Capítulo 132: O Deserto (2/13)
— Eu realmente fico impressionado toda vez que vejo isso. Aquele cara não sente frio? — Laman clicou a língua, admirado, ao abaixar o telescópio.
Eles vinham seguindo Eugene à distância nos últimos dois dias, mas aquele garoto da família Lionheart parecia tão ingênuo e inconsequente que era difícil acreditar que fosse um jovem mestre de uma família prestigiada.
Eugene nem ao menos trouxe um guarda-costas consigo. Bom, Laman tinha ouvido que a família Lionheart era um famoso clã marcial, e que o garoto demonstrava um talento excepcional mesmo entre os outros Lionhearts de sua geração. Apesar de ter nascido numa ramificação colateral, havia sido adotado pela família principal por causa de algum tipo de Cerimônia de Continuação da Linhagem…
Enfim, tanto fazia. Laman não tinha real interesse nisso. Por mais incrível que fosse a família Lionheart, o alvo que eles estavam seguindo era apenas um pirralho de dezenove anos. E como os boatos normalmente eram só exageros da realidade, Laman tinha mais medo de falhar nas ordens de seu mestre do que de um jovem mestre de um país estrangeiro distante.
— Acho que pode ser algum tipo de ritual — especulou o tenente de Laman.
— Um ritual? — repetiu Laman.
— Não disseram que ele está quase na idade de ser considerado adulto? — o homem continuou. — Nossa tribo manda os jovens que estão prestes a alcançar a maioridade em uma jornada fora da tribo.
— E o que tem de especial nisso? O ritual de maioridade da nossa tribo também era assim. A maioria das tribos deste deserto tem cerimônias parecidas — respondeu Laman com um grunhido de desdém. — E daí? Você acha que aquele garoto está desafiando o deserto para provar que virou homem?
— Se não for isso, então que outro motivo explicaria essas ações? Ele não acende fogo, nem monta barraca, só continua andando pelo deserto o dia inteiro… caçando os monstros que encontra… Já estamos observando ele faz tempo, e o comportamento do garoto não parece diferente de alguém passando por um ritual de maioridade de tribo do deserto.
— Você tá dizendo que alguém da família Lionheart do Império de Kiehl viria até esse deserto só pra um ritual de maioridade?
— Não sei o motivo dele, mas lembra do que nosso mestre mandou? Ele disse que não deveríamos deixar aquele garoto entrar no deserto de Kazani.
Essa era a única ordem do mestre. Embora nem Laman soubesse o motivo por trás dessa ordem, ele não tinha a menor intenção de se meter a especular sobre ela.
— Vamos dormir um pouco também — ordenou Laman. — Afinal, aquele garoto esforçado com certeza vai começar a andar cedo de novo.
— Parece que a família Lionheart é mesmo tudo isso que dizem. Ele com certeza não conhece o deserto, mas já consegue andar tão rápido… Quem olhar pra ele vai achar que nasceu nesse deserto…
O tenente tagarela de Laman não conseguiu terminar o que dizia. Ao virar-se para trás de Laman, sua boca se escancarou.
Sem entender por que seu tenente tinha ficado tão chocado, Laman também virou a cabeça para olhar. E sua mandíbula caiu do mesmo jeito.
Atrás de Laman estava a figura de Eugene Lionheart se aproximando.
Ao seguirem Eugene nos últimos dois dias, logo haviam percebido que o garoto conseguia se mover incrivelmente rápido, mesmo sem montar num camelo ou estar equipado para atravessar o deserto.
Ele só tinha um manto, e seus sapatos eram um par comum que poderia ser visto em qualquer lugar, mas, mesmo assim, o garoto era capaz de correr pelo deserto arenoso como se estivesse pisando em chão firme e plano. E era exatamente isso que estava fazendo agora.
Não… aquilo podia mesmo ser chamado de ‘correr’? Por um momento, Laman teve que questionar o que estava vendo.
