Capítulo 9 — Teatro de Máscaras
As máscaras ao meu redor, aos poucos, sumiram. Desaparecendo como cinzas ao vento. A sala ganhou murmúrios indistinguíveis, mas também foi substituído por um novo lugar. Um novo teatro.
O espaço circular e infinito do camarim cósmico não se desfez abruptamente. Ele dissolvia como uma aquarela tocada por água. As máscaras perderam sua forma, sua substância, se transformando em filetes de fumaça escura que subiam e se integravam à cúpula de escuridão acima.
“…”
O pedestal de mármore negro, onde toquei a face do vazio, se afundou no chão, sem som, como se nunca tivesse existido. A máscara em meu rosto, no entanto permaneceu. Fria, sólida, uma parte de mim.
‘Que merda é essa?’
O chão liso deu lugar a um carpete espesso, de um veludo carmesim tão profundo que parecia absorver a pouca luz do ambiente. Paredes invisíveis se materializaram, se erguendo em arcos góticos e camarotes ornamentados com entalhes de madeira escura e detalhes em ouro envelhecido.
O cheiro de ozônio e papel velho foi substituído pelo odor de poeira de séculos, de perfume desvanecido e de uma leve e inquietante nota de cobre, um eco fantasma do sangue no meu quarto.
‘Preciso descobrir mais sobre…’
Eu estava de pé no corredor central de um grandioso e antigo teatro. As fileiras de assentos de veludo se estendiam para ambos os lados, subindo em níveis até desaparecerem na penumbra.
O palco à minha frente era imenso, emoldurado por uma boca de cena dourada e coberta por uma pesada cortina de veludo, da mesma cor dos assentamentos. Um silêncio expectante pairava no ar, quebrado apenas pelos murmúrios indistintos da plateia.
‘Aliás… que plateia…’
Eu não estava mais sozinho. Sentados nos assentos, espalhados por todo o teatro, estavam centenas de figuras. Todas, sem exceção, usavam máscaras. Diferentes das do camarim. Pareciam mais uniformes em seu propósito, se não em seu desenho.
Eles usavam máscaras de porcelana branca sem expressão, máscaras de couro escuro que cobriam rostos inteiros e máscaras de metal polido que refletiam a luz opaca do ambiente como olhos de insetos.
‘Estão mortos?’
Nenhum deles se movia. Sequer pareciam me notar. Todos virados ao palco, como estátuas em uma congregação à espera de um sermão. Seus corpos estavam imóveis, suas mãos repousavam sobre os joelhos ou nos braços das poltronas.
A única indicação de vida era aquele sussurro coletivo, um som que não parecia vir de suas bocas, mas do próprio ar ao redor deles. Um zumbido de antecipação, a energia contida de uma audiência à beira de uma revelação.
‘Tanto faz, chega de esquisitices.’
Comecei a caminhar pelo corredor, procurando um assento. Meus passos eram abafados pelo tapete grosso, mas, na quietude daquele lugar, cada movimento parecia uma espécie de profanação.
Os seres mascarados não se viraram, mas eu sentia seus olhares vazios sobre mim, como uma pressão coletiva que me julgava, me media e também me aceitava como parte do espetáculo.
Encontrei um assento vazio em uma fileira no centro, entre duas figuras com máscara branca. Me sentei. O veludo era macio e cedia sob o meu peso. O encosto era alto, me envolvendo.
‘Que sensação boa.’
Assim que me acomodei, os murmúrios cessaram. O silêncio se instaurou, tão profundo que eu podia ouvir a pulsação fraca em meus ouvidos. E logo do fosso da orquestra invisível, uma única nota soou.
Um lamento prolongado de um instrumento que eu nunca tinha ouvido antes. A nota pairou no ar, vibrando através dos assentos, através do meu corpo, afinando a audiência para a mesma frequência de melancolia.
As luzes, que já eram fracas, diminuíram ainda mais, deixando apenas o palco banhado em uma luz pálida e fantasmagórica que parecia emanar da própria cortina.
Lentamente, majestosamente, a cortina de veludo começou a se abrir.
‘Aí vai…’
O cenário congelou meus ossos. Não era um castelo, uma floresta ou uma paisagem fantástica. Era um quarto. Um quarto de dormir simples, com uma cama, uma escrivaninha e uma janela que dava para uma noite pintada de um azul doentio.
