Índice de Capítulo

    Eugene não havia passado os dois anos inteiros apenas no Salão de Sienna. Embora não fosse tanto quanto o tempo dedicado ali, ele também passara um bom tempo no oitavo e no sexto andares.

    O oitavo andar abrigava o Salão do Calor Abrasador, e o sexto andar, o Salão do Espaço.

    Se Eugene fosse um pouco mais ganancioso, talvez quisesse passar um tempo também no Salão do Castigo Celeste, no sétimo andar, e no Salão do Frio Gélido, também no oitavo. Mas, em vez de se dispersar inutilmente buscando um pouco de tudo, Eugene decidiu que precisava se concentrar em alguns tópicos escolhidos a dedo.

    A magia de fogo do oitavo andar era relativamente simples, porém poderosa. Embora a dificuldade variasse dependendo de como ele desejasse controlar as chamas, bastava conseguir acender o fogo para que já pudesse lançar feitiços com poder suficiente.

    As chamas, por si só, já eram poderosas, instáveis e destrutivas. No entanto, o defeito dos feitiços de fogo era que exigiam uma quantidade absurda de mana. E o Salão do Calor Abrasador, no oitavo andar, armazenava os feitiços do maior mago de fogo da história da magia.

    Eugene também tinha interesse pessoal no feitiço Piscar, do sexto andar, no Salão do Espaço, e precisava aprender magia espacial para usar adequadamente o Manto das Sombras.

    Os frutos de seus estudos nos andares seis e oito tinham sido mais do que satisfatórios.

    — Então você finalmente saiu.

    Uma voz saudou Eugene ao pisar no primeiro andar de Akron.

    Um mago de meia-idade que estava ali sentado se levantou para encontrá-lo. Acenou para Eugene com um sorriso amigável, amigável até demais.

    — Precisava de mais alguma coisa comigo? — Eugene perguntou, exasperado.

    Era Trempel Vizardo. Como Comandante dos Magos da Corte de Aroth, ele vinha demonstrando enorme interesse em Eugene.

    Tecnicamente, as tentativas descaradas de Trempel em agradá-lo também serviam como um modo de transmitir as boas intenções do príncipe herdeiro Honein. Desde o primeiro encontro com Eugene, não escondiam o desejo de trazê-lo para mais perto.

    — Sir Eugene, vivo lhe pedindo para almoçar comigo, mas como está sempre ocupado, ainda não conseguimos comer juntos nem uma vez, não é? — Trempel perguntou, num tom de repreensão leve.

    — Já comi. — Eugene respondeu

    — Mesmo estando trancado em Akron nas últimas nove horas? Sir Eugene, o senhor sabe muito bem que é proibido comer ou beber aqui dentro — Trempel declarou com confiança.

    Pelo visto, o diretor deve ter contado.

    Eugene lançou um olhar à porta fechada do escritório do diretor antes de responder:

    — É que comi demais no café da manhã. Se pelo menos tivesse me mexido um pouco mais, já teria digerido, mas como só fiquei sentado lendo, ainda não digeri nada.

    — Está dizendo que não conseguiu digerir nada depois de nove horas? — Trempel questionou, cético.

    — O que tem de tão difícil de acreditar? De qualquer forma, vamos deixar essa refeição para uma próxima…

    — De novo esse ‘na próxima’? Sir Eugene, eu não queria dizer isso, mas… ouvi esse ‘na próxima’ tantas vezes que parece que a frase ficou presa no meu ouvido.

    — Simplesmente não estou com apetite agora.

    O olhar de Trempel se estreitou, mas Eugene não mudou a resposta. Estava claro sobre o que aquele velho mago queria falar. Oferecer um cargo importante nos Magos da Corte, e por aí vai…

    O Batalhão de Magos da Corte de Aroth era considerado um dos melhores de todo o continente. Os benefícios oferecidos eram condizentes com sua fama, e muitos magos sonhavam em se juntar a ele. Mas por mais prestigiado e impressionante que fosse, no fim das contas ainda era uma força militar, e em tempos de paz como os atuais, nada mais era do que um órgão público.

    “Acham que eu sou maluco?”, Eugene pensou com desdém.

    Ele tinha apenas dezenove anos. Não queria se prender a lugar nenhum tão cedo. E entre todas as opções, a que menos o atraía era justamente entrar para uma força militar.

