Capítulo 7 — Amarelo
Amarelo.
O mundo era pintado de preto, branco e amarelo. O céu era espesso de pinceladas amareladas com estrelas brancas. Seu chão era negro, o cheiro de tinta, por algum motivo me lembrava…
‘Tudo é estranho.’
Não tinha uma relação exata, entretanto, cheguei a essa conclusão imediatamente. O ar estava denso, quase palpável, como se eu pudesse o segurar entre os dedos e sentir sua textura oleosa.
“Bom… Para onde eu vou?” Olhei de um lado ao outro.
Não havia vento, nem qualquer brisa que pudesse mover meu cabelo ou roupa. Retrai meu olhar para o meu corpo, vi apenas um contorno, uma espécie de silhueta escura contra o chão negro, uma ausência de cor que me definia.
“Por que não tenho sorte em nenhum momento? Meu azar está além do normal…”
Eu era um recorte no cenário, uma peça que se encaixava perfeitamente na escuridão sob meus pés. O silêncio era tão profundo que chegava a zumbir, escutei meu coração batendo, uma pulsação lenta e constante. Meu sangue circulava pelo corpo e o escutar era aterrorizante.
“Bom, só me resta me aventurar nesse nada”, proclamei ao vazio.
Meus passos não produziam som algum sobre a superfície lisa e fria. Era como deslizar sobre vidro obsidiano. À medida que avançava, as pinceladas amarelas no céu pareciam escorrer lentamente, mudando de forma como nuvens em um dia de tempestade, mas sem pressa.
‘Se chover essa tinta, vai alterar tudo novamente? Não vai ocorrer a mesma coisa de tocar o quadro, né? Espera, o quadro tinha amarelo?’
Tentei me lembrar, mas a recordação do quadro havia sumido. Fugido da minha mente como se segurasse areia nas mãos e as memórias aos poucos se esvaiam.
As mudanças no céu eram lentas e deliberadas. As estrelas brancas, por sua vez, permaneciam fixas, como pontos de luz fria e distantes, indiferentes aos meus movimentos.
“Seria como aquele vazio que eu estava antes?”, indaguei colocando a mão no queixo.
A memória que o cheiro tentava evocar continuava na ponta da minha consciência, era uma palavra que eu não conseguia pronunciar.
Após uma caminhada que parecia durar uma eternidade, mas ao mesmo tempo um instante, encontrei algo. Quebrando a monotonia do chão negro, havia um objeto. Uma única flor branca.
“Huh?”
Me aproximei com cautela. Suas pétalas não pareciam de tecido vegetal, mas sim de algo semelhante a gesso ou talvez tinta endurecida. Era perfeitamente branca, de um branco tão puro que parecia absorver a escuridão ao seu redor. Como as estrelas reluzentes lá em cima.
Em seu centro, no lugar que deveria ficar o pólen, havia uma única e perfeita gota de tinta amarela, sólida e brilhante como uma gema. Era a única fonte de cor tridimensional em todo plano.
‘Acho que não tem problema…’
Estendi a mão, minha silhueta escura se inclinou sobre a brancura da flor. Ao tocar uma de suas pétalas, senti uma frieza que percorreu meu braço. A textura era lisa, mas com microfissuras, como uma pintura antiga.
Nesse exato momento, um fragmento de imagem piscou na minha mente, vívido e desconcertante. Uma visão de uma mão que não era minha, segurando um pincel com a ponta carregada de uma cor que eu não conhecia, uma cor vibrante e cheia de vida, um amarelo profundo.
A imagem desapareceu tão rápido quanto surgiu, deixando para trás um eco de calor e uma sensação de perda avassaladora.
‘Que lugar é esse afinal? Uma tela inacabada? Um sonho de um artista melancólico? O que isso tem a ver com a tal provação?’
A cada momento, a ideia de que eu não era um visitante, mas sim parte de uma nova arte, se tornava mais forte. Provavelmente eu não estava em outra dimensão olhando para uma pintura e sim dentro dela.
O chão negro era a base, o céu amarelo a emoção dominante e as estrelas brancas, talvez, as ideias ou esperanças. E eu? Eu era a sombra, a pergunta, o vazio que aguardava um preenchimento.
“Espera!”
Aquele cheiro de tinta não era apenas o cheiro do ambiente, era o meu próprio cheiro, a essência da minha construção. Quando percebi, uma das longas e espessas pinceladas amarelas no céu começou a gotejar.
Uma gota lenta e viscosa de amarelo desceu dos céus se esticando como mel. Não caiu rápido, mas flutuou para baixo em uma dança lenta e hipnótica.
