem astuto quando o assunto era armadilhas… Sinto pena de Three agora.

    Desviou das três, correndo em direção a Ten.

    Pulou, saltando para cima do velhote que se mostrava calmo demais…

    Continuei cuidando de Eight, visivelmente alterada. Seus olhos oscilavam entre ver a luta e olhar para mim.

    — Tome cuidado, garoto — apontou Ten, seus olhos acompanhando o soco de Three.

    A ficção estava no controle da luta, então, por que algo parecia estar errado? 

    Estava no ar, preparando mais um ataque. Pensava ser algo limpo, sem uso de sua benção, até um rastro de vinho começar a sair de sua mão.

    — Mas já? — indaguei, os olhos arregalados pela ousadia.

    O soco foi desferido, mas acabou sendo uma falha completa. Todo o rastro de vinho havia sido desfeito pela barreira que protegia o velho.

    Insatisfeito, Three começou a socar aquela barreira com todas as suas forças. Eram vários, mas impedidos pela área tecnológica da ficção.

    — O velho tá só brincando… Que chato — murmurou Eight, ajeitando seus óculos enquanto fazia beicinho. — Essa luta vai acabar daqui a pouco se continuar nesse ritmo.

    — Não sei… ainda tem algo me incomodando — respondi, colocando a mão no queixo. — Three ainda não usou a Comédia.

    — Muito menos Ten utilizou sua personificação.

    Apolo… tenho calafrios dessa habilidade até hoje.

    Crack!

    Que?

    A barreira está se quebrando?

    Com todos aqueles socos, parecia que o campo de força não iria aguentar. Pequenas rachaduras começaram a aparecer, mas o velho ainda continuava calmo.

    Essa luta já estava decidida desde o começo.

    Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Three já se encontrava no outro lado da arena. Foi muito mais rápido do que pude enxergar.

    Um laser, se assim posso chamar, saiu de um braço robótico alocado nas costas do velhote. Logo após, outro saiu, e outro, mais um… No total, era como se a ficção tivesse seis braços naquele instante.

    A máscara de Three caiu, revelando sua expressão um tanto quanto… assustadora. Forçava um sorriso, canto a canto do rosto. Parecia não conseguir tirar essa expressão, como se tivesse paralisado os músculos da cara.

    Sentia medo vendo isso.

    Ele não era apenas uma criança?

    Cacete.

    — O velho…

    Havia encostado no chão.

    Seus pés tocaram o chão de areia, e um grande impacto foi sentido por todo o local. Era como um terremoto, tremor ou algo parecido.

    Mas sabia que todos haviam sentido aquilo.

    Era a imaginação do velho fluindo como nunca.

    Meu coração errou uma batida, mas não pelo motivo que imaginava. Ele estava levando aquilo a sério?

    Por que diabos?

    Essas dúvidas invadiam minha mente, deixando-me ainda mais confuso pela situação. Até que finalmente encontrei a resposta para minha pergunta.

    No rosto de Ten, uma pequena gota caía de sua bochecha. Estava machucado, mas como?

    Three havia acertado um ataque nele? E como diabos um soco inglês fez esse corte?

    A criança se levantou, ficando de pé. Seus olhos fixos ao velho deixava-me assustado com tudo aquilo.

    Toda a aura do local havia mudado em instantes, e a luta estava cada vez mais indo para um lado mortal.

    A comédia avançou, sua velocidade aumentando proporcionalmente aos seus passos. Vinho.

    O cheiro do álcool ia aumentando conforme as passadas.

    Era forçado.

    Sua risada era forçada.

    Ecoava pelo local, mas todos sabiam o quanto estava sendo doloroso. Ten apenas estendeu os quatro braços para frente, preparado para enterrar um último golpe.

    Estava tudo bem.

    Um herói nunca morre…

    Apoiei em meu braço, olhando de relance para Eight, que continuava impressionada com a luta.

    Não tinha nada demais nisso tudo, então por que essa reação?

    Um som eletrônico inundou a sala, interferindo em todos os ouvidos que escutaram aquele inferno. Era insuportável.

    Nem mesmo colocar a mão nos ouvidos impedia de escutar.

    Até que ele atirou, sem mais nem menos.

    Tremia.

    Meu corpo todo tremia com a situação em que Three se encontrava. Era um treinamento… era a porcaria de um treinamento!

    Então, por que se transformou num massacre?

    No final de tudo, Ten saiu vitorioso daquela luta.

    — Eu concordo! O velho é o vencedor dessa querida luta! — disse Three. 

    Seu corpo estava desacordado, então, como falava? Era como se a voz ecoasse em minha mente. Até que… me toquei de tudo que havia acontecido.

    Toda a ilusão do campo foi se desfazendo, revelando uma reviravolta imensa.

    Um teatro havia surgido no centro, com Three e Ten sendo as peças principais desse espetáculo. A criança estava de pé, sem qualquer machucado, diferente do velho, que estava destruído no outro canto do palco.

    Senti mais medo.

    Era aterrorizante ver a comédia em ação, é uma das bençãos que não entendo até hoje.

    Three era o verdadeiro vencedor, no final de tudo.

    Uma luta da qual não tivemos a chance de presenciar, afinal, ela aconteceu por de trás das cortinas.


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