‘É o meu quarto…’
Minha faceta quase retraiu, mas me segurei, tentei reprimir minhas emoções. Mas meu coração, ou o que quer que servisse como coração nesta existência, parou. O ar ficou preso na minha garganta.
Olhei para os lados, todos ainda pareciam focados no palco. Nenhuma reação. Nenhuma surpresa. Era como se esperassem por isso. Logo, dois atores entraram em cena. Ambos usando máscaras simples, sem expressão alguma.
‘Quem são?’
Um dos atores usava roupas que eu vagamente reconhecia. O outro, uma atriz, usava um vestido simples. Ela se movia pelo cenário com uma familiaridade que me causava calafrios. Ela pegou o porta-retrato da escrivaninha.
E a peça finalmente começou. Não houve diálogos que eu pudesse entender. As vozes dos atores, quando falavam, eram tons melódicos, mais parecidos com música do que com palavras. Mas eu não precisava das palavras. As ações, os gestos, a linguagem corporal, contavam a história com uma clareza terrível.
O primeiro ato passou voando, mostrando cenas de felicidade. O ator que me representava e a atriz que representava a mulher do porta-retrato. Eles riam, dançavam pelo pequeno espaço do quarto, compartilhavam segredos.
‘Não me lembro de nada disso…’
Em um momento, ele a presenteou com algo, uma pequena caixa. Ela a abriu e tirou um colar, que ele a ajudou a colocar. A audiência mascarada assistia a tudo com uma atenção imóvel e silenciosa.
Aquele sorriso rasgado na fotografia… pertencia a ela. A alegria no palco era um eco da alegria que um dia senti, uma alegria tão distante que parecia pertencer a outra pessoa, a outra vida.
A luz no palco mudou. A noite azul do lado de fora da janela se tornou mais escura, mais ameaçadora. O segundo ato começou. A harmonia foi jogada fora. E o autor que me representava agora estava mais quieto, mais retraído.
‘Hum?’
Ele passava horas na escrivaninha, de costas para a atriz. Ela tentava falar com ele, o tocar, mas ele sempre se afastava. Suas máscaras brancas e sem expressão tornavam a cena ainda mais perturbadora.
A ausência de feições forçava o foco em seus corpos, na tensão de seus ombros, na forma como suas mãos quase se tocavam, mas recuavam. A discussão começou. Suas vozes melódicas se tornaram dissonantes, agudas.
‘O que está acontecendo?’
Ele gesticulava para a janela, para o mundo lá fora. Ela gesticulava para o quarto, para o espaço entre eles. Eu assistia, paralisado, a uma dramatização da minha própria queda, da minha própria desintegração.
As memórias que eu não conseguia acessar estavam sendo encenadas para mim, mas como uma ficção, uma performance para uma audiência de espectros. Por quê? Qual era o pecado que eu estava sendo forçado a testemunhar?
A atriz, em um momento de desespero, arrancou o colar que ele lhe deu e o jogou no chão. O ator não reagiu. Ele simplesmente ficou lá, uma estátua de resignação. A cortina se fechou para o final do segundo ato.
“Uh…”, inspirei fundo, minha respiração estava descompassada.
As luzes do teatro subiram ligeiramente, sinalizando um intervalo. Mas ninguém se moveu. A audiência inteira permaneceu em seus assentos, num silêncio. Eu esperava que se levantassem, que os murmúrios retornassem, mas nada aconteceu.
‘Eu não me lembrava disso… eu era tão novo…’
Minha mente se esforçava para encontrar a memória real por trás da ficção, mas só encontrava um ruído branco estático de perda. Antes que eu pudesse me aprofundar na confusão, um movimento sincronizado varreu o teatro.
Todas as cabeças mascaradas se viraram de volta para o palco. O intervalo silencioso havia acabado. E uma nota solitária do desconhecido instrumento soou mais uma vez, agora carregada com um presságio inevitável. A cortina se abriu para o terceiro ato.
‘Já?’
O cenário não era mais o quarto. Era a esquina de uma rua à noite, com um poste de luz solitário lançando um brilho amarelo e doentio sobre o asfalto molhado. Um efeito sonoro de chuva e tráfego distante preenchia o teatro.
