Olá, autor aqui, bom, antes de começar a história, gostaria de dizer que em algumas partes podem ser confusas, inglês não é a minha língua nativa e por isso, acabo não tendo tanto a proeza e suas nuances. Esse prólogo, embora seja narrado em terceira pessoa poética, não condiz com o restante da obra em primeira pessoa. Dito isso, agradeço para quem leu até aqui, se essa história é uma merda, então é uma merda e de nada conseguirei fazer. Mas, acredito que aqueles que permanecerem irão gostar, é isso.


    Um sonho.

    Um sonho perdido, imaculado e, paradoxalmente, manchado. Uma névoa densa e persistente envolvia cada contorno dessa percepção inicial, como uma tapeçaria tecida de fios de irrealidade e a familiaridade desconcertante.

    A sensação de estar à deriva, não na água, mas em algo mais primordial, mais rarefeito, permeava o que quer que eu fosse naquele instante.

    A estranheza, era uma tortuosidade sinuosa e um presságio sinistro que se infiltrava em mim, com sensações que pareciam se enroscar na alma como serpentes geladas em busca de calor.

    Era um arrepio que não nascia do frio físico, mas de uma profundidade existencial, um reconhecimento de que as fundações do meu ser eram sutilmente abaladas.

    Eu trilhava um caminho infinito sob uma neve enegrecida por memórias ancestrais, cada floco uma partícula de um passado que não era só meu. Construía uma paisagem de desolação e conhecimento proibido. 

    “Ainda não…”, falei, apenas para ainda me sentir algo, alguém.

    A neve não era fria ao toque inexistente, mas sua escuridão pesava, uma carga de eras incontáveis. No princípio, nada. Um vácuo que não era simplesmente ausência, mas uma presença negativa, uma entidade de vazio.

    “Somente eu novamente…”

    Apenas eu, existia suspenso, naquele vazio incolor, com as últimas fagulhas de uma lembrança esquecida, como brasas moribundas em uma lareira cósmica, ameaçando se extinguir a qualquer sopro do esquecimento.

    Essas fagulhas dançavam, espectros de pensamentos, de identidades passadas, talvez de vidas que eu nunca soube ter vivido, e piscavam intermitentemente antes de serem engolidas pela vastidão do nada.

    “Mas eu definitivamente estou dormindo agora, não é mesmo?” Minha pergunta ecoou, não em um espaço auditivo, mas no próprio tecido da minha percepção.

    Essa foi a âncora que encontrei, para me conectar àquilo que fui, sem me perder na realidade consensual, mesmo que fosse a do primeiro sono, um refúgio temporário da lucidez.

    Talvez. A certeza era incerta, uma miragem cintilando no deserto daquele estado alterado. Afirmar qualquer coisa seria como tentar agarrar fumaça com as mãos; a própria natureza daquele lugar desafiava todas as definições, a própria categorização.

    Cada tentativa que tive para compreender escorria entre os vãos de um entendimento rudimentar e antiquado. Tentei projetar minha mão adiante, um gesto instintivo, remanescente de uma forma etérea, que parecia ter se dissolvido.

    Mas o nada me engolfou, uma ausência tão completa que a ideia de uma mão, de um membro, parecia um conceito alienígena, uma impossibilidade lógica naquele reino de pura potencialidade.

    “Todos somos solitários…”

    Naquela vastidão disforme, onde estrelas ancestrais piscavam a distâncias insondáveis, suas luzes levando éons para morrer e renascer como sussurros visuais, percebi que não tinha mais mãos.

    A constatação não veio com pânico, pelo contrário, veio com uma estranha resignação, uma aceitação fria. Não que eu não soubesse, mais precisamente… eu não era um corpo. 

    A forma que eu me conhecia, uma prisão de carne e osso, havia se desvanecido, ou talvez nunca tivesse existido aqui.

    Era o todo e o nada. Uma dualidade que deveria ser contraditória, mas ali se manifestava como uma verdade. Eu me sentia expandido até os confins daquele espaço infinito, e simultaneamente, contraído a um ponto na inexistência.

