Capitulo 8: Espectros
No ambiente inóspito do deserto, o Caçador de Ossos seguia fugindo da embarcação flutuante junto de Kaern. Seu plano de fuga improvisado era simples: atrair o foco da Igreja Amaldiçoada para o Vulto Negro, enquanto ele próprio escapava rumo à próxima Zona Selvagem o mais rápido possível.
Já que objetos grandes demoravam mais para atravessar as fendas dimensionais, ele só precisava tomar cuidado para não ser morto no caminho, mas essa tarefa estava se tornando cada vez mais difícil com a Dama da Ruína sempre em sua cola.
Virando-se por um breve instante para conferir o que se aproximava cada vez mais, o Caçador percebeu que não se tratava apenas de um navio voador de estrutura pontiaguda, aquilo estava realmente vivo.
Isso se tornava evidente quando a proa da embarcação se abriu, exibindo dentes gigantes e tão afiados que reluziam sob os fracos raios de sol.
Em seguida, um rugido agudo e gutural — como o de uma fera ancestral adormecida há muitos anos — lançou grandes quantidades de areia e rochas inteiras para o alto, criando um cenário ainda mais devastado naquele deserto.
No interior do que deveria ser a garganta da criatura, havia um canhão enorme, acumulando lentamente uma energia capaz de erradicar tudo o que estivesse em seu caminho. Nas laterais da nave, canhões menores foram liberados, enquanto o armamento principal carregava como precaução final.
Sem tempo para raciocinar, o Caçador de Ossos viu várias esferas maciças, envoltas em energia, rasgando o ar em alta velocidade na direção dos dois. Kaern, o lobo metálico, percebeu o ataque iminente e acelerou ao máximo, correndo em zigue-zague para dificultar que fossem atingidos.
Sendo lançado de um lado para o outro, tanto pela movimentação brusca de seu lobo quanto pelas ondas de choque provocadas pelas explosões o caçador se via cada vez mais irritado.
Mas que droga… esses desgraçados não dão descanso! Tudo bem, eu só preciso continuar até achar aquele maldito Vulto Negro. Depois, não será mais problema meu.
No fim, nenhum dos disparos atingiu de fato os dois Despertos, o que só instigou ainda mais raiva no coração do comandante Zath, que permanecia imóvel na sala de comando da Dama da Ruína, com seus múltiplos olhos cravados nas imagens projetadas ao redor da esfera holográfica central.
Cada movimento do Caçador de Ossos e Kaern era acompanhado com precisão cirúrgica, analisado e calculado em tempo real.
Sua frustração crescia a cada segundo. Os alvos insistiam em sobreviver, esquivando-se dos disparos e escapando por poucos metros das zonas de impacto.Se a situação continuasse assim, as chances de capturar o Vulto Negro diminuiriam drasticamente. E, diferente do ciclope ósseo traidor, ele não podia simplesmente matá-lo. As ordens eram claras e inegociáveis: o Vulto Negro deveria ser capturado vivo.
— Malditos vermes… estão brincando demais com a minha paciência… — resmungou, sua voz abafada pelo ranger das placas metálicas que se comprimiam com raiva.
Num movimento rápido, ele girou parte do corpo, voltando a atenção — e alguns tentáculos — para Mirage, que assistia à cena com entusiasmo típico de quem vê um espetáculo.
— Quando você vai começar a acertá-los, Mirage? Essa sua mira horrível está atrapalhando a missão! — disparou, com veneno na voz, os olhos nas pontas dos tentáculos fixando-se nela como lanças de acusação.
Mirage, como sempre, nem se incomodou. Girando nos calcanhares como numa dança, inclinou a cabeça de lado, fazendo os sinos de sua máscara tilintarem de forma provocativa.
— Ah, comandante… — respondeu, com voz melosa e debochada, levando a mão ao peito em um falso gesto de ofensa. — Você sabe que não é de propósito.
Estalou os dedos com um sorriso por trás da máscara dourada.
— Mas, já que foi com tanto carinho… acho que está na hora de mostrar um pouco mais de “precisão artística”— disse, abrindo os braços teatralmente, enquanto suas armas começavam a carregar o próximo disparo.
Desta vez, não foi uma bala de canhão que cortou o céu, mas uma feixe de energia concentrado, um raio sólido de pura destruição avançando em linha reta com velocidade absurda.
O Caçador de Ossos viu aquilo vindo como se o tempo desacelerasse ao seu redor. Por um instante, não havia som, vento ou o barulho da areia… só o brilho mortal daquela linha de energia. Se fosse atingido, não sobraria nem cinzas para contar a historia.
Mas, no exato momento antes da morte, o lobo freou de forma abrupta, lançando seu líder para longe e livrando-o da explosão. O mesmo, porém, não podia ser dito de Kaern, que foi atingido em cheio pelo feixe, a energia destrutiva percorreu todo o seu corpo.
