Conto: William

    William ficou parado na sala por alguns segundos após a saída de Li Wang, o olhar carregado de tensão. Caminhou até Dayse e parou diante dela, que ainda permanecia sentada no sofá.

    Sem perder tempo, falou, direto:

    — Li mandou que saíssemos daqui. Agora.

    O silêncio que se seguiu foi denso, imediato.

    Dayse arregalou ligeiramente os olhos.

    — O que aconteceu? — perguntou.

    William desviou o olhar por um segundo, respirando fundo, tentando conter a ansiedade que queimava em seu peito.

    — Não sei. Ela só disse… pra irmos. Não é seguro.

    Dayse assentiu lentamente, o medo evidente, mas sem hesitar. Ergueu-se do sofá e, com um olhar decidido, virou-se para Bárbara:

    — Vamos pegar algumas coisas. Rápido.

    William apenas concordou com a cabeça, os músculos tensos, já se preparando para o pior.

    Enquanto Dayse se dirigia rapidamente ao quarto para reunir alguns poucos pertences essenciais, William olhou para a sala, onde Henry, desperto, brincava no chão com alguns brinquedos, ao lado de Bárbara.

    Com passos firmes, mas silenciosos, aproximou-se e parou ao lado dos dois. Henry ergueu os olhos, sorrindo, alheio à gravidade da situação.

    William se ajoelhou e, com um gesto delicado, pegou o menino no colo. Henry se agarrou ao pescoço dele, sem entender, mas sem resistir.

    Em seguida, William virou-se para Bárbara e, com um olhar firme, estendeu o menino para que ela o segurasse.

    — Cuide dele — disse, a voz baixa, mas carregada de urgência.

    Bárbara apertou Henry contra o peito, protegendo-o instintivamente, enquanto lançava um olhar confuso a William, percebendo que algo muito grave estava para acontecer.

    Nesse momento, Dayse retornou com a mochila já preparada, e a tensão no ar pareceu aumentar, densa como um nevoeiro prestes a sufocá-los.

    Mesmo diante do perigo, a mente de Dayse se consumia numa única pergunta:

    “Ela está bem? Onde ela está?”

    William sentia a mesma dúvida corroer-lhe o peito, mas sufocou o medo como sempre fazia. Não podia se dar ao luxo de fraquejar, não com Dayse e as crianças dependendo dele.

    — Vamos — disse, firme, pegando a chave do carro e guiando os passos apressados até a porta da frente.

    William segurou a maçaneta com força, preparando-se para conduzi-los para fora. A madeira rangeu suavemente, quebrando o silêncio que pairava no ambiente.

    Do lado de fora, sobre a neve fina, uma figura os aguardava.

    Alto, esguio, com um semblante apático e entediado, um homem bloqueava a saída. O casaco negro esvoaçava suavemente ao vento, como se o frio nada significasse para ele.

    Num reflexo rápido, William empurrou Dayse e Bárbara para trás, protegendo-os com o próprio corpo.

    — Vão sair assim… tão apressados? — perguntou o homem, com desdém.

    — Quem diabos é você? — rosnou William, a mão buscando a arma sob o casaco.

    O homem falou como se considerasse a pergunta com o mínimo esforço possível.

    — Apenas… alguém cansado demais… — murmurou, a voz arrastada, quase indiferente, coçando a cabeça como quem não queria estar ali.

    Dayse, com o coração acelerado, apertou a mão de Bárbara, se colocando na frente da garota.

    — O que quer de nós? — perguntou, tentando manter a firmeza.

    O homem suspirou, como se cada palavra exigisse mais energia do que estava disposto a gastar.

    — Meu nome… — ele fez uma pausa, os olhos vagando pelo ambiente, como se estivesse entediado até mesmo com a própria apresentação — … é Lethos Veylor.

    William franziu o cenho, confuso.

    — E por que está aqui?

    Lethos ergueu um dos cantos da boca num meio sorriso preguiçoso, deixando que o silêncio falasse por alguns segundos antes de responder:

    — Porquê… vocês não sairão daqui.

    O ar pareceu esfriar ainda mais e, mesmo sem mover um músculo, a presença dele esmagava o ambiente como um peso invisível, sufocante.

