Desejo

    ―欲望―

    Desejo

    “…”

    A assombração, agora poderia ser etiquetada como mulher.

    Seu corpo pálido poderia ser confundido com uma ilusão em meio ao vapor tão branco quanto. Ela se afundou na banheira, deixando os cabelos flutuando sobre a água até a altura do seu nariz pontudo. Ela parecia estar pensativa.

    Primeiro, abraçou os joelhos, depois bateu as pontas do dedo umas com as outras, e como se uma lâmpada se acendesse — com um pulinho infantil —, ela pareceu ter descoberto o que incomodava.

    Levantou, ainda envolta pela névoa que se entrelaçava em suas curvas, não era das mais altas — tinha um metro e sessenta ou menos —, mas eu me senti ligeiramente incomodado pela linha do horizonte. Me concentrei em seus olhos.

    Mazou me encarava como se quisesse me falar alguma coisa, mas não soubesse as palavras. Eu olhei de volta, nós permanecemos em silêncio por um longo período enquanto esperava paciente ela encontrar as palavras.

    Fantasmas, novamente, simplórios. Ela não parece ser o tipo de pessoa que se preocupa com os sentimentos alheios e não se conteve em nenhuma das frases que disse, eu presumi então que ela só não sabia.

    “Er… Mazougaharachou… San?”

    “Sim, sou eu.”

    “Você está procurando algo?”

    “Eu não sei te chamar.”

    “Ah, é. Não me apresentei, peço perdão pela indelicadeza.” Eu fiz uma pausa.

    Eu deveria?

    É uma fantasma, ela pode ir embora a qualquer momento com um simples assinar executivo. Talvez menos, talvez uma frase do supremo.

    Haaa…

    “Namae-nai. Escreva como quiser, com os kanjis ou hiragana que quiser.” Ela inclinou a cabeça, como se não tivesse entendido. 

    Eu desenhei com as bolhas restantes de sabão.

    “Isso é… Sem… Hum… Namaueuchi?”

    “Eh? Essa é nova… Chame como preferir.”

    Ela acenou positivamente, e então saiu da banheira.

    “Namaueuchi, eu tô com fome.”

    “Certo” Eu comecei a sair também. “Tem Cup Noodles na primeira porta do armário, embaixo.”

    Peguei uma toalha e comecei a me enxugar, enquanto Mazou parecia entretida com seu reflexo no espelho.

    “Onde?”

    “Na cozinha…?”

    “O que é Cup noodles?”

    Oh.

    “Meu Deus.” 

    Eu vesti uma calça moletom caminhando até a cozinha, na frente do armário coloquei uma regata no corpo enquanto procurava o macarrão instantâneo, deixei a mulher se enxugar em privacidade.

    Uff, isso pode ser um bom momento para refletir, que merda ocorreu aqui? A última mulher que tomei banho foi minha mãe, quando eu nem mesmo sabia tomá-lo. 

    Não foi a primeira vez vendo uma mulher sem roupa, mas foi tão esquisito que se fosse, evitei maus olhares, mesmo que ela não parecesse ligar. Eu gosto de ser moral, é como um crédito para quando estou errado, eu posso dizer para mim mesmo que é um erro em meio à vários acertos.

     Quando coloquei a água que ia ferver, não achei o isqueiro. Não estava lá, ficou na roupa do serviço. Aliás, eu esqueci das roupas para Mazou.

    Caminhei até o quarto, passei pela porta do banheiro e a mulher, com a toalha nos ombros, fazia desenhos no espelho. Então ele embaçava novamente e ela tornava a rabiscar com a digital.

    Uff… Mas, mesmo que eu tenha sido moral, olhado mais em seus olhos e cachos que nos seus seios, eu me sinto numa dualidade esquisita. 

    Primeiro, como se eu estivesse errado desde o ínicio, só de não ter vetado a ideia. Era o anjinho em meu ombro clamando inocência. Segundo, se eu já ia me martirizar por besteiras, que mal teria dar uma olhada? Esse era o pensamento do diabo.

