Conto: Li Wang

    As quatro Lyrias se moviam em sincronia perfeita, circulando Li Wang como hienas famintas ao redor de uma leoa ferida. Cada uma exibia o mesmo corpo escultural, a mesma expressão de luxúria e sadismo, com os olhos cravados nela como lâminas afiadas. O som das asas membranosas abrindo e fechando ecoava pelo estádio vazio, misturado aos sibilos das caudas cortando o ar.

    Enquanto isso, a verdadeira Lyria, serena e completamente segura, estava sentada no colo de Hendrick, que permanecia imóvel, como se o caos à sua frente fosse apenas um espetáculo particular.

    Ela se inclinava sensualmente sobre ele, empinando o quadril e roçando as curvas generosas contra o corpo do homem, como se precisasse ser admirada a cada segundo, mesmo com a batalha brutal acontecendo logo à frente.

    Seus olhos, de um vermelho profundo, não desgrudavam de Li Wang, acompanhando cada movimento da adversária com um brilho de diversão cruel.

    Li Wang, ofegante, com o corpo coberto de cortes e escoriações, desviava freneticamente, buscando espaço para respirar e analisar as criaturas à sua volta.
    O suor misturado ao sangue escorria pelo rosto, ardendo nos olhos, mas ela não podia se dar ao luxo de fraquejar.

    De repente, num movimento preciso, abaixou-se e girou o corpo, desviando da garra de uma das cópias e, com toda a força que restava, cravou a faca na axila esquerda da Lyria que a atacava.

    O resultado foi imediato:
    A pele da criatura se desfez, voltando a ser apenas sangue negro.

    “Então é isso…”, pensou Li Wang, com um fio de esperança atravessando a exaustão.
    Elas eram poderosas, rápidas, mas vulneráveis no mesmo ponto.

    Porém, não teve tempo de comemorar. As outras três investiram imediatamente, dessa vez mais cautelosas, posicionando-se de modo a evitar expor suas axilas.

    Os ataques vinham de todos os ângulos — garras, caudas, mordidas rápidas — forçando Li Wang a recuar, esquivar-se e saltar, com uma precisão cada vez mais desgastante.

    Minutos se passaram nesse combate insano.

    Cada vez que Li Wang parecia encontrar uma abertura, as cópias rapidamente se ajustavam, como predadoras aprendendo com a presa.
    Mas ela também estava se adaptando, mais instintiva do que racional, movida por uma força de sobrevivência primitiva.

    Numa investida rápida, aproveitou o descuido de uma das Lyrias que abriu demais as asas ao tentar se reposicionar no ar.
    Li Wang girou o corpo, deslizando pelo chão, e, com um grito rouco, cravou novamente a faca na axila exposta.
    Mais uma vez, a criatura se dissolveu em uma poça escura.

    Seu braço direito estava praticamente inutilizado, a camisa rasgada e encharcada de sangue, mas ela manteve a faca firme na mão esquerda.

    Pulou para o lado, esquivando-se por centímetros das garras de outra cópia.
    Aproveitou o impulso e, num golpe desesperado, enterrou a lâmina mais uma vez no ponto fraco da inimiga.
    Outra cópia se desfez, restando apenas uma.

    Mas essa, a última, foi mais sagaz.
    Antes que Li Wang pudesse ajustar a postura para o próximo ataque, a cauda da criatura se lançou em um movimento ágil e traiçoeiro, enrolando-se ao redor do pescoço dela com força brutal, levantando-a alguns centímetros do chão.

    A respiração foi cortada instantaneamente, o ar esvaindo-se dos pulmões enquanto suas pernas se debatiam inutilmente.
    A faca caiu da mão, retinindo no chão.

    A verdadeira Lyria, que até então apenas observava tudo como uma espectadora entediada, deslizou suavemente do colo de Hendrick, que continuava imóvel, como se aquela cena fosse um mero entretenimento trivial.

    Sem pressa, bateu uma vez as asas e, com um movimento gracioso, alçou voo, pairando até se posicionar diante de Li Wang, ainda suspensa pela cauda da cópia.

    Lyria esticou a mão, acariciando o rosto machucado de Li Wang com uma delicadeza grotesca, segurando suavemente o queixo dela e forçando-o para cima, fazendo com que os olhos da guerreira a encarassem.
    Seus rostos estavam perigosamente próximos, a respiração quente da criatura roçando a pele fria e úmida de Li Wang.