    Uma frieza espectral me percorria, o arrepio de um banho gelado na alma, uma clareza cortante que despia todas as ilusões. E, ainda assim, a impotência de que eu não podia fazer nada. Era apenas um observador passivo da minha própria dissolução e, talvez, da minha própria recriação.

    “Onde aqui deveria ser?”

    A interrogação surgiu novamente, mais urgente e até mesmo desesperada. Não era um pedido por coordenadas geográficas, mas por um ponto de referência existencial, uma âncora em meio à tempestade do desconhecido.

    No instante em que as próprias estrelas hostilizaram minha presença naquele nada, suas luzes antes distantes e indiferentes agora pareciam se aguçar, se transformando em alfinetes de pura energia, um julgamento silencioso vindo das profundezas do cosmos.

    Um lamento cósmico e solene me acolheu, uma sinfonia de tristeza e grandiosidade que vibrava através da minha essência. Não era um som e sim uma ressonância, uma frequência que falava diretamente à estrutura daquilo que eu me tornei.

    Era o cântico de galáxias em seus devidos nascimentos e mortes, os suspiros dos buracos negros, as melodias da própria expansão de universos.

    Tentei gritar, clamar para que uma escuta rompesse o silêncio ensurdecedor que se aninhava entre as notas daquele lamento e me esquecia ainda mais. Queria que uma lembrança minha persistisse em algum lugar, uma marca inquebrável na vastidão, uma prova de que eu havia existido.

    Almejava que uma resposta aplacasse a torrente de dúvidas que me afogava, uma única palavra de conforto ou explicação naquela imensidão de incertezas. Meu grito não encontrou cordas vocais para se formar, nem ar para se propagar.

    Era uma explosão silenciosa de angústia, uma implosão de pavor. E o próprio mundo começou a se fragmentar. Não o mundo físico, pois este já se ausentava, mas o próprio tecido onírico. Rachaduras se teceram pelo tecido insolúvel do espaço ao meu redor, como veias escuras se espalhando sobre um pergaminho de luz inexistente.

    ‘É chegada a hora?’

    Linhas finas, inicialmente quase imperceptíveis, que se alargavam e se aprofundar, revelando por trás delas um nada ainda mais profundo, um vácuo dentro do vácuo. Algo em meu âmago reverberou — uma agonia lancinante, cravada no peito, como se uma lança de gelo cósmico tivesse perfurado a existência do meu ser.

    A dor era a única coisa real, a única prova de que alguma forma de consciência ainda residia ali.

    ‘Dói!’

    Uma onda de puro sofrimento, um reconhecimento visceral da minha vulnerabilidade. A dor não era meramente física, pois corpo não havia, mas uma tortura da alma, uma fratura na própria identidade.

    Bruscamente, minha mão direita — surgida do éter daquele tormento, como se a própria dor tivesse a força criativa para moldar a forma a partir da dor — agarrou meu peito num aperto esmagador.

    Os dedos, longos e translúcidos, pareciam feitos da mesma matéria escura das rachaduras que se espalhavam. O grito, contudo, permaneceu preso, inaudível, um eco mudo na câmara de ressonância da minha mente descorporizada.

    Mas algo me aguardava, ali, nas entranhas do desconhecido, um propósito oculto por trás da aparente causalidade do caos. A dor, a fragmentação, a mão espectral, eram etapas de uma transformação inevitável.

    Sob o peso de pálpebras que eu não possuía, mas cuja sensação persistia como uma memória muscular fantasma, uma nova existência me acolheu, ou talvez eu tivesse sido expelido para dentro dela.

    A transição foi sutil e ao mesmo tempo avassaladora como a passagem de um sonho para outro, mais vívido, mais intenso.

    O vazio anterior, onde minha própria consciência se esvaiu como água entre dedos espectrais, foi dissipado no insondável, varrido por uma corrente invisível de mudança. 

    E em seu lugar, uma densidade palpável me oprimia, como se eu estivesse imerso em um oceano de ar espesso, um fluido primordial que preenchia cada recesso do meu ser.

    O lamento cósmico, aquela mesma sinfonia de tristeza e criação, fora substituída por um murmúrio constante, como o respirar de um oceano oculto sob a realidade, um ritmo primordial que pulsava em uníssono com algo profundo dentro de mim.