    Para todos os males. Diferentemente de muitos crentes em fé cega, eu tenho a certeza da existência de um deus, aquele demônio fantasma brincando com vapor é a comparação mais pura do mundo sobrenatural. 

    Se o demônio está na minha casa, o anjo deveria ser eu?

    Passei no quarto, não havia nada feminino lá, principalmente, nada que escondesse seus seios muito bem, então peguei uma blusa G da minha época rebelde e uma cueca elástica. Parecia a melhor opção.

    De volta ao banheiro, joguei as roupas para fora do cesto e comecei a procurar a calça com o isqueiro. Olhei para o lado de relance e a mulher dos longos cabelos negros estava se secando. Ela fez um ‘Hm?’, prestes a vestir o haori novamente. Aquele haori branco familiar.

    “Oe, essa roupa tá suja, me dá.”

    “Não está não.” Reclamou.

    Ah sim, arranque as vestes de um cadáver, elas estarão tão limpas que você poderia até mesmo levar para a troca. Repita o truque e faça um bazar, mas não diga que eu disse.

    “Mazou-san.” Respirei. “Vista essa aqui.” Estiquei o braço com as roupas.

    “E se eu não vestir?” Exibicionista?

    “Coincidentemente, a porcentagem de exorcismos em Hokkaido vai subir” Esticou as mãos até minha mão, hesitou. “Esse é o seu desejo?”

    “Isso é uma ameaça?” Ela pegou a roupa.

    “Eu não ameaço, foi só um spoiler.”

    “Assustador…”

    Ora, isso é reconfortante de se ouvir de uma assombração.

    Ela não pestanejou, após secar o corpo, enrolou a toalha no cabelo e torceu. Amarrou num coque e então vestiu as roupas.

    É, vou ter que lavar a toalha também.

    “Ei, você não sabe tomar banho, mas sabe secar o cabelo?” Encontrei o isqueiro, ‘Trik—Trik—’. Firme, e forte, para mais umas boas cartelas. 

    “Eu sei tomar banho.”

    Eu me virei, encarei profundamente o ‘Yokubou’ gravado nas janelas da sua alma, não parecia uma piada ou jogada retórica.

    “Então por que eu tive que te ensinar?”

    “Eu não aprendi, só obedeci.” Essa… “Você toma banho de um jeito diferente também.”

    “Diferente como?”

    “De onde venho, usamos chuveiros.”

    Ela era ocidental? Isso é… Eu devo perguntar ao mentor em breve.

    Mesmo assim.

    “Em que diabos de cultura você não se esfrega no banho?” Eu coloquei as roupas do cesto na máquina, tanto as minhas quanto as dela.

    “Eu sei me lavar, apenas estava…” Ela não completou.

    “Ei, que cheiro é— porra! o gás.”

    Corri para a cozinha, como esperado, deixei a boca do fogão ligada sem fogo, quase destruí a casa de novo. Sorri amargo. Enquanto eu separava alguns temperos e um molho de pimenta. 

    “Isso é miojo num pote?” Mazou espiava sobre meu ombro.

    “É, basicamente.”

    “Você não desgostava do termo ‘Basicamente’?”

    “Nunca disse.”

    O silêncio entre nós durou pouco mais que dez segundos.

    “Namaueuchi.”

    “Diga.”

    “Que tipo de trabalho suja todo um conjunto de sangue?”

    “Um tipo que paga bem.”

    Isso é uma pergunta difícil…

    Nunca pergunte a uma mulher sua idade ou peso. Nunca pergunte a um homem sobre seu salário. Isso me parece injusto, as mulheres tem duas cláusulas enquanto eu só posso gozar de uma? Não, eu adiciono aqui, nunca pergunte a um homem sobre seu emprego.

