Índice de Capítulo

    A cabeça de Laman foi cravada na areia. Como o chão não era duro, Eugene não precisava se preocupar em rachá-lo ao meio.

    “Ainda não sei quem está por trás desses caras”, Eugene se lembrou.

    A situação era diferente daquela vez com o mago negro em Aroth. Aqui era um país estrangeiro, onde nem Lovellian podia intervir por ele. Se o homem por trás desse velho fosse, ao menos, um nobre de Nahama, isso poderia virar uma crise diplomática.

    Eugene não queria causar mais rugas no rosto já desgastado de Gilead.

    Dito isso, também não pretendia ser excessivamente misericordioso.

    Bang, bang, bang!

    Eugene enfiou a cabeça de Laman na areia mais algumas vezes. A vontade já despedaçada de Laman foi esmagada de vez. Com o gosto amargo da areia entrando nos olhos, nariz e boca, suas lágrimas e sangue transformaram a areia em lama.

    — P-Pare… — Laman gaguejou.

    Sabia que estava prestes a morrer. E não seria uma morte honrosa em combate, mas sim deixado para apodrecer no meio do deserto, fingindo ser um ladrão. A consciência disso era terrível, e a dor, insuportável. Com a voz trêmula, Laman mal conseguiu sussurrar esse pedido de misericórdia, e só então as mãos de Eugene pararam.

    — Quem é você? — Eugene perguntou mais uma vez.

    — Eu sou… — Laman tentou responder.

    No momento em que hesitou, Eugene enfiou a cabeça dele na areia outra vez.

    — Resposta lenta — Eugene explicou. — Se eu te perguntar algo, responda na hora. Também serve responder antes de eu perguntar.

    O que Eugene queria dizer com ‘responder antes de perguntar’? Essa dúvida passou pela mente de Laman, mas ele não ousou protestar.

    Em vez disso, confessou:

    — M-Meu nome é Laman Schulhov.

    — Hã? Que tom é esse, seu filho da puta — Eugene xingou.

    Bang!

    A cabeça de Laman bateu de novo na areia.

    — M-Meu nome é Laman Schulhov, senhor!

    Bang!

    — Q-Que diabos você quer ouvir de mim…?

    Eugene arqueou a sobrancelha.

    — Esqueceu o ‘senhor’ de novo? Seu desgraçado.

    Bang!

    Uma voz veio de outro lugar:

    — Por favor, pare!

    Tendo visto seu superior ser espancado daquele jeito, o tenente, ainda suspenso no ar, se virou para Eugene e implorou. Com sangue escorrendo do nariz e da boca, Laman olhou para o tenente.

    — N-Nosso mestre é Tairi Al-Madani… — o tenente gaguejou.

    Bang!

    Mesmo tendo sido o tenente quem respondeu, foi a cabeça de Laman que voltou a bater na areia. Naquele instante, Eugene compreendeu a relação entre os dois. Percebeu que aquele velho orgulhoso realmente não contaria nada, não importava quantas vezes apanhasse.

    Bang!

    — E quem é esse? — Eugene perguntou enquanto enterrava Laman de novo.

    Mas seu olhar estava voltado ao tenente, não a Laman.

    Mesmo assim, Laman respondeu, com a voz trêmula:

    — N-Não… não diga nada…

    Ignorando a ordem de Laman, o tenente revelou:

    — Nosso mestre… Tairi Al-Madani é o Emir de Kajitan!

    Mais do que temer o mestre distante, o tenente temia o homem que estava ali, na frente dele, esmagando a cabeça de Laman na areia.

    Eugene se lembrou que Kajitan era a cidade na fronteira oeste de Nahama, de onde ele acabara de sair. Isso significava que Laman era subordinado do senhor de Kajitan.

    Bang!

    O tenente continuou gaguejando:

    — N-Nosso mestre… ele… ele queria que a gente…

    — Que vocês? Anda logo, seu filho da puta — Eugene pressionou.

    Bang!

    — E-Ele queria que a gente… seguisse você em segredo… senhor Eugene…

    Bang!

    — E-Eu não sei o motivo… mas…

    Bang!

    — Por favor, pare de esmagar a cabeça do capitão! E-eu não tenho uma explicação detalhada. M-Mas…

    Bang!

    — Ele mandou a gente… não deixar você entrar no deserto de Kazani…!

    Só então Eugene parou de bater a cabeça de Laman no chão.

    — Por quê? — perguntou simplesmente.

    — Isso… eu realmente não sei…!

    Bang!

    — É sério…

    Bang!

    — É a verdade! Eu juro que disse tudo o que sei! Eu realmente não sei o motivo disso, é sério! — implorou o tenente, com lágrimas escorrendo pelas bochechas.

    Após observá-lo por alguns instantes, Eugene bufou e soltou a cabeça de Laman.

    Mas não era como se fosse deixá-lo ir embora assim. Eugene se sentou nas costas de Laman, cruzou os braços e coçou o queixo. Kazani. Esse era o nome do deserto para onde Eugene seguiria se continuasse na mesma direção.