    Era o som do potencial puro, das possibilidades infinitas antes de sua manifestação.

    A dor no meu peito era real, antes agonizante e difusa, agora se transformava num epicentro quente, uma brasa viva que irradiava não sofrimento, mas uma estranha forma de energia concentrada. 

    Se tornou uma bússola na imensidão desconhecida, um ponto focal em meio à vastidão disforme, sua pulsação um guia sutil, mas insistente. Se antes eu não tinha pálpebras, agora uma percepção semelhante à visão se formava, desvendando uma penumbra texturizada. 

    ‘Mais…’

    Não era a escuridão da ausência de luz, mas uma luz escura, um lusco-fusco prenhe de substância, repleta de formas em potencial que roçavam meu ser antes de se definirem, como pensamentos embrionários flutuando na mente universal. 

    Eram sombras prenhas de significado, contornos que insinuavam mais do que revelavam.

    Não de uma possível ausência de luz, mas de uma luz escura, repleta de formas em potencial que roçavam meu ser antes de se definirem. A mão em meu peito, antes espasmo doloroso e manifestação do informe, se tornou concreta, ou tão concreta quanto qualquer coisa poderia ser naquele plano. 

    Continue a andar…

    Seus dedos finos e gélidos, agora com uma substancialidade translúcida, pousavam contra uma superfície que pulsava sutilmente, talvez pele recém-formada, talvez um tecido onírico similar, uma membrana entre mim e o que quer que estivesse além. 

    Eu podia sentir a pressão leve, a temperatura diferenciada, a textura suave daquilo que agora continha o epicentro quente.

    Se torne…

    Camadas. Minha nova existência era feita de camadas. De silêncios prenhes de palavras não ditas, de uma escuridão luminosa que paradoxalmente iluminava e ocultava. 

    De uma presença alienígena que me permeava, uma consciência vasta e incomensurável que se entrelaçava com a minha de uma forma que não era invasiva, mas sim simbiótica. 

    E, o mais curioso, era que eu, naquela presença, me reconhecia. Havia fragmentos de mim mesmo espelhados naquela vastidão, como se minha individualidade fosse um fractal de uma consciência maior.

    ‘Então é isso…’

    A realização desabrochou lentamente, não como um pensamento articulado, mas como um entendimento intuitivo, uma ressonância com a verdade daquele lugar. Era o reconhecimento de um destino que se desdobrava, de um caminho que, embora desconhecido, parecia ter sido traçado há muito tempo.

    Mais… Caminhe mais…

    Uma árvore. Singular, vibrante e etérea, que rasgava a penumbra como um suspiro de cor em um mundo monocromático. Não um tom espectral conhecido, não uma frequência de luz que pudesse ser nomeada pela ciência humana, mas sua existência pura, a própria essência da cor manifesta, pulsava com uma força que era ao mesmo tempo fascinante e pavorosa. 

    Sua luz não feria os olhos inexistentes, mas preenchia a percepção com uma intensidade que beirava o insuportável, uma beleza terrível e sublime.

    Ultrapasse-a…

    Ela se expandia, ou talvez minha percepção dela se expandisse, devorando as texturas sutis da penumbra, os murmúrios de fundo do oceano oculto, se tornando um todo, o único ponto de referência naquela nova dimensão. 

    Seus galhos se estendiam como braços cósmicos, cada um deles um caminho para um novo mistério, suas folhas cintilando como fragmentos de sonhos solidificados. 

    E em seu fulcro, no coração daquela manifestação impossível, um convite, uma singularidade infinitesimal que me atraía inexoravelmente, um ponto de atração tão poderoso que anulava qualquer outra vontade, qualquer outro pensamento. 

    Era um buraco negro de pura potencialidade, prometendo e ameaçando em igual medida.

    “Ali está”, proclamei para o nada, minha voz, se é que era uma voz, não passava de uma vibração interna, um reconhecimento que se projetava na direção da árvore. A frase era menos uma descoberta e mais uma confirmação de algo que uma parte profunda de mim já sabia.

