Slup!

    O som foi suave, como um véu sendo puxado sobre os olhos.  

    De um momento para outro, já não estava mais no labirinto de espelhos — mas sim em um vasto salão que lembrava os antigos claustros de pedra que eu via nos livros de história. Colunas altas, arcos góticos desgastados pelo tempo, e um silêncio tão denso que parecia pesar sobre meus ombros como um manto invisível. O ar estava frio, estagnado, carregado de umidade e do mofo de séculos esquecidos.  

    Respirei fundo, sentindo o gosto metálico da poeira antiga em minha língua.  

    “Onde estou agora?”

    Minha voz ecoou pelas paredes de pedra, dissipando-se em sussurros que pareciam responder em línguas desconhecidas.  

    Girei devagar, observando cada detalhe. As paredes eram de pedra escura, talhadas em blocos irregulares, como se tivessem sido erguidas por mãos que não pertenciam a nenhum arquiteto humano. Os candelabros enferrujados sustentavam velas apagadas, seus pavios carbonizados como se tivessem ardido até o fim em algum ritual silencioso.  

    ‘Que tipo de lugar é esse? Tudo parece tão…’

    Velho.  

    Acima de mim, os vitrais imensos se estendiam até o alto do teto abobadado, mas em vez de cenas religiosas ou figuras santas, exibiam apenas manchas opacas de um cinza sem vida, como se o mundo além daquelas paredes houvesse sido apagado.  

    ‘Lá fora não há nada.’ 

    A constatação me fez engolir em seco. As janelas altas não mostravam céu, nem terra, nenhum horizonte. Apenas um vazio sem profundidade, como se o salão existisse à beira do abismo, suspenso sobre o nada.  

    Levantei uma mão hesitante, como se pudesse tocar o vazio além do vidro, mas meus dedos encontraram apenas a superfície fria e impenetrável.  

    Meus passos ecoaram quando me aproximei do centro do salão, cada batida de meus sapatos contra o piso de pedra soando como um martelo golpeando um túmulo. Lá, espelhos de diferentes formas e tamanhos estavam dispostos em círculo — alguns intactos, com molduras ornamentadas em prata desbotada; outros rachados, suas superfícies marcadas por fissuras como cicatrizes; alguns quase reduzidos a pó, apenas fragmentos presos em estruturas que mal os sustentavam.  

    “O que devo fazer?”

    A pergunta ficou pairando no ar, sem resposta. O silêncio era tão absoluto que eu quase podia ouvir o bater de meu próprio coração, acelerado e irregular.  

    Ajoelhei-me diante de um dos espelhos intactos, observando meu próprio reflexo. O rosto que me encarava era supostamente o meu — os mesmos olhos verdes, a mesma marca discreta sob o queixo, herdada de uma queda na infância — mas havia algo… fora do lugar.  

    ‘Não… Por que estou achando que esse é o meu rosto?’ 

    Os olhos do reflexo pareciam mais fundos, como se escondessem camadas de memórias que eu não possuía. A boca estava levemente curvada em um sorriso que eu não havia feito. E quando pisquei, o reflexo demorou um segundo a mais para fechar os olhos.  

    Sem pensar, estiquei a mão e toquei a superfície fria do vidro.  

    Plink.  

    O som foi quase musical, como uma gota d’água caindo em um lago tranquilo. Mas havia algo mais ali — um eco, um sussurro distante que fez os pelos de meus braços se arrepiarem.  

    “Bom… Não há mais nenhuma outra opção…”

    E o reflexo mudou.  

    Meu rosto se fragmentou, como se alguém tivesse jogado uma pedra em um lago congelado. Rachaduras finas se espalharam, serpenteando como veias de gelo, e a imagem se despedaçou em estilhaços irregulares. Mas em vez de escuridão, havia…  

    Fragmentos.  

    Pedaços de vidas que não eram a minha.  

    Um olho verde como o meu, mas mais velho, cercado por rugas que eu não tinha. A íris contraía-se, dilatava-se, como se reagisse a uma luz invisível. Pálpebras pesadas, quase fechando, antes de se abrirem de repente — assustadas.  

    Uma boca sorridente, com lábios pintados de vermelho-vivo, recitando palavras que eu não ouvia. Os dentes brancos brilhavam entre as sílabas silenciosas, até que o sorriso se transformou em um gemido abafado.  

    Mãos segurando algo pequeno e envolto em panos brancos. Os dedos tremiam, apertando o pacote frágil contra o peito. Uma gota escura caiu no tecido — sangue?  

    ‘Por quê?’

    Vozes sussurravam em uníssono, todas diferentes, todas quase reconhecíveis. Sussurros que se arrastavam por minha nuca, como dedos gelados.  

    “Você devia ter ficado.”

    “Nunca foi sua culpa.”

    “Por que você não me ouviu?”

    E por um breve momento, eu a vi — ela, a mulher de cabelos castanhos e cacheados, os olhos verdes como os meus, o sorriso que doía de tão familiar.  

    “Mãe?” Tentei falar, mas nenhum som saiu. Minha voz estava presa em minha garganta, sufocada por uma emoção que não sabia nomear. Algo entre saudade e pavor.  

    Ela esticou a mão em direção ao vidro, os dedos quase tocando os meus do outro lado. Seus lábios se moveram, mas as palavras foram engolidas por um rugido distante — como o som de um carro acelerando, de pneus cantando no asfalto.  

    “Por quê? Por que isso está acontecendo?”

    O reflexo não respondia. Apenas continuava a se despedaçar, mostrando cenas desconexas, como um quebra-cabeça que nunca se completava.  