Como não queriam que Eugene percebesse que estava sendo seguido, Laman e seus homens haviam se mantido a uma boa distância. Distância suficiente para que não pudessem ser vistos sem um telescópio. Também tinham tomado cuidado para se camuflar no terreno. Mesmo agora, Laman e seus homens estavam abaixados atrás da crista de uma duna.
Mas, mesmo assim…
Uma chama branca pura podia ser vista claramente serpenteando pela escuridão. Era a primeira vez que a via com os próprios olhos, mas até Laman já tinha ouvido falar daquela famosa chama de mana. Era o símbolo da Fórmula da Chama Branca da família Lionheart, a deslumbrante juba branca do leão.
— R-Recuem! — Laman gritou a ordem.
O mestre deles não havia ordenado confronto com o garoto, então o melhor era bater em retirada. Mas como… ou melhor, desde quando aquele jovem os tinha notado?
Eugene estava avançando diretamente na direção deles, a uma velocidade absurda. A distância segura que haviam mantido já não parecia tão segura assim. Por ora, Laman só pôde puxar o kukri da cintura.
“Como eu pensei, não são assassinos”, Eugene concluiu ao vê-los.
Havia duas forças particularmente famosas e poderosas em Nahama: os Xamãs da Areia e os Assassinos. Pelo nível de furtividade e pelas roupas, aqueles que o seguiam não pareciam assassinos. Pelo contrário, julgando pelas roupas, pareciam viajantes comuns tentando cruzar o deserto, mas isso provavelmente fazia parte do disfarce.
O rosto de Laman se contraiu quando ele gritou:
— Pare!
Ele percebeu que já era tarde demais para recuar. O garoto se aproximava mais rápido do que esperavam.
“Pare? Ele realmente tentou me dar uma ordem? Por que eu deveria obedecer?”
Eugene não respondeu ao grito de Laman. Estava curioso para saber quem eram os seus perseguidores. Também queria entender o que estavam tramando ao segui-lo daquele jeito.
Talvez ele pudesse descobrir isso com um sorriso no rosto, puxando conversa casual. Mas Eugene nem sequer cogitou essa abordagem. Se fosse possível resolver desse jeito, por que o estariam seguindo em segredo?
Laman rangeu os dentes. Havia deixado sua exigência clara, mas o outro lado não estava ouvindo. Será que tinham sido confundidos com ladrões? Já que o outro lado havia iniciado o ataque, era tarde demais para tentar resolver o mal-entendido com diálogo. O mestre deles havia mandado seguir o garoto em segredo. Se quisessem cumprir essa ordem direito, era melhor deixar o mal-entendido continuar.
“Vamos deixá-lo achar que somos ladrões”, Laman decidiu.
Bastava subjugar o garoto, roubar uma quantia razoável de dinheiro e ir embora. Não era o método mais limpo, mas talvez esse assalto convencesse o garoto a voltar pelo caminho de onde veio.
Para Laman, isso não parecia um resultado ruim. Se aquele garoto continuasse avançando sem mudar de direção no dia seguinte, Laman teria que intervir de qualquer forma. A mana de Laman envolveu seu kukri com uma força da espada de coloração cinza.
Os olhos de Eugene brilharam ao ver aquilo. Ser capaz de criar força da espada, o nível acima da luz da espada, significava que seu oponente era um guerreiro de nível considerável.
“Já fazia tempo”, Eugene pensou, animado.
Nos últimos dois anos, Eugene passara mais tempo sentindo o cheiro da tinta do que o cheiro de sangue, e geralmente estava com caneta e papel nas mãos, em vez de uma espada ou qualquer outra arma. Como resultado, seu cérebro vinha sendo mais usado do que o corpo. Embora se exercitasse todos os dias nos laboratórios, passava muito mais tempo estudando magia e trabalhando na sua tese.