Os dois atores estavam lá, no centro do palco, suas máscaras brancas pareciam ainda mais fantasmagóricas sob a luz do poste. A discussão continuou, mais desesperada agora. Seus corpos se moviam com a energia da exaustão e do pânico.
Ele a segurava pelo braço, ela se soltava. Ele implorava com as mãos, ela cobria os ouvidos imaginários de sua máscara. E com um empurrão final, ela se libertou dele e correu.
Ela não correu para frente do palco, mas para o fundo, para a escuridão que representava a rua movimentada. Ele gritou, num som agudo e sem palavras, e estendeu a mão para ela.
‘Hum?’
No mesmo instante, uma luz branca ofuscou o palco, vindo da escuridão que ela corria. O som de pneus cantando no asfalto molhado e uma buzina estridente rasgaram o ar.
A luz atingiu a atriz em cheio. Seu corpo foi arremessado para o lado com uma violência sinistra, aterrissando em um amontoado quebrado perto do poste de luz. Ele congelou por um segundo, uma silhueta contra a luz ofuscante que se apagou tão rápido quanto surgiu.
‘O que é isso?’
Comecei a sentir dores de cabeça. Ele correu até ela. Caiu de joelhos ao seu lado e sacudiu seu corpo inerte. Sua máscara estava virada para a audiência, um poço de nada, mas sua postura, os ombros trêmulos, o jeito que ele agarrava as mãos, tudo gritava uma agonia que nenhuma máscara poderia conter.
A cortina caiu, deixando apenas a escuridão e o eco do grito.
“…”
Quando a cortina subiu novamente, o cenário da rua desapareceu. O palco estava escuro, quase vazio, exceto por algumas cadeiras e, no centro, um caixão de madeira escura, fechado. Um velório.
‘Não…’
O ator que me representava estava de pé ao lado do caixão, sozinho. Usando roupas escuras. Sua máscara branca agora parecia uma ferida no cenário obscurecido. Ele não se movia. Apenas olhava para a tampa de madeira que o separava dela.
Lentamente, estendeu a mão e a pousou sobre o caixão, seus dedos traçando os veios da madeira. Uma carícia de despedida, cheia de uma culpa e uma dor tão profundas que meu próprio peito sentia.
‘Foi minha culpa… Ela correu por minha causa… Ela morreu por culpa minha…’
A verdade era uma dor visceral. A peça não mostrava apenas evento, preenchia as lacunas da minha memória, como um efeito de causalidade. Eu a afastei. Eu a levei ao desespero. Eu a levei até aquela rua.
O ator ficou lá por uma eternidade de silêncio, seu corpo curvado sob um peso invisível. A audiência assistia, impassíveis. Como juízes, testemunhando a confissão silenciosa.
A cortina caiu e subiu pela última vez. O palco era novamente o quarto. Mas estava diferente. Vazio. Despojado. A cama estava desfeita. As roupas dela sumiram. O colar que ela jogou no chão não estava mais lá. Era uma casca, um mausoléu de uma vida compartilhada.
‘Agora?’
Ele entrou, se movendo como um sonâmbulo. Olhava para o espaço vazio ao seu lado na cama. Caminhou até a escrivaninha. No chão, via os cacos do porta-retrato quebrado. Ele se agachou e pegou um pedaço do vidro, o maior deles, com uma borda afiada… cortante.
Olhava para o próprio fragmento nas mãos. Nele, por um instante, a luz do palco pareceu refletir o meu próprio rosto mascarado na plateia. Nossos olhares se cruzaram através daquela barreira de realidade e ficção.
‘Ele está me vendo, me mostrando algo…’
O ator se sentou no chão, se encostando no pé da cama, assumiu a posição exata da minha morte. Segurou o caco de vidro com mais firmeza. Deu uma última olhada para a audiência, um olhar que parecia dizer ‘é assim que termina’.
E, com um movimento rápido e decisivo, ele perfurou a própria têmpora. O sangue escorreu, líquido escuro e teatral, jorrou, manchou sua máscara, suas roupas e o chão.
O corpo tombou ao lado. Encerrando o ciclo. Finalizando o quebra-cabeça macabro. A cortina desceu lentamente. Na escuridão crescente, um único som começou. Um aplauso, meu. Depois outro. E mais outro.
Até que todo o teatro estivesse preenchido pelo ritmo frio e ritualístico de uma salva de palmas. Minhas palmas.
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