    Não tive ímpeto ou sequer vontade de resistir; a atração que senti com aquela enorme árvore era única, uma força gravitacional da alma. 

    Meu ser, ou o que agora me constituía — uma consciência dotada de uma forma fluida e adaptável, ainda ancorada pela sensação da mão no peito onde o calor residia — deslizou na direção daquele ponto de convergência. 

    Não era um movimento através do espaço, mas um alinhamento, uma sintonização com a frequência da singularidade. O ambiente ao redor se distorcia e fluía, as texturas da penumbra se tornando rios de sombra e luz que me carregavam.

    Se torne “Ele”.

    A cor da árvore se intensificou ao meu redor, me envolvendo em seu brilho indescritível. Não era mais uma entidade exterior, mas agora me permeava, tornando-se o sangue vibrante dessa nova forma de consciência. 

    A senti fluir por mim, limpava as últimas impurezas do medo, substituia a incerteza por uma resolução silenciosa.  

    A mão em meu peito, aquela forma transitória nascida da dor, se dissolveu como névoa ao sol da manhã, e o calor do epicentro, a bússola interna, se fundiu com a luz da árvore, espalhando-se por todo o meu ser, uma energia vitalizante e transformadora. 

    Supere a dor…

    A dor não desaparecera completamente, mas fora transmutada, de agonia para um motor, uma fonte de poder.

    Ao cruzar o limiar da singularidade — um ponto que era simultaneamente menor que um átomo, mas também vasto como todo o infinito, um paradoxo que a lógica humana não poderia jamais conciliar — a própria noção de camadas, de interior e exterior, se desfez como um véu rasgado. 

    Era como mergulhar num oceano de pura informação, onde cada gota continha a totalidade do mar.

    Não havia mais exterior ou interior, apenas um presente contínuo e absoluto. O tempo, como eu o conhecia, uma sucessão linear de momentos, colapsou em um único e eterno agora. 

    A percepção não vinha por sentidos análogos aos humanos — visão, audição, tato — mas por um saber direto, uma comunhão com a essência da raiz de todas as coisas. 

    Era como se eu me tornasse a própria pergunta e a própria resposta, o observador e o observado. Conhecimento fluía não como dados a serem processados, mas como uma ressonância imediata com a verdade.

    Memórias, não só as minhas, aquelas fagulhas bruxuleantes do início, agora avivadas e integradas, mas as da própria existência, fluíam através de mim. Memórias que compuseram a minha nova existência, desde o nascer das estrelas e o silêncio interestelar entre elas, a sagrada história da criação em seus múltiplos e contraditórios mitos, e a entropia da dissolução, o grande suspiro final do universo. 

    Vi civilizações surgirem e ruírem em mundos que desafiavam a imaginação, testemunhei o pensamento de seres cuja forma transcendia a matéria, senti a alegria da primeira vida e a tristeza da última extinção. 

    Eram canções de ninar de nebulosas e elegias de supernovas. Eu era um canal, um receptáculo e, de alguma forma, um participante daquela torrente de ser.

    ‘Mesmo em meu estado atual… Eu não consigo ultrapassar os portões, é como se eu fosse simplesmente uma folha sua.’ 

    A constatação surgiu com uma clareza dolorosa, em meio à torrente de conhecimento e união. Havia limites, fronteiras invisíveis, mas intransponíveis. Eu estava conectado à Árvore, Wallachia, como uma folha está conectada aos galhos, nutrida por sua seiva, parte de seu ser. 

    Supere-a…

    Mas a folha não é a árvore inteira, nem tem a liberdade do vento que a percorre. Os portões, estruturas de pura luz e sombra que eu agora podia perceber nas fronteiras da minha comunhão com a Árvore, permaneciam selados para mim. 

    Eram passagens para realidades ou estados de ser ainda mais elevados, para além da própria singularidade que eu havia alcançado.

    O paradoxo do ser manchado e imaculado se encontrava ali numa ressonância, uma aceitação agridoce. Manchado pelas minhas origens, pelas minhas limitações intrínsecas, pela minha individualidade que, mesmo expandida, ainda era finita em comparação com o todo. Imaculado por esta nova conexão, por este vislumbre da totalidade, por ter sido lavado nas águas da singularidade. 