    Não importava o quanto o mundo estivesse em paz, um exército ainda era um exército. Mesmo que fosse fácil usar o nome do Clã Lionheart e do príncipe herdeiro Honein para se dar bem dentro daquela hierarquia infernal, Eugene nunca conseguiria viver com a liberdade e conforto que tinha agora.

    “Por que ele está evitando uma oportunidade tão boa?”, Trempel se perguntava, frustrado. “Será que ele aceitou uma proposta de outro lugar?”

    Esses pensamentos deixaram Trempel nervoso.

    Eugene era atualmente discípulo do Mestre da Torre Vermelha, Lovellian. Embora o cargo de Mestre de Torre não fosse hereditário, com o talento de Eugene aliado ao ensino de Lovellian e à influência do Clã Lionheart, ele com certeza acabaria se tornando o próximo Mestre da Torre Vermelha.

    Trempel não podia permitir que isso acontecesse. As Torres da Magia de Aroth e o Palácio Real até mantinham relações de cooperação, mas não eram exatamente aliados. Trempel queria puxar Eugene para o Batalhão dos Magos da Corte a qualquer custo. Se conseguisse isso, seria fácil conquistar a cooperação do Clã Lionheart, dado o histórico de Eugene…

    “Não tem como ser aquele velho gagá do Jeneric”, decidiu Trempel.

    Jeneric Osman era o Mestre da Torre Verde.

    Trempel não acreditava que aquele velhote pudesse ter influenciado Eugene. Era só pensar um pouco. Quando Eugene chegou a Akron pela primeira vez, dois anos atrás, Jeneric e o Chefe da Guilda dos Magos haviam sido os únicos a se opor a conceder-lhe um passe de entrada até o último momento.

    Era compreensível por que o Chefe da Guilda dos Magos havia assumido essa posição. Embora pudesse se tratar também de uma questão de justiça, com certeza havia sentimentos pessoais envolvidos. O mago negro que se aproximara de Eward era membro da Guilda dos Magos. Embora Balzac, o Mestre da Torre Negra, tivesse conseguido afirmar que nada teve a ver com o incidente, o Chefe da Guilda dos Magos não podia dizer o mesmo.

    Em Aroth, onde o poder estava firmemente nas mãos das Torres da Magia, a força da Guilda dos Magos acabava enfraquecida. A maioria via a Guilda como um bando de magos amadores que não conseguiram ingressar em nenhuma das Torres, e, infelizmente, essa visão não estava muito longe da realidade.

    Mas, se esse era o caso, por que Jeneric também havia se oposto?

    A resposta era simples. Porque quem havia recomendado Eugene fora Lovellian.

    Trezentos anos atrás, quando a Sábia Sienna ocupava o cargo de Mestra da Torre Verde, dois dos três discípulos que ela tomou permaneceram na Torre Verde da Magia, enquanto o terceiro transferiu-se para a Torre Vermelha da Magia.

    Hoje em dia, os muitos magos de Aroth reverenciavam a Sábia Sienna como sua grande mestra. No entanto, apenas Jeneric e Lovellian podiam legitimamente reivindicar pertencer à sua linhagem de sucessão.

    Os dois discípulos que permaneceram na Torre Verde da Magia se casaram, tiveram um filho e transmitiram a ele sua magia. Esse filho foi o antigo Mestre da Torre Verde e pai de Jeneric.

    Não havia como a família de Jeneric manter boas relações com a Torre Vermelha da Magia. Para eles, a audácia do terceiro discípulo em deixar a Torre Verde, onde sua mestra havia ensinado, para fincar raízes em outra Torre era quase um sacrilégio.

    Jeneric herdou essa sucessão por sangue e odiava ainda mais Lovellian. Se Lovellian não existisse, apenas Jeneric poderia reivindicar legitimidade sobre a herança deixada por Sienna a seus discípulos. Isso daria à sua linhagem um poder impossível de ignorar neste reino mágico que venerava Sienna.

    Portanto, a mera existência de Lovellian era como um espinho nos olhos de Jeneric. E esse incômodo, Lovellian, ainda por cima mantinha ótimas relações com o Patriarca do Clã Lionheart. Por conta disso, Lovellian chegou a acolher o filho mais velho dos Lionheart na Torre Vermelha e lhe concedeu tratamento especial. Quando esse filho mais velho foi flagrado cometendo uma imprudência, o filho adotivo da família Lionheart foi enviado para substituí-lo.