    — Está tão exausta… — sussurrou Lyria, com um tom de falsa compaixão, enquanto o sorriso predador se alargava. — Poderia acabar com isso agora… ou me deixar brincar um pouco com você, o que acha?

    Li Wang lutava com cada fragmento de consciência que restava.
    O corpo já não obedecia como antes, as forças esvaindo-se tão rapidamente quanto o sangue que manchava suas roupas e o chão.

    A mente, que sempre fora seu bastião inabalável, agora oscilava entre o colapso mental e a pura necessidade de sobreviver.

    Por mais que tentasse afastar aquela presença opressora, seus músculos não respondiam; a cauda apertava ainda mais, asfixiando e esmagando a esperança.

    Lyria inclinou-se mais, como se fosse beijá-la, saboreando o medo e a rendição que exalavam de cada poro de Li Wang.
    Mas, no fundo do olhar de Li, ainda havia uma centelha, fraca, quase apagada…, mas viva.

    Hendrick, ao fundo, observava com frieza, enquanto murmurava para si mesmo:
    — Então é assim que isso acabará?

    Li Wang sequer ouviu.
    A pressão no pescoço era insuportável, o corpo pendurado, o olhar fixo naquele rosto demoníaco tão próximo, entre o medo, a raiva e… o inevitável.

    Sem forças, sem ar, com a garganta sufocada pela cauda da última cópia de Lyria, Li Wang sentiu o torpor da morte se aproximando, como um véu gélido envolvendo sua mente.
    O corpo já não obedecia. As pernas pendiam inertes, e a faca jazia a metros de distância.
    Sua visão se turvava.

    O rosto provocador de Lyria pairava diante dela, a poucos centímetros, com aquele sorriso cheio de triunfo e perversidade.

    Num movimento desesperado, Li Wang enfiou a mão trêmula no bolso, sentindo os dedos se fecharem ao redor do pequeno cristal.
    Azazel.
    Sua única chance. Sua última tentativa.

    Sem pensar, ergueu-o até a boca, forçando-o entre os dentes. O cristal, morno e sólido, derreteu instantaneamente em contato com a língua — como se fosse feito de açúcar, dissolvendo-se numa matéria quente e densa que deslizou por sua garganta.

    Lyria arregalou os olhos, vendo o gesto.
    — O que você fez? — perguntou, com um tom de falsa surpresa.

    Li Wang nada respondeu, arfando, enquanto o calor do cristal se espalhava em ondas violentas pelo seu interior, como se um fogo antigo e brutal fosse libertado de dentro dela.

    Desconfiada, Lyria soltou sua cauda e segurou Li Wang pelos cabelos, abrindo sua boca à força, vasculhando com os dedos entre os dentes e sob a língua.
    Nada.
    O cristal já não existia.

    Lyria franziu o cenho, confusa, e então sorriu com desprezo.
    — Veneno… patético — sussurrou.

    Sem perder tempo, arrancou a blusa rasgada de Li Wang, deixando-a apenas com a calça ensanguentada e o sutiã manchado de sujeira e sangue seco.
    O corpo magro, porém forte, ficou exposto, revelando uma tapeçaria de cicatrizes, marcas antigas e profundas que cruzavam seus braços, costelas, peitos e costas como lembranças indeléveis de um passado violento.
    Algumas grossas e deformadas; outras, finas e pálidas como fios de prata sobre a pele.

    Lyria passou os dedos frios e afiados sobre uma cicatriz larga que cortava o abdômen de Li Wang na diagonal, admirando-a com um misto de desprezo e fascinação.
    — O que você fez para ficar assim? — perguntou, num tom de nojo disfarçado de curiosidade, deslizando a unha sobre outra marca, na costela.

    Li Wang mal conseguia escutar.
    O calor interno aumentava; os batimentos do coração explodiam como tambores de guerra abafados dentro de sua cabeça.

    — Uma mulher… deve manter o corpo limpo, puro, para ser o mais atraente possível — disse Lyria, sorrindo com deboche, aproximando-se do ouvido de Li Wang, como se quisesse lhe soprar aquelas palavras como um veneno.

    Mas Li Wang não conseguia prestar atenção.
    Sua visão já não era clara; a dor e o colapso físico se mesclavam com uma força nova e desconhecida, que se acumulava no centro do peito, como uma fera enjaulada arremessando-se contra as grades.