Engoli em seco, enquanto observava sua descida, sentindo uma mudança fundamental na atmosfera do lugar. O silêncio foi quebrado pelo som quase imperceptível daquela gota se partindo do céu, um estalo úmido e suave que ecoou na vastidão.
“Não…”
A gota amarela tocou o chão negro a alguns metros de mim e não se espalhou. Em vez disso, formou uma pequena poça tridimensional, pulsando com uma luz suave, mais intensa que o amarelo do céu.
Outra gota se formou no alto, e depois outra. O céu estava chorando sua cor sobre o mundo. Um sentimento novo surgiu dentro de mim, misturado à confusão estava a curiosidade.
A memória daquele amarelo, o toque frio da flor branca e agora as lágrimas amarelas do céu. As peças de um quebra-cabeça que eu nem sabia que existia começavam a se juntar diante de mim.
‘O cheiro é um chamado.’
Olhei na direção onde mais gotas pareciam se formar e começar sua descida. Havia um padrão, uma direção. Eu tinha um destino para seguir. Um movimento que adquiriu um propósito.
Mas quando percebi, uma sensação de loucura começou a me dominar. Um desejo crescente, como a agonia, a sensação de arranhar a própria pele com as unhas até que começasse a despedaçar.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Um chamado crescente, semelhante a um temor, começou a percorrer o meu sangue, meus olhos foram atraídos para o céu. O que eram para ser os meus olhos começaram a vazar essa mesma tinta negra.
O céu estava partido ao meio, um sorriso se formou nos meus lábios, quando a confirmação enfim chegou. Aquilo que deveria ser as estrelas, eram parte de uma única existência.
‘É uma prisão.’
No meio do mundo, uma única estrela avassaladora tingida de preto e branco, o branco se contorcia como se prendesse a massa negra que surgiam olhos amarelos, sequer podia ser comparado a ela pelo seu tamanho.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim. Fique aqui, se junte a mim.
A flor negra na minha mão começou a se dissolver em um novo formato, se tornando pouco a pouco uma chave, meu corpo aos poucos começou a se mexer sozinho, tentei segurar, mas minhas mãos aos, poucos subia aos céus.
Parecia que eu estava preso a uma corrente invisível, um fio de marionete puxado pela vontade daquela existência colossal no céu. Lutei contra, numa batalha silenciosa e desesperada travada dentro da minha própria forma sombria.
Meus músculos inexistentes se distorciam, numa agonia fantasmagórica que percorria o meu ser. A chave em minha mão parecia vibrar, emitindo um frio que não era mais passivo, mas ativo, como se drenasse o pouco arbítrio que me restava.
O destino parecia selado, um destino onde eu seria um sacrifício, uma oferenda erguida para libertar àquela imensidão de olhos amarelos. A voz em minha mente era uma ordem estridente, uma cacofonia de milhares de vozes, sussurrando em uníssono.
Os olhos da entidade no céu, antes dispersos, agora focavam em mim. A pressão esmagadora crescia, uma força gravitacional psicológica que ameaçava me desintegrar.
‘Eu-eu sou na-nada’
Até mesmo meus pensamentos pareciam sofrer a influência do ser preso. A chuva de tinta amarela se intensificou, se tornando uma tempestade viscosa que escorria pelo ar, cada gota um lembrete da natureza fluida e maleável da minha realidade, dessa prisão.
Em meio ao pânico, uma fagulha de rebeldia conseguiu surgir. Se meu corpo não me obedecia, talvez minha intenção ainda pudesse. A chave. Era para uma fechadura. A entidade no céu queria que eu a erguesse, que eu a libertasse.
‘Se eu não levantar a chave, a prisão não seria aberta…’
Com um esforço que parecia rasgar a própria estrutura da minha consciência, eu lutei contra a vontade de levantar a chave. Minha mão direita que se erguia para o céu parou, tremendo no ar.
O coro de vozes na minha cabeça se transformou em um grito de fúria e surpresa. Forcei meu braço a descer, centímetro por centímetro, redirecionando a ponta da chave negra não para o cosmos aterrorizante, mas para o centro do meu próprio peito.
O mundo tremeu, as pinceladas amarelas no céu se agitaram violentamente, como um mar enfurecido. A chave não me perfurou. Quando percebi, ela se afundou no meu peito, sem dor, apenas uma sensação de encaixe perfeito e inevitável.
Uma vibração abalou tudo, ela girou. Por um instante, o mundo preto, branco e amarelo se partiu. Não como vidro, mas como uma tela rasgada. O zumbido do silêncio foi estraçalhado pelo som distante de um grito.
Fechei os olhos e quando os abri, percebi que… o mundo mudou.
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