    William deu um passo à frente, posicionando-se entre eles e a ameaça, erguendo lentamente a arma, mesmo tomado pelo medo de atirar em alguém — algo que nunca fizera até então.

    O olhar de Lethos pousou preguiçosamente sobre ele, e William sentiu um peso invisível sobre os ombros, como se cada célula de seu corpo fosse puxada para o chão, drenada não apenas de energia, mas da própria vontade.

    — Não façam isso… — murmurou Lethos, bocejando, enquanto esticava os braços como quem acorda de um longo sono. — Ficar… ou partir… no fim, é tudo tão… inútil.

    William lutou contra o torpor que começava a paralisar-lhe os membros, cerrando os dentes e os punhos com raiva.

    — Sai da frente… — rosnou.

    Lethos sorriu, indiferente.

    — E se eu não quiser?

    Por um segundo eterno, o tempo pareceu parar. William podia ouvir a respiração ofegante de Dayse atrás de si.

    Ele sabia que não podia falhar.

    Endureceu o olhar, puxou o gatilho.

    Mas, antes que o disparo ecoasse, Lethos ergueu um dedo, como quem pede silêncio numa biblioteca.

    E o mundo… desacelerou.

    A bala flutuou lentamente no ar, a poucos metros de seu peito. O som se extinguiu. O vento cessou.

    Lethos aproximou-se vagarosamente, passando ao lado da bala suspensa como quem ignora uma mosca insignificante, até parar a poucos centímetros de William.

    — Você não vai conseguir me deter — sussurrou, com um tom quase piedoso.

    William tentou se mover, mas seu corpo não respondeu.

    Apenas os olhos conseguiam acompanhar o movimento do inimigo.

    Lethos suspirou, como quem perde o interesse e, com um aceno displicente, liberou o tempo.

    O disparo atravessou o espaço vazio, atingindo inutilmente alguma coisa distante.

    William caiu de joelhos, respirando com dificuldade, o suor frio encharcando-lhe as costas.

    — Bárbara! Corre! — gritou, com o pouco ar que lhe restava.

    A menina, assustada, obedeceu de imediato. Com Henry nos braços, correu pelos corredores da casa.

    Dayse, com os olhos marejados e a respiração ofegante, sacou a arma e disparou repetidas vezes contra a cabeça do inimigo.

    As balas cortaram o ar, mas, a poucos metros de Lethos, desaceleraram bruscamente, como se o próprio tempo se curvasse diante dele.

    Cada projétil ficou suspenso no espaço, girando lentamente, preso em um silêncio opressor.

    Lethos continuou andando, indiferente, ignorando William ajoelhado à sua frente.

    Aproximou-se de Dayse, até ficar diante dela, que continuava apertando o gatilho inutilmente, as lágrimas começando a brotar, misturadas ao suor frio da impotência.

    Sem expressão, estendeu o braço e desferiu um soco seco contra o peito de Dayse, arremessando-a contra a parede.

    Ela caiu ao chão, ofegante, as lágrimas se misturando ao sangue que escorria da boca.

    Rastejando, com o corpo tremendo de medo e dor, Dayse se arrastou na direção onde Bárbara se escondera.

    — Corre, Bárbara… foge daqui… — sussurrou, a voz falhando, enquanto tentava proteger, até o fim, quem amava.

    William, tomado por um surto de raiva e indignação, reuniu as últimas forças e se levantou. Sem pensar duas vezes, agarrou Lethos pelas costas, segurando-o com força — como se ao menos pudesse ganhar tempo para Bárbara escapar.

    Mas ele sequer pareceu notar que estava sendo preso.

    Com um movimento rápido e brutal, Lethos lançou William ao chão.

    Enquanto ele tentava se recompor, Lethos falou, com voz fria e indiferente:

    — Não farei nada com vocês… a não ser que Hendrick ordene.

    Antes que qualquer reação fosse possível, ele ergueu a mão e uma bruma começou a se espalhar pelo ar.

    Um peso avassalador caiu sobre todos ali presentes. Os olhos de William, Dayse e Bárbara começaram a pesar.

    A lucidez desapareceu como fumaça.

    Em poucos segundos, todos estavam rendidos ao sono.

    O silêncio reinou na casa.