    Foi por isso que Jeneric tomou o lado oposto nessa questão. Mas depois que Lovellian aceitou Eugene como discípulo, Jeneric passou a prestar-lhe nova atenção. Era como se dissesse que a grama do vizinho era sempre mais verde. Por inveja, Jeneric desejava de algum modo convencer Eugene a deixar a Torre Vermelha da Magia.

    Além da Torre Verde da Magia e do Batalhão de Magos da Corte, muitos outros também demonstravam interesse por Eugene.

    A Mestra da Torre Branca da Magia, Melkith, que tivera o Manto das Sombras tomado dela por longos nove anos, queria convencer Eugene a permitir que ela pegasse emprestada Wynnyd de novo. Ou, se não conseguisse isso, ao menos esperava convencê-lo a devolver o Manto das Sombras. Mas não eram apenas esses desejos materiais que a faziam prestar atenção nele, pois Eugene havia demonstrado que conseguia controlar livremente espíritos do vento de nível intermediário.

    Quanto à Torre Negra da Magia, embora não fosse dito abertamente, rumores circulavam entre os Mestres de Torre de que Balzac estava interessado em Eugene. Por conta do incidente com Eward, a hostilidade entre o Clã Lionheart e a Torre Negra da Magia só havia se aprofundado, e parecia que Balzac queria, de alguma forma, melhorar essa relação.

    A única que demonstrava completa indiferença por Eugene era a Torre Azul da Magia.

    — …Hem, Sir Eugene. Bem… sua tese está indo bem? — Trempel decidiu mudar de assunto.

    — Sim, está — respondeu Eugene de forma curta.

    — Se quiser, posso ajudá-lo a revisá-la — ofereceu Trempel, ansioso. — Claro, sei perfeitamente que seu mestre, o Mestre da Torre Vermelha, já está encarregado da revisão. No entanto, quanto mais conselhos, melhor, certo?

    — Embora eu agradeça pela oferta… — Eugene começou a recusar.

    — Espere. Não recuse ainda. Parece meio embaraçoso dizer isso, mas, no fim das contas, não é a Torre Vermelha da Magia especializada em magia de invocação? Eu não apenas sou bom em magia de invocação como também sou versado em magia de combate. Afinal, não sou o comandante dos Magos da Corte à toa. — Trempel rapidamente acrescentou: — Meus conselhos com certeza serão diferentes dos que o Mestre da Torre Vermelha, especialista em invocação, pode dar.

    — Mesmo que seja verdade, não é como se Sir Trempel soubesse que tipo de tese estou preparando, certo? — Eugene questionou, desconfiado.

    Porque a única pessoa a quem você mostrou foi o Mestre da Torre Vermelha. Essas palavras ameaçaram escapar da garganta de Trempel, mas ele as engoliu com um gole seco.

    — Ha ha… talvez eu não saiba o que é, mas posso descobrir só de ler, não? — Trempel riu — Tenho tanto interesse quanto qualquer Mestre de Torre em orientar os mais jovens. Também publico teses regularmente na Sociedade Mágica de Aroth e já revisei os trabalhos de muitos juniores.

    — Agradeço pela oferta, mas realmente, está tudo certo — Eugene recusou mais uma vez. — Sir Trempel, se eu aceitasse sua ajuda neste ponto, temo que estaria cometendo um grande desrespeito ao meu mestre, o Mestre Lovellian.

    — Hem… mas ouvi dizer que o coração do Mestre da Torre Vermelha é tão amplo e profundo quanto o mar — Trempel elogiou Lovellian em sua ausência. — Em vez de se ofender, tenho certeza de que ele ficaria feliz por você estar buscando orientação com um estudioso mais experiente.

    — Nesse caso, permita-me pedir permissão diretamente ao Mestre Lovellian.

    — Ei, calma… pra quê fazer isso? Em vez disso, que tal fazermos assim? Só nós dois… que tal mantermos isso em segredo? Assim você não precisa se preocupar em encarar seu mestre, e o Mestre da Torre Vermelha não sai desmoralizado. Quanto a mim… fico apenas feliz em poder contribuir com sua pesquisa…

    — Com licença. — Eugene escapou rapidamente de Trempel sem ouvir mais nada.

    Trempel estendeu a mão para Eugene com o rosto cheio de arrependimento, mas no fim, suspirou e balançou a cabeça.

    Trempel praguejou em silêncio: “Droga.”

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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