A explosão foi violenta, levantando uma nuvem colossal de poeira e destroços, e abrindo uma cratera de fogo e rochas entre eles. O ciclope ósseo girou no ar durante a queda, preparando-se para colidir contra o solo. Sabia que, naquela situação, não podia se dar ao luxo de baixar a guarda — perder sua postura de combate não era viável.
Auxiliado pelos espinhos presos aos pés, conseguiu se estabilizar logo no primeiro contato com o solo, continuando a correr na direção da saída do Deserto de Sonata, com aparente indiferença ao que acabara de acontecer com seu parceiro.
Droga… eu odeio essa sensação de areia entre minhas placas ósseas. Uma pena que não vou poder voltar para a Zona Selvagem em que estava antes desse deserto, mas uma floresta também não é ruim.
Com sua visão de longa distância aprimorada, o Undead pôde notar uma pequena silhueta no topo de uma montanha mais à frente. Ao focalizar seu único olho, conseguiu ampliar ainda mais seu alcance, agora enxergando com clareza a figura de Jasper.
Bingo…
Agora, só precisava continuar até que o foco da Igreja mudasse para o verdadeiro objetivo. Para ele, não havia nada de errado no que estava fazendo, na verdade, encarava todo aquele conflito apenas como um teste para o Vulto Negro.
Por um instante ouviu o som das turbinas daquela carcaça de metal voadora mudando de direção, essa era a deixa para dar a volta na montanha e atravessar a linha fractal e adentrar um novo mundo.
Após mais um passo em direção à saída, os instintos do Desperto dispararam em alerta, enviando um arrepio sinistro pelos músculos, que fez vibrar as placas ósseas sobre eles.
Ao olhar por cima do ombro, notou uma fumaça escura se aproximando. Conhecendo bem a Igreja Amaldiçoada, sabia que aquilo era apenas mais uma de suas artimanhas. Ela escapava lentamente dos restos das esferas metálicas, que haviam se desfeito após o impacto contra o solo.
A princípio, parecia apenas um subproduto da explosão, mas, aos poucos, aquela névoa começou a se condensar, ganhando densidade e forma.
O ar ficou mais pesado, como se a própria atmosfera estivesse sendo consumida.
Os contornos escuros se moldavam em algo alto, esguio e animalesco, com membros alongados e olhos luminosos espalhados pelo corpo, como rachaduras incandescentes.
Criaturas que lembravam artrópodes gigantes começaram a emergir. Primeiro, formaram-se cabeças protegidas por carapaças semelhantes a capacetes naturais, com fendas estreitas onde olhos sombrios espreitavam e mandíbulas monstruosas prontas para dilacerar.
Logo abaixo, um torso alongado era revestido por um exoesqueleto segmentado, reforçado e grotesco. Múltiplas pernas longas, finas e afiadas sustentavam os corpos, prontas para cortar qualquer coisa.
— Olha só… soltaram os bichinhos para a festa — murmurou o ciclope ósseo, abrindo um sorriso torto com dentes expostos.
Esse era um dos piores defeitos do Caçador de Ossos: se visse algum Bestial que julgasse interessante o suficiente, não importava o quanto tentasse conter a vontade assassina, ele teria que caçar.
— Eu não gosto de ser forçado a lutar… mas já que trouxeram presas tão boas, acho justo retribuir… eliminando cada uma da forma mais brutal possível. — afirmou, preparando-se para a caçada com sede insaciável de sangue.
A primeira criatura que se aproximou mal teve tempo de reagir. Num movimento preciso, o Undead arrancou uma lança de ossos das próprias costas e cravou no peito do artrópode.
Não satisfeito, ergueu o corpo quase morto do inimigo e girou o eixo da arma, espalhando órgãos e vísceras para todos os lados.
—GRRRAAAKH-KZZZZZKHHHRRR!!! — a criatura soltou um lamento doloroso antes que o Caçador finalizasse, puxando a lança de dentro do corpo com um movimento seco e violento.
— Venham! Venham todos! Vou fatiar cada um de vocês em malditos pedaços! — vociferou com tanta fúria na voz que fez as feras hesitarem, recuando o ímpeto de atacar individualmente.
Do topo da montanha mais à frente, Jasper presenciava a cena, atônito. Seu único amigo havia acabado de morrer, e ele não pôde fazer nada.
Talvez, se tivesse agido antes, as coisas pudessem ter sido diferentes, ou, se tivesse sangue frio para fugir, ao menos não carregaria aquela imagem na mente.
O que eu faço? Não tem como enfrentar aquela coisa, eu ainda sou muito fraco…
O confronto no limiar entre o Deserto de Sonata e a próxima Zona Selvagem não terminaria tão cedo, e o Vulto Negro teria que agir.
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