    Ouça, você normalmente pensa em homens quando falam sobre assassinos, agiotas, capangas, super-vilões, políticos. Os homens são mais cotados para empregos onde se é mau caráter, não se pergunta sobre o emprego dele, imagine receber Darth Vader, Coringa ou Galactus como resposta? Ou pior, presidente da república? O mero pensamento me dá repulsa. Por isso, eu levanto esse abaixo assinado, o emprego de um homem só lhe diz respeito se ele toca o assunto.

    “Você recebe bem e come miojo?”

    “Você começou a falar mais…”

    Foi um bom fecho. Suas sobrancelhas se encolheram, ela se sentou numa cadeira da mesa de jantar. 

    Ficou magoada…? Ela não era tão sentimental agora à pouco.

    “…Eu não sei cozinhar, e não posso pedir comida por aplicativo.”

    “Você não pode expor seu endereço?”

    “Sim e não, não é recomendável, mas não há nenhuma regra sobre isso.” Eu despejei a água quente nos recipientes e deixei a mágica do cozimento.

    “Deve ser um trabalho perigoso.”

    “Sim… Você é inteligente.”

    Ela pareceu pensar por alguns instantes.

    “Eu sei cozinhar.”

    “Você é inteligente e útil. Amanhã vamos ao mercado comprar ingredientes.”

    “Tudo bem.”

    Cozinhar não é particularmente difícil. Mas existem momentos onde se perde o propósito e o objetivo. Nesses dias tortuosos, onde viver o dia de amanhã não faz sentido algum, a preocupação não é o que comer, e sim se devo ou não comer, se mereço ou não comer. 

    A comida no meu prato seria um desperdício sujo, faria falta quando alguém que realmente quisesse comer fosse fazê-lo.

    Isso é um pensamento retrógrado. Desde o “Dia Passado”, pensar no bem estar físico e mental das pessoas é um pensamento estúpido para qualquer um que saiba o que aconteceu, mas eu não consigo me desvencilhar dessa falsa empatia, sabe?

     Eu posso dizer para mim mesmo que é mais um acerto para justificar meus eventuais erros.

    Silêncio, então me virei para a mesa, entreguei para ela um Cup Noodles e um par de hashis, que ela encarou com confusão.

    “Não sabe comer com hashi?”

    “Você come miojo de pauzinho?”

    “Todo mundo aqui come miojo de hashi.” Fui até a gaveta, mas não encontrei nenhum garfo. “Você vai comer de colher, amanhã compraremos garfos.” Resmunguei com a cara enfiada na gaveta, quando voltei meu olhar, Mazou estava bebendo lamen como se fosse uma sopa, tomou tudo de uma vez e ao terminar, bateu o pote na mesa.

    Heh?

    “É uma boa garganta a que tem aí.”

    “Você pode guardar frases lascivas para si?”

    Sua escolha de palavras pareceu mais ofensiva que seu tom de voz.

    “Você tem um bom japonês, para quem vem de fora.” Resmunguei me sentando, comecei a saborear meu macarrão instantâneo com molho picante e tempero de cebola com alho.

    “Eu não sei o que disse, sei o que quis dizer.”

    “Então, você não entende exatamente o que eu falo?” Ou pior, o que você mesmo fala?

    “Pouca coisa, a maioria eu interpreto.”

    “Minhas intenções?”

    “Seus sentimentos.”

    “Eu vejo…” 

    Lê os sentimentos nas palavras…

    Isso é ligeiramente poético e um tanto perigoso.

    Ela se levantou, mas apenas ficou ao lado, de pé, me encarando.

    De alguma forma, uma fantasma me encarando comer é menos desconfortável do que parecia na minha imaginação.

    Seus seios pressionaram meu braço.

    É de propósito?

    Eu estive evitando olhar, considerei uma atitude desrespeitosa, contudo Mazou não parece se dar o devido respeito.

    Respeito. Me peguei repetindo essa palavra na cabeça, mas era a segunda metade que me fisgava.

    Talvez o diabinho esteja certo. Talvez eu seja um pouco pervertido.

    Meus olhos que estavam fixos na comida, por um instante, olharam para ela. Perto demais.