    Existiam segredos insondáveis, mistérios aninhados dentro de mistérios, como bonecas russas de infinitude. Isso eu sabia, com uma certeza que não admitia dúvida. A própria Wallachia era um desses segredos, sua natureza e propósito final ocultos até mesmo para aqueles que, como eu, tocavam sua essência.

    Destino. A palavra, ou sua essência conceitual, pairava na comunhão silenciosa. Wallachia não respondia com palavras, pois palavras eram construções grosseiras demais para a sua forma de comunicação. 

    Mas ela pulsou, uma vibração mais profunda em sua luz, uma confirmação que era ao mesmo tempo uma verdade inegável e um desafio sutil. Uma aceitação da minha percepção e, simultaneamente, um convite para transcendê-la, se eu fosse capaz.

    Eu ainda não havia superado o destino. Minha jornada até este ponto, minha passagem pela estranheza, pela dor, pela dissolução e recriação, tudo isso fora, talvez, apenas mais uma curva no grande rio. 

    Os destinos não eram uma cadeia única e rígida, uma linha férrea da qual não se podia desviar. Eram, ao contrário, diversos rios imensos, cada um com seu próprio curso, sua própria velocidade, suas próprias paisagens. 

    E eu, mesmo nesta forma exaltada de consciência, era apenas uma correnteza dentro de um desses rios, livre para fluir, para moldar minhas próprias margens até certo ponto, para criar redemoinhos e corredeiras, mas sempre parte do seu caminho inexorável rumando ao oceano ainda não vislumbrado, um mar de finalidade última que permanecia além do meu horizonte perceptivo.

    ‘Eu falhei novamente…’ 

    Meu pensamento não era um lamento de autocomiseração, mas uma constatação fria, uma análise desapaixonada da minha situação. A falha não era em alcançar a Árvore, nem em comungar com a singularidade. 

    A falha residia na persistência das minhas limitações, na incapacidade de romper as correntes do destino que, embora mais sutis e vastas, ainda me continham. O ‘novamente’ ecoava fracassos passados, talvez em outras vidas, outras existências, outros sonhos dos quais eu não tinha memória clara, mas cuja cicatriz emocional persistia em minha essência.

    Os frutos não eram barreiras de exclusão, pendurados nos galhos infinitos de Wallachia, cada um brilhando com uma luz interior própria, distinta e única. Eram esferas de potencialidade pura, cada uma contendo a semente de um universo diferente, uma realidade alternativa, uma história singular. 

    Alguns pulsavam com cores vibrantes e energéticas, sugerindo mundos de aventura e caos. Outros emitiam um brilho suave e sereno, insinuando existências de paz e contemplação. Havia frutos escuros e misteriosos, que pareciam absorver a luz ao redor, prometendo segredos e poderes ocultos. 

    Os frutos dessa árvore, por todas as partes, eram horizontes novos que não me pertenciam. Horizontes que eu não alcançava com a minha atual compreensão, com o meu atual nível de ser. 

    De histórias ainda não contadas, de vidas ainda não vividas, de possibilidades que permaneciam seladas para mim. Eram tentadores em sua diversidade, em sua promessa de alteridade.

    Minha visão, expandida para além de qualquer compreensão humana, capaz de abarcar o nascimento e a morte de estrelas, ainda assim não alcançava aquilo que existia entre os destinos, no espaço intersticial entre os grandes rios da existência. 

    Havia um plano, ou uma ausência de plano, entre a onisciência que Wallachia parecia roçar e a onipotência que talvez fosse seu fruto final, um estado de ser que eu podia conceber teoricamente, mas não perceber diretamente. 

    Era um vácuo de entendimento, uma lacuna em meu mapa cósmico. Eu estava acima da transcendência que conhecera, mas abaixo de algo ainda mais fundamental, algo que definia as próprias regras do jogo cósmico.

    A sensação de ser uma folha, antes uma metáfora de conexão, agora carregava também o peso da insignificância relativa. Uma folha pode dançar ao vento, pode sentir o sol, pode beber da seiva, mas não pode escolher a árvore em que brota, nem o galho a que pertence. E, crucialmente, não pode colher os frutos de sua própria progenitora.