    Lyria continuou a provocá-la, passando a língua sobre o pescoço ferido de Li Wang, saboreando o sal do suor e o ferro do sangue.

    Foi então que, num lampejo de instinto, Li Wang ergueu o punho e desferiu um soco no rosto de Lyria.
    O golpe foi fraco, ineficaz, não a moveu nem um centímetro, mas provocou nela um sorriso ainda mais curioso.

    — Você ainda tenta resistir? — sussurrou, se divertindo com a cena.

    Li Wang deixou o braço cair, sem forças.

    Então, uma voz irrompeu como um trovão seco no vazio da sua mente:
    — Que patético…

    A voz era profunda, grave e arrastada, com um timbre áspero e ríspido, como o raspar de uma lâmina cega sobre pedra.
    Ela reverberou não apenas em sua mente, mas em cada célula de seu corpo, transmitindo uma sensação constante de ameaça, poder e destruição.

    “O quê?”, pensou Li Wang, incapaz de pronunciar qualquer palavra.

    O tempo pareceu congelar ao redor dela.
    Lyria ficou imóvel, a mão ainda pousada em seu queixo; a cópia, estática como estátua de carne; até o vento cessou, e o sangue no chão parou de escorrer.
    Tudo ficou lento, denso, irreal.

    Li Wang, com a visão ainda borrada, percebeu uma presença surgindo por trás de Lyria, como uma sombra rasgando a realidade.
    E então viu:
    Ela mesma.

    Estava ali, parada atrás de Lyria, olhando-a com um desprezo absoluto.
    Os olhos eram negros como o abismo, o sorriso sádico, a postura predatória.
    O mesmo corpo, a mesma face… mas a energia, não.
    Aquilo… não era humano. Aquilo… não era Li Wang.

    — Você me despertou… — rosnou a figura, com uma voz que soava como um rugido contido, cada palavra carregada de desprezo, malícia e uma sede de violência que parecia transbordar, ameaçando engolir tudo.

    Li Wang arregalou os olhos, tentando mover o corpo, mas estava presa, não só pela exaustão, mas pela força daquela presença que parecia sufocar o próprio ar.

    A figura caminhou lentamente ao redor de Lyria, observando-a com superioridade, como quem examina uma presa antes do abate.

    — Esses… são os fortes? — perguntou com ironia, estalando o pescoço. — Inimigos inúteis… são um insulto à minha presença.

    Com um movimento cruelmente delicado, colocou as mãos no queixo de Lyria, exatamente como ela fizera com Li Wang segundos atrás.
    Sua voz reverberou novamente, monstruosa, como a de um predador pronto para dilacerar:
    Liberte-me… e eu matarei seus inimigos.

    Li Wang, num fio de pensamento, tentou entender:
    “O que… é você? Mais uma das ilusões de Lyria?”

    A criatura sorriu, mostrando os dentes como uma loba selvagem, e inclinou a cabeça, respondendo:
    — Não, garota… sou muito mais do que esse ser inútil poderia sonhar… — aproximou-se ainda mais, as palavras escorrendo como veneno frio. — Deixe-me matá-la… e a única coisa que peço… é massacrar todos.

    A última palavra foi dita com um prazer quase orgásmico, como quem ansiava desesperadamente por sangue e caos.

    O som de um estalo seco cortou a atmosfera paralisada.
    O tempo voltou a correr.

    O vento soprou outra vez, frio e cortante, fazendo os cabelos ensanguentados de Li Wang balançarem sobre o rosto suado.
    Quando ergueu os olhos, percebeu:

    A figura com sua aparência havia desaparecido.
    Nenhum traço restava daquela presença avassaladora, como se nunca tivesse existido… mas o peso que deixara na alma de Li Wang era real, denso, como uma corrente invisível enroscada ao redor de sua essência.

    Antes que pudesse compreender, uma ardência insuportável irrompeu em seu peito — uma dor que atravessou pele, músculos e ossos como uma lâmina incandescente sendo empurrada com violência contra o coração.

    Li Wang soltou um grito primal, seco e gutural, caindo de joelhos sobre a relva fria e encharcada de sangue, logo depois se enrolando em posição fetal, comprimindo as mãos entre os seios, tentando conter o fogo que parecia queimar de dentro para fora.
    O som do próprio grito ecoava na mente como se não fosse dela.
    Os dentes cerrados e o rosto contraído em agonia.