    Seu cabelo era preto e longo, já havia encaracolado um bom tanto mesmo após escovar. Uma franja em ‘V’ se cruzava, caindo entre os chifres. Olhar concentrado, pupilas carmesim.

    Eu sou ruivo.

    É de nascença, desde sempre considerei um charme, todavia, em comparativo, meus cabelos eram foscos e róseos se comparado com o tom carmim puro do olhar de Mazou.

    O vermelho mais intenso no rosto mais pálido e sem falhas de Mazo. Seu corpo também era um show à parte.

    Não entendo o suficiente de corpos femininos para dizer suas medidas ‘BCQ’ só com um olhar — isso é coisa de anime de ruivas, não ruivos —, mas ela definitivamente está acima da média em ‘B e Q’, absurdo, principalmente pela baixa estatura.

    Minha roupa larga com estampa da Nike era preta, grande o suficiente para cair pelo ombro esquerdo, quase um tomara que caia, o limítrofe entre ela ficar vestida e parcialmente nua eram seus peitos, como guerrilheiros corajosos da última linha de frente, eram os únicos a impedia a blusa de descer ainda mais pela lateral.

    “Namaueuchi.”

    “GASP—! O-oi, porra.”

    “Você está encarando demais, poxa.”

    Esperei uma discussão, ou uma repreensão da sua parte, até mesmo um ataque. Um debate mais chato e extenso que o de hoje cedo, talvez eu merecesse, por ter ouvido o diabo.

    Não veio.

    Ela sorriu, parecia satisfeita.

    Me acertou um peteleco na testa como se eu fosse a criança na sala, e então se posicionou atrás de mim.

    Pressionou o busto na minha nuca e recostou a cabeça sobre a minha, estranhamente feliz.

    Essa é a mesma Mazou de minutos atrás?

    Vou deixar isso de lado.

    Finalizei minha refeição, puxei um pedaço da manga da blusa e limpei a boca. 

    “Mazou-san, são duas da manhã, eu devo dormir.”

    Ela me soltou.

    Levantei e caminhei até o quarto com um leve desconforto, senti meu rosto quente e uma ansiedade borbulhar, ela me seguiu.

    “Ei, se vamos dormir na mesma cama, eu tenho de estabelecer algumas regras.”

    “…” Ela me encarou esperando que eu terminasse.

    “Não faça muito barulho, não pegue meu travesseiro e não tire a minha parte da coberta.”

    “Faço.” 

    Espero que isso seja de concordância com o ‘não’, invés de uma confissão.

    Aprontei o colchão com uma nova roupa de cama e aconcheguei o corpo cansado no canto.

    “Vocês orientais não tem costume de dormir no chão?”

    “Só os mais tradicionais, ou pobres, ou os caras do templo, eles são meio que os dois.”

    “Ah.” 

    Era uma kingsize, mas ainda sentia falta de espaço considerável quando ela subiu na cama. Em algum momento da noite, ela se agarrou em mim, parecia estar tendo um pesadelo, um bem cruel, onde um homem sem nome, de cabelos negros e calça cargo atacava os seus domínios portando uma espada da minha altura e um canhão de mão, onde ele a selava em um amuleto, privando-a de todo o seu poder e glória.

    Ela deveria estar tendo pesadelos com um caçador que só pensa em execuções.

    Um caçador de yōkais sem nome.

    ***

    (dados-simp-mazopng)

    (Lápis leo&leo, borracha, “[c) Pencil-6 Quick Shade]”, ódio.)

    Nota do autor:
    Sobre a arte, eu tentei, realmente tentei.
    Eu não desenho tão bem quanto o mano Kevin, a melhor arte que teremos é a de capa.
    E não sei digitalizar desenho tradicional .-.
    Enfim, se vocês não curtirem essas fotos de desenhos eu posso continuar só na pintura, nada impede, deem um feedback sobre essas artes ai pra eu saber o que fica melhor ou não.
    Enfim, até a próxima.

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