    Mesmo adormecido, a mente de William foi invadida por um pesadelo vívido.

    Ele via sua esposa.

    Ela gritava desesperadamente, com os olhos cheios de lágrimas e a voz rasgando o silêncio:

    — ACORDA, WILLIAM! PELO AMOR DE DEUS… ACORDA!

    O grito ecoou como uma explosão em sua alma

    Num sobressalto, William abriu os olhos, o peito arfando, os músculos ainda pesados pela força que o dominara. Ao olhar ao redor, viu Dayse e Bárbara caídas no chão, enquanto Henry permanecia acordado, brincando próximo ao corpo de Bárbara.

    E Lethos… estava sentado preguiçosamente numa velha poltrona, o olhar vazio, como quem mal se importava com a presença de William.

    Mesmo diante da cena absurda e da clareza da desvantagem, William se levantou, trêmulo, o corpo ainda fraco, mas o coração inflamado.

    Cambaleou até ele e, com um grito de fúria, tentou atacá-lo.

    Lethos, sem sequer mudar de expressão, estapeou William com um movimento displicente, como quem afasta uma mosca incômoda.

    William caiu com violência no chão, mas, com os dentes cerrados e os olhos ardendo, levantou-se novamente.

    Tornou a avançar.

    Outro tapa, outro tombo.

    E mais uma vez… e outra…

    Cada vez mais fraco, cada vez mais ensanguentado, mas sempre se levantando, mesmo quando o corpo já não obedecia.

    Até que, por fim, sem forças para ficar de pé, William apenas se arrastou.

    Engatinhou até o pecado e, num último e desesperado esforço, mordeu a perna de Lethos com toda a fúria e a dor que havia acumulado.

    As lágrimas escorriam pelo rosto de William, misturando-se ao sangue e ao suor.

    — Eu… eu não posso… ser tão fraco… — soluçou, enquanto o mundo ao redor parecia ruir em silêncio.

    Lethos inclinou levemente a cabeça, olhando para William ali no chão, se arrastando, mordendo sua perna como um animal desesperado.

    Com um suspiro longo, como quem lamenta ter que respirar, afastou a perna sem qualquer esforço, fazendo William rolar pelo chão, ofegante e ensanguentado.

    — Tão… cansativo… — murmurou, passando a mão pelo rosto, como quem luta contra o próprio tédio.

    Olhou para William mais uma vez, agora com um brilho quase melancólico nos olhos.

    — Por que… você continua…? — perguntou, a voz arrastada, quase morrendo no ar. — Não vê que… é inútil…?

    William não respondeu. Apenas tentou se erguer mais uma vez, apoiando-se nos cotovelos, mesmo quando o corpo parecia prestes a desabar de vez.

    Lethos soltou outro suspiro, olhando para o teto como quem busca algum sentido no vazio.

    — Força de vontade… — murmurou, quase num devaneio. — Queria… entender…

    Seu olhar voltou para William, com uma tristeza apática.

    — Eu… não consigo… ter isso…

    Mas William sequer pareceu ouvir.

    Com os dentes cerrados, as lágrimas misturando-se ao sangue, ele apenas se arrastava mais um centímetro, mais um movimento, recusando-se a parar.

    Lethos fechou os olhos por um segundo, deixando o peso da existência esmagá-lo silenciosamente, quando, de repente, o celular tocou.

    Com um movimento lento, tirou o aparelho do bolso e atendeu, sem qualquer pressa:

    — …Hendrick…

    Do outro lado, a voz de Hendrick soou clara:

    — Ela venceu. Saia daí.

    Lethos ficou em silêncio por um momento, encarando William ali, prostrado e quebrado no chão.

    — Tá… — respondeu, com um tom tão indiferente quanto triste.

    Desligou o telefone, guardou-o lentamente no bolso e, sem dizer mais uma palavra, virou-se e caminhou para a saída com passos lentos, arrastados, como quem nem tem força ou vontade para ir embora.

    Passou por William como se ele fosse apenas mais um objeto no caminho, sem nem sequer lançar-lhe um último olhar.

    E ali ficou William, deitado no chão frio, encoberto de sangue e lágrimas, soluçando baixinho, com a alma esmagada pela impotência e pela vergonha de si mesmo.