    Uma criança chorando, encolhida no canto de um quarto escuro. O choro era abafado, como se alguém tivesse enfiado um punhado de tecido em sua boca.  

    Uma porta batendo. Não um estrondo, mas um baque surdo, seguido pelo som de chaves girando na fechadura. Do lado errado.  

    Um homem de costas, com os ombros curvados sob um casaco que reconheci — era o mesmo que meu ‘pai’ usava nos invernos mais rigorosos. O homem sacudia, como se estivesse chorando. Ou rindo. Ou ambos.  

    E então, tão rápido quanto surgiu, o espelho dissolveu o estranho vislumbre — voltando ao normal com um silêncio que pesava como um suspiro não ouvido.  

    “Isso… hah, eu não sei.” Retraí meu olhar para baixo e em um suspiro apressado, voltei o olhar ao espelho à minha frente.  

    ‘Meu’ próprio rosto me encarava novamente, intacto, mas agora irremediavelmente transformado. O reflexo já não era apenas um eco silencioso, e sim um duplo marcado pela mesma sombra que eu carregava.  

    Apenas um detalhe persistia, sutil e cruel:  

    Desta vez, meu outro eu não apenas carregava o peso da tristeza — ele a transbordava. Uma dor tão vívida que rachava a fronteira entre os lados do vidro, como se o próprio espelho hesitasse em nos separar.  

    E, no momento em que nossos olhos se encontraram de novo, uma lágrima escorreu pelo rosto do outro lado. Fria. Solitária.  

    Entretanto… a lágrima também corria em meu próprio rosto.  

    Caíam em um ritmo implacável — uma, depois outra, e mais uma, escorrendo lentas e geladas como se fossem feitas do tempo que não me pertencia.  

    Silencioso, oprimido por uma angústia que não ousava nomear, desviei o olhar. Busquei refúgio em outros espelhos, em outras superfícies que pudessem me devolver um fragmento do que possivelmente fui.  

    Mas os vidros agora mostravam apenas vazio, reflexos desbotados de lugares que não reconhecia.  

    Nada ali me lembrava de minhas próprias memórias.  

    ‘Por quê?’

    A pergunta ecoou em minha mente, afiada como um caco de vidro. Cada toque em um novo espelho desencadeava visões, sim — cenas embaralhadas de vidas alheias, de histórias que não eram as minhas. Rostos desconhecidos, sorrisos que nunca cruzaram meus lábios, dores que não sangravam em minha carne.  

    E, no entanto… nada sobre mim.  

    Como se eu tivesse sido apagado.  

    ‘Por quê?’

    A cada toque, uma nova visão, mas nenhuma delas eu estava. No começo, achei um absurdo, mas aos poucos fui me acostumando com a nova realidade. Não consegui descobrir tudo o que precisava, mas aos poucos comecei a entender o panorama da minha real situação.  

    ‘Eu não sei o meu verdadeiro nome…’

    Essa era a verdade cruel e primeira coisa que descobri. Provavelmente, há muito, havia esquecido quem eu realmente era. Mas… isso não faria diferença agora.  

    A segunda coisa era que havia recebido uma segunda chance, mas também não sabia os motivos exatos.  

    ‘Como eu morri?’

    Sem nenhuma dúvida, era a primeira afirmação que me fez questionar a veracidade da realidade e se tudo isso não poderia ser uma espécie de sonho.  

    Não era o único morto, pelo contrário. Embora não soubesse como eu realmente morri, eu sabia como ele morreu. Damian havia provavelmente morrido durante um acidente.  

    Com um gesto pensativo, apoiei o dedo indicador no pescoço e sua ponta na região mentual. O cheiro de poeira desse lugar era insuportável.  

    Atchim!  

    Há muito, cheguei à conclusão de que o som de buzina que ouvi era, na verdade, o momento exato da morte de Damian.  

    ‘Então morri duas vezes em um curto período de tempo?’

    Provavelmente era a resposta correta, mas não encontrei nenhuma prova concreta, além do puro achismo da situação.  

    ‘Ter morrido duas vezes em tão pouco tempo, esse era um fato que eu poderia me orgulhar com os meninos, principalmente com o… o… Quem era mesmo?’  

    Senti que havia um erro em minhas memórias, uma lacuna, um breu absoluto, como se realmente tivesse perdido tudo que me lembrasse de quem sou. Isso, de fato, se mostrava um fator triste.  

    ‘Mas por algum motivo… Isso tudo me lembrava algo como a história que havia começado a ler alguns dias atrás…’

    Me sentia familiar com a situação, embora não soubesse de onde exatamente me lembrava. Decidido, segui em frente.  

    Não existia um fim para esse mar de espelhos dentro dessa espécie de ‘catedral’. Todos mostravam cenas diferentes. Há pouco tempo, durante a caminhada, percebi um padrão.  

    “Cada vez está ficando mais…”

    A figura por trás do espelho, um jovem da mesma idade, empunhava uma adaga curta e acabava de cortar o pescoço de um monstro pequeno, verde e feio.  

    Fantasioso.  

    Antes, o que era monótono e apagado como a vida, aos poucos foi substituído por pessoas mais velhas, mais novas e até mesmo da mesma idade que esse corpo parecia ter.  

    Todas tinham algo em comum: elas estavam enfrentando o desconhecido e o estranho.  

    “Que merda é essa? Por que tudo parece tão irreal agora?”

    Enquanto passava por mais uma das ‘telas’, arregalei os olhos com uma certa visão.  

    Era uma mulher da mesma idade que eu, prestes a…

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