Além disso, nos treinos do laboratório, Eugene sempre estava sozinho. Quando estava na propriedade principal dos Lionheart, tinha Cyan, Gilead, Gion e outros cavaleiros como parceiros de treino.
Fazia dois anos desde a última vez que lutara de verdade contra alguém assim.
Eugene se sentia animado com essa constatação inesperada. Estudar magia era divertido, com certeza, mas em sua vida passada e na atual, Eugene achava que movimentar o corpo era ainda mais divertido.
Laman havia exibido sua força da espada, mas não desferiu um golpe. Só havia sacado a lâmina para demonstrar uma ameaça e tentar fazer Eugene parar.
Mas logo percebeu que as coisas não estavam saindo como planejado.
Aquele jovem de dezenove anos da família Lionheart continuava avançando contra o grupo de dez homens, mesmo naquele deserto, sem ninguém por perto para ajudá-lo.
Mesmo naquela noite escura, mesmo com Laman exibindo claramente sua força da espada diante dele, Eugene não mostrava o menor traço de medo. Pelo contrário, parecia até se divertir, os cantos da boca curvados num leve sorriso.
Ao ver esse sorriso, Laman soube que não podia mais enxergar seu oponente como um jovem que ainda não havia passado por uma cerimônia de maioridade. Definitivamente, era um jovem leão já forte o bastante para liderar seu próprio bando.
O Manto das Sombras esvoaçava sobre os ombros de Eugene enquanto ele corria, cobrindo os braços e dificultando vê-los.
Laman recuou, levantando o kukri um pouco mais.
Boom!
Com um estrondo vindo do manto de Eugene, uma luz branca cortou a escuridão. Com um grunhido, Laman balançou o kukri. Não foi um golpe frouxo só para afastar o inimigo. Laman sentiu instintivamente que fazer isso seria perigoso, e logo se provou certo.
Ching!
Uma lâmina azul-prateada saltou do manto de Eugene e colidiu com o kukri de Laman. Ou pelo menos, era isso que Laman esperava. Mas se enganou. Em vez de uma colisão equilibrada, foi atingido por uma força esmagadora. O kukri foi lançado para cima, e seus pulsos e braços latejaram de dor.
— Ugh…!
Laman se lançou para trás num impulso, arfando. O choque durou só um instante, mas seus homens já estavam se movendo. Seu tenente, que estava logo atrás, já empunhava o próprio kukri.
O tenente avançou rapidamente para enfrentar Eugene no lugar de Laman, que recuava. Mas, ao avançar, congelou de repente. Eugene agora segurava uma besta carregada com a mão esquerda.
Mas… quando ele tinha sacado aquilo? Até um instante atrás, sua mão esquerda estava vazia.
Shshsh!
Descendo pela duna de areia, Eugene manteve a besta levantada.
O tenente não conseguia tirar os olhos do virote apontado diretamente para seu peito. Não teria ficado tão apavorado se fosse apenas por isso. Era um guerreiro habilidoso, capaz até de agarrar flechas em pleno voo.
No entanto, não podia fazer nada quanto ao chão arenoso que, de repente, começou a engolir seus pés.
“Uma magia!”
Sem encantamento. O feitiço simplesmente se ativou. O tenente tentou se libertar rapidamente, mas o feitiço de Eugene não se limitava a afundar o solo sob ele. Guiada por mana, a areia formou dezenas de tentáculos que se enrolaram em suas pernas.
— Maldito!
Os outros subordinados de Laman também partiram para o ataque. Só então Eugene soltou a besta.
Twang!
O tenente não conseguiu desviar. Por sorte, o virote só perfurou seu ombro, não o peito, mas fosse onde fosse, levar um tiro de besta ainda doía.
Eugene não havia disparado apenas a besta. Dezenas de mísseis mágicos também cruzaram a escuridão ao mesmo tempo.
Só então Eugene falou:
— Quem são vocês?
Laman não conseguiu responder de imediato.
No momento, os únicos ainda de pé eram Eugene e Laman.
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