    — Tão… fraco… — sussurrou para si mesmo, enquanto o som dos passos de Lethos se perdia na distância, levando embora a ameaça… mas deixando o vazio.

    Algumas horas haviam se passado.

    A luz da lâmpada da sala lançava sombras longas e irregulares sobre o chão de madeira, sujo de sangue e poeira.

    William estava sentado numa poltrona velha, a mesma onde, há pouco, Lethos estivera. O estofado rasgado sob seu peso, o corpo inclinado para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos frouxas e manchadas de sangue pendendo entre as pernas. Seu olhar estava fixo num ponto indefinido do chão, vazio, sem brilho.

    O sangue escorria lentamente de vários cortes profundos em seus braços, rosto e costelas, formando pequenas poças aos seus pés. Mas ele parecia alheio à própria dor, como se o corpo já não fosse mais dele, como se não valesse mais a pena sequer sentir.

    Dayse e Bárbara continuavam dormindo, caídas no chão como bonecas quebradas, os corpos frágeis protegendo inconscientemente Henry, que, depois de brincar sozinho por um tempo, exausto, adormecera sobre o peito de Dayse.

    O silêncio era espesso, sufocante, até que…

    A porta se abriu.

    Li Wang atravessou o umbral, as roupas rasgadas, encharcadas de suor e sangue seco, os cabelos grudados à pele, e o cristal, pulsando, exposto entre os seios.

    Ela parou.

    Os olhos arregalados percorreram rapidamente o interior da casa: Dayse, Bárbara e Henry, inconscientes no chão… e então William.

    Ele continuava ali, imóvel, como uma estátua quebrada, com os ombros caídos e a respiração tão rasa que mal se percebia viva.

    Li Wang deixou o capacete da moto escapar das mãos, caindo no chão com um estrondo seco.

    — O que… o que aconteceu aqui? — perguntou, a voz entrecortada, não de medo, mas de um espanto gelado, como quem acabava de testemunhar a cena de um crime.

    Nenhuma resposta.

    William não moveu um músculo, nem sequer desviou os olhos do vazio à sua frente.

    — William! — chamou ela, um pouco mais alto, a urgência transbordando na voz.

    Só então ele pareceu ouvir. A cabeça inclinou-se levemente para o lado, os olhos piscaram como quem retorna de um abismo, e ele enfim ergueu o rosto para ela, revelando as marcas profundas de exaustão e derrota.

    — Me… me desculpa… me desculpa, Li… — murmurou, a voz rouca, quebrada, mas seca, sem lágrimas. As palavras saíam como lascas de madeira arrancadas à força. — Eu… eu não posso continuar com vocês… assim… Só… só vou atrapalhar…

    Li Wang permaneceu imóvel, o peito arfando, mas não disse nada. Apenas o olhava, ouvindo.

    — Se… se ele tivesse vindo com a intenção de matar todos… — continuou William, apertando com força os braços da poltrona. — … estaríamos mortos. E… e eu… eu não conseguiria fazer nada… nada… pra protegê-los.

    Li Wang abriu a boca, instintivamente, para contradizer.

    — Não é verdade—

    Mas William a interrompeu, num rompante:

    — Foi você! — exclamou, com uma força repentina, o olhar flamejando por um segundo, antes de se apagar novamente. — Você… que nos salvou…

    Li Wang estremeceu. Queria dizer algo. Queria agarrá-lo, apertá-lo contra o peito e garantir que ele estava errado. Mas não o fez.

    Ela reconhecia aquele olhar.

    O mesmo que via no espelho, todas as manhãs.

    O mesmo que carregava desde que lutou contra Vireon. Desde que o mundo começara a ruir.

    Sabia… piedade seria crueldade.

    Então, respirou fundo, se ajoelhou lentamente ao lado dele e, sem dizer uma palavra, sentou-se no chão, deixando que o silêncio preenchesse aquilo que nenhuma fala poderia.

    Só então, com uma serenidade amarga, murmurou:

    — Eu não quero que você vá… Mas… não vou te impedir… se é isso que quer…

    William permaneceu imóvel por um momento.

    Então, com um movimento dolorosamente lento, como se cada articulação protestasse, se levantou.