    Lyria permaneceu ali, apenas observando. Ereta e serena, os olhos cintilando de diversão e crueldade, inclinando levemente a cabeça, como uma criança curiosa observando um inseto agonizar.
    — Deve ser… o veneno… — murmurou, com um sorriso enviesado, cruzando os braços e soltando um suspiro entediado.

    E então… aquela voz.
    Um urro selvagem e áspero ecoou dentro de sua mente, rasgando os pensamentos, atropelando qualquer tentativa de racionalidade:
    — ME DÊ O CONTROLE!

    Mas o tempo passou…
    Um minuto… dois… três…
    E aquela dor não a matou.

    Em vez disso, Li Wang, arfando, com o corpo coberto de suor e sangue, os braços trêmulos e a pele arranhada, começou a se levantar.
    Primeiro sobre um joelho, depois sobre o outro…
    Os cabelos desgrenhados caíam sobre o rosto, escondendo a expressão que Lyria tanto queria ver.

    E então…

    Quando Li Wang ergueu o tronco, Lyria arregalou os olhos, sentindo um calafrio percorrer-lhe a espinha:
    No centro do peito de Li Wang, entre os seios feridos e marcados por cicatrizes, um cristal rubro e irregular estava cravado profundamente, como se tivesse nascido da carne, atravessando-a de dentro para fora.

    Ele pulsava suavemente, emitindo um brilho sombrio — não exatamente de luz… mas de presença.
    Uma extensão do próprio caos que, há poucos minutos, havia falado com ela.

    Li Wang apertou a cabeça com força, cambaleando, como se pudesse esmagar a presença sufocante dentro de sua mente.
    Mas o grito não cessava…
    — ME DÊ O CONTROLE!
    — ME DÊ O CONTROLE!
    — ME DEIXE SAIR!

    Cada palavra cuspida como uma ordem irrefutável, vibrando em tons graves, como tambores de guerra batendo contra o próprio coração de Li Wang.


    Aquela definitivamente era a mesma voz da entidade que havia se manifestado momentos atrás, com sua aparência.
    Li Wang apertou os braços ao redor do próprio corpo, como se quisesse manter aquela coisa presa…
    Mas não podia.
    Sabia disso.
    Sentia isso.

    O cristal cravado entre seus seios começou a vibrar de maneira irregular, ora emitindo pequenos estalos, ora irradiando uma energia fria, como se o tempo e o espaço ao redor dela estivessem sendo comprimidos, distorcidos.

    E a voz…

    — VOCÊ NÃO VAI SOBREVIVER!
    — ME DÊ O CONTROLE!
    — AGORA!

    As palavras não eram mais apenas som.
    Eram sensação.
    Pressão física.
    Como mãos invisíveis segurando sua garganta, sufocando-a, obrigando-a a ajoelhar-se novamente.

    Li Wang arfava, os olhos semicerrados, o suor misturando-se ao sangue que ainda escorria de dezenas de ferimentos.
    Entre os gritos mentais e a dor sufocante, forçou-se a erguer o rosto, enfrentando aquela entidade dentro de si… e o monstro diante dela.

    Ficou ali, de pé, com o peito rasgado, o cristal reluzente… e o olhar vazio.

    Até Lyria, acostumada a subjugar presas e brincar com vidas humanas, deu um passo atrás, involuntariamente, movida por um instinto primal de preservação…

    Os olhos de Li Wang agora refletiam um brilho escuro, como se o cristal estivesse tomando cada célula, cada traço, cada batida do seu coração…

    E mesmo assim, com a respiração falha e o corpo exaurido, Li Wang apenas murmurou, entre dentes:

    — Cale… a boca…

    O cristal pulsou uma última vez, como uma resposta frustrada… mas silenciou.

    O ser interior, furioso, soltou um último grito dentro de sua mente, reverberando como um trovão:

    — VOCÊ VAI ME DEIXAR SAIR! CEDO OU TARDE!

    E então… desapareceu.
    Ou se calou.
    Li Wang não sabia ao certo.

    Só sabia que estava de pé…
    Com o cristal cravado em seu peito…
    E à sua frente, Lyria, sorrindo como se aquilo tudo fosse apenas mais um espetáculo.

    — Interessante… — murmurou a criatura, deslizando a língua pelos lábios, maravilhada. — Parece que você não é tão frágil quanto aparentava…

    Li Wang soltou um último suspiro pesado… e então ergueu os punhos, mesmo exausta… mesmo morrendo…

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