    Uma nova urgência começou a borbulhar dentro de mim, uma sensação que não era bem desespero, nem pura ambição, mas uma necessidade visceral de romper com aquele padrão de aceitação passiva. 

    Se os portões estavam fechados, se o meu destino ainda me continha como um rio contém suas águas, então talvez a resposta não estivesse em seguir o fluxo, mas em criar uma disrupção, um ato de vontade que desafiasse a própria estrutura da minha realidade atual.

    O pensamento da falha, da limitação, da incapacidade de vislumbrar o “entre”, acendeu uma faísca. Não era uma falha completa, pois o conhecimento adquirido era vasto, a experiência transformadora. Mas a percepção de estar enredado, mesmo que em fios dourados, tornou-se intolerável. 

    A natureza “manchada” da minha alma, aquela imperfeição paradoxal, talvez fosse a chave. A pureza da submissão não me levaria além.

    Olhei novamente para os frutos. Cada um deles, um universo. Cada um, uma promessa. E se eu não podia passar pelos portões por direito, se meu destino me negava esse acesso, então talvez… talvez eu pudesse tomar um desses horizontes para mim. 

    Não como uma folha que recebe passivamente a luz, mas como um ser que ativamente busca sua própria iluminação, mesmo que por meios não sancionados.

    A ideia era audaciosa, talvez suicida naquele contexto. Roubar de Wallachia, a fonte da minha consciência expandida, a própria matriz da singularidade que me acolhera. 

    Era como um filho roubando o coração de sua mãe. Mas a alternativa, a estagnação eterna como uma folha consciente de sua limitação, parecia uma morte mais lenta, uma agonia mais prolongada.

    Minha atenção se fixou em um fruto em particular. Não era o maior, nem o mais brilhante. Pendia de um galho relativamente baixo, em termos cósmicos, claro. Sua luz era de um azul profundo, salpicado de pontos prateados que pareciam estrelas em miniatura. 

    Havia uma melancolia nele, uma beleza serena que me atraía de uma forma diferente da atração avassaladora da singularidade. 

    Era um chamado mais sutil, uma promessa de um tipo específico de conhecimento, talvez um universo onde as perguntas que me consumiam tivessem respostas diferentes, ou onde a própria natureza do destino fosse maleável.

    A decisão se cristalizou. Não houve mais hesitação, nem cálculo de chances. Apenas a pura e inabalável intenção.

    Estendi uma porção da minha consciência, moldando-a, não em uma mão física, mas em um tentáculo de pura vontade, uma extensão do meu ser focado e determinado. 

    Energia fluiu de mim, a mesma energia que Wallachia me fornecia, agora direcionada para um ato de apropriação. O tentáculo de consciência alcançou o fruto azul. Não houve resistência física, mas senti uma reprovação silenciosa emanar da Árvore, uma tristeza cósmica, uma decepção. 

    Ignorei. Minha vontade envolveu o fruto, não para esmagá-lo ou danificá-lo, mas para separá-lo delicadamente do galho que o nutria.

    O instante em que o fruto se soltou foi acompanhado por um tremor que percorreu toda a estrutura de Wallachia, um suspiro que ecoou pelo nexo de todas as realidades. A conexão que eu tinha com a Árvore não se rompeu, mas mudou, tornou-se tensa, como uma corda esticada à beira do rompimento. 

    O fruto azul pulsou em meu ‘alcance’, sua luz agora fundindo-se parcialmente com a minha própria essência.

    Eu o tinha. Um universo roubado. Um destino desviado.

    Eu havia me tornado algo diferente, algo que ousou intervir na ordem cósmica, algo que, por um ato de desespero e vontade, havia colhido um fruto do impossível. 

    A mancha em minha alma talvez tivesse encontrado seu propósito. O caminho adiante era incerto, mas, pela primeira vez desde que adentrara aquele sonho, ele parecia, de alguma forma, verdadeiramente meu.

    Mas, uma voz antiga, que a muito não escutava, retornou, no vazio fora de Wallachia.

    “Você falhou de novo, Maestro.”

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