    O sangue começou a pingar do corpo, manchando o chão a cada passo arrastado até a porta.

    Ele parou diante dela.

    O olhar ainda cabisbaixo, sem coragem ou força para encará-la novamente.

    — Adeus… Li Wang… — disse ele, com uma voz que parecia carregar séculos de dor contida.

    E saiu, deixando a porta entreaberta atrás de si.

    Li Wang permaneceu ali, sozinha na casa despedaçada, ouvindo o próprio coração bater pesadamente, sentindo o vazio que se abria não só no ambiente, mas dentro de si.

    Levou uma das mãos ao cristal que ainda pulsava entre os seios, apertou-o com força e pensou, com uma culpa surda:

    “Se eu fosse mais forte… talvez ele… tivesse ficado.”

    E o silêncio, mais uma vez, reinou absoluto.

    O vento da noite cortava as ruas vazias, frio e indiferente.

    William caminhava lentamente pela calçada estreita; seus passos arrastados deixavam um rastro tênue de sangue, que se perdia na poeira do asfalto. O corpo, ferido e exausto, movia-se por inércia. Mas o olhar… esse estava longe, perdido num lugar onde nem ele mesmo conseguia chegar.

    As luzes dos postes piscavam, falhando em intervalos irregulares, lançando sombras quebradas sobre as paredes grafitadas. Um cachorro latiu ao longe, depois, só restou o silêncio — o mesmo silêncio que ele carregava dentro do peito.

    Parou por um instante.
    Apoiou-se em um muro qualquer, respirando com dificuldade. O peito arfava, não pela dor física, mas pelo peso esmagador que o dominava.

    Olhou para o céu escuro, sem estrelas, esperando, talvez, uma resposta.
    Mas, como sempre, nada veio.

    Fechou os olhos.
    Por um instante breve, imaginou a risada de Bárbara, o olhar firme de Dayse, a força de Li Wang… e, por fim, o rosto de sua esposa.

    Então, lentamente, abriu os olhos de novo, aceitando o vazio.

    Deu mais alguns passos até a esquina, onde um banco de madeira velho e carcomido resistia ao tempo. Sentou-se, curvado sobre os próprios joelhos, a cabeça pendendo, os braços pesados repousando entre as pernas.

    Por um momento, ficou imóvel, ouvindo apenas o som distante dos carros passando.

    Então… sentiu.

    Sem abrir os olhos, soube que alguém havia se sentado ao seu lado.

    O perfume… o mesmo.
    O calor… o mesmo.
    O silêncio… confortável, como sempre foi.

    Virou o rosto lentamente, e lá estava ela.

    Viollet Norn, sua esposa.

    Sentada ao lado dele, no mesmo banco, como tantas vezes antes, quando o mundo ainda parecia suportável. Vestia o vestido azul que ele amava, os cabelos presos de forma despretensiosa, o olhar calmo, acolhedor, mas triste — como se também soubesse que aquele era o fim.

    Ela não falou nada.
    Só estendeu a mão.

    William olhou para aquela mão pálida e firme e, com um esforço quase sobre-humano, ergueu a sua, trêmula, ensanguentada… e a segurou.

    O contato não tinha calor nem peso.
    Mas tinha tudo.

    Fechou os olhos, deixando uma lágrima escorrer silenciosa pela bochecha.

    — Me desculpe… — sussurrou, num fio de voz, sem saber se pedia perdão a ela, aos outros, ou a si mesmo.

    Sua esposa apertou a mão suavemente e, com um sorriso sereno, inclinou-se até encostar a cabeça em seu ombro — como nas noites silenciosas, quando o amor entre eles dispensava palavras.

    William respirou fundo, uma última vez.

    O sangue escorria livre pelos cortes, mas ele não ligava mais.

    Aos poucos, fechou os olhos.
    Deixou a cabeça tombar.

    E ficou ali, imóvel, enquanto a madrugada avançava indiferente, apagando, pouco a pouco, os vestígios do homem que, até o fim, se recusara a desistir. Que, até o fim, amou… e lutou. Mesmo quando tudo ao redor já havia desistido dele.

    Na rua vazia, apenas o som do vento permaneceu.
    E, com ele, a última lembrança de William.

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