    Era também o local de sua cidade natal. Trezentos anos atrás, a fronteira de Turas ficava bem no centro do que agora era o deserto de Kazani.

    — Por que não querem que eu entre lá? — Eugene pensou em voz alta.

    — E-Ele não disse nada sobre isso… — o tenente respondeu.

    — Normalmente, não há nada pra ver num deserto.

    — Kazani… nem mesmo feras ou monstros vivem lá. Também não há nenhum oásis.

    Era natural. O deserto de Kazani havia se formado recentemente, sendo o epicentro da tempestade de areia que devorava o território de Turas. Não tinha oásis, e a chuva caía raramente. Kazani era uma terra severa, onde ninguém conseguia viver.

    Não era como se ninguém tivesse tentado torná-la habitável. Algumas décadas atrás, um oásis artificial chegou a ser criado lá, com uma vila ao redor.

    Mas… uma tempestade de areia havia engolido tudo de repente. Isso se repetiu algumas vezes, e Kazani acabou abandonada como uma terra inabitável.

    “Será que é a base dos Xamãs da Areia?”

    Foi o primeiro pensamento de Eugene. Mas, embora fosse óbvio que Nahama usava a desertificação para devorar Turas, isso não explicava por que não queriam que um jovem mestre da renomada família Lionheart entrasse em Kazani.

    “Ou será que… Amelia Merwin está envolvida?”

    Em Nahama, a pessoa que Eugene mais considerava perigosa era Amelia Merwin. A maga negra que havia firmado contrato com o Rei Demônio do Encarceramento e que recebia apoio de Nahama.

    Além de ter uma personalidade desprezível, Amelia Merwin possuía poder suficiente para ser tratada como uma catástrofe natural. Até Nahama lidava com ela com extrema cautela. Era terminantemente proibido que turistas, ou mesmo cidadãos de Nahama, entrassem no Deserto de Ashur, onde ficava sua masmorra.

    O deserto de Ashur ficava bem longe dali, e Eugene não tinha motivo algum para ir até lá. Também estava longe do local onde Anise havia sido vista pela última vez.

    — …Hm — Eugene organizou os pensamentos.

    Ergueu a cabeça e olhou ao redor. Os subordinados de Laman estavam afundados na areia. Não tinham ficado parados enquanto Laman era espancado. Haviam tentado atacá-lo diversas vezes, então Eugene usou magia para enterrá-los até que só as cabeças ficassem visíveis.

    — Vocês todos podem voltar — Eugene disse com um aceno. Em seguida, deu um tapinha no topo da cabeça de Laman. — Mas você vem comigo.

    — …Hã? — Laman grunhiu.

    — De qualquer jeito — Eugene apontou — você não pode me deixar entrar no deserto de Kazani, né? Eu não me importo com isso, mas seria um saco se alguém viesse criar confusão só porque fui até lá.

    — E-e o que isso tem a ver comigo ir junto…? — Laman gemeu.

    — Se alguém vier reclamar, eu vou pôr a culpa em você — Eugene explicou.

    Laman ficou sem palavras.

    — Você entendeu, né? Vou usar você — e, por consequência, seu próprio mestre — como escudo. Você disse que seu mestre é o Emir de Kajitan, certo? Isso significa que posso silenciar qualquer reclamação irritante usando o nome dele.

    — …I-Isso…

    — Ou prefere morrer aqui mesmo? Claro, seus subordinados morreriam junto.

    — …

    — Ou então pode voltar pro seu mestre e dizer que falhou em me seguir e foi espancado até quase morrer. E é claro que eu não teria nenhum motivo pra ficar calado. Vocês não se disseram ladrões quando nos encontramos? Vou contar pra todo mundo que o Emir de Kajitan disfarçou os próprios subordinados de ladrões pra roubar os tesouros dos Lionheart… que tal?

    — I-isso…! Nós nunca tivemos intenção de…

    — E quem você acha que eles vão acreditar, em você ou em mim? O que é certo é: a família Lionheart com certeza vai acreditar em mim. Afinal, eu carrego coisas que são valiosas o bastante pra fazer alguém tentar roubar.

    Com um sorriso, Eugene puxou do manto o punho de Wynnyd e o mostrou.

    — Sabe o que é isso, né? — Eugene perguntou. — É Wynnyd, a Espada Tempestuosa usada pelo Grande Vermouth, o ancestral da nossa família Lionheart. É um item que qualquer um cobiçaria. Ou pelo menos, é o que a maioria pensaria, não? Então vão acreditar que o Emir de Kajitan tramou algo tão sujo por causa da ganância por Wynnyd.

    Sem conseguir dizer nada, Laman apenas apertou os lábios. Apesar de o tempo em que havia sofrido nas mãos de Eugene ter sido curto, ele não conseguia encarar aquelas palavras como simples ameaças.

    E se Eugene realmente espalhasse isso por aí? A cabeça de Laman voaria, e talvez a de seus subordinados também. Até seu mestre, Tairi Al-Madani, podia acabar perdendo a cabeça se as coisas dessem errado.

    — E-Entendido — Laman não teve escolha senão ceder.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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