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    — Aiza… a gente precisa ajudar o Kael… de alguma forma… — gritei, tentando me manter estável enquanto ela me carregava pelo céu com sua magia de vento.

    O ar era denso, carregado com o cheiro de fumaça e sangue. As nuvens lá em cima estavam tingidas de vermelho, como se o céu estivesse em guerra. Raios cortavam o horizonte, e os sons distantes da batalha ainda ecoavam como trovões abafados. Cada explosão lá longe parecia bater dentro do meu peito.

    Aiza voava rápido, quase desesperada. Seus olhos não paravam quietos. Ela tentava manter o foco, mas eu via — ela estava quebrada por dentro. Ainda assim, me mantinha flutuando ao lado dela com sua magia, como se fosse a última coisa que conseguia controlar.

    — Que forma, Laila…? — murmurou, sem coragem de me encarar. — É impossível… Eles são fortes demais. E você…

    A voz dela falhou. Aiza mordeu o lábio com força, como se estivesse tentando conter alguma coisa há muito tempo.

    — Eu o quê? — perguntei, virando meu rosto em direção ao dela. — Fala, Aiza. Me responde.

    Ela hesitou por alguns segundos. Seus olhos, cheios de dor e frustração, finalmente encontraram os meus. E então, num rompante, ela explodiu:

    — VOCÊ É FRACA! — gritou, com lágrimas brotando dos olhos. — VOCÊ NÃO CONSEGUE NEM USAR MAGIA! SE NEM EU… SE NEM EU CONSEGUI FAZER ALGUMA COISA, O QUE VOCÊ ACHA QUE CONSEGUE, LAILA?! VOCÊ É SÓ UMA MENINA!

    As palavras foram como facadas. Não porque fossem cruéis, mas porque eram verdadeiras.

    Meu peito se apertou. A garganta se fechou de tanta emoção. Mas mesmo com o rosto encharcado de lágrimas, encontrei forças para falar.

    — Eu sei… — minha voz saiu baixa, trêmula, quase sem ar. — Sei que sou fraca. Sei que não consigo lutar como vocês. Mas… mesmo os fracos ajudam a família. Mesmo os fracos tentam proteger quem amam.

    Minhas mãos se fecharam com força. Minhas unhas cravaram nas palmas. Olhei diretamente para ela, mesmo com a visão turva pelas lágrimas.

    — O Kael jurou que ia nos proteger… e ele sempre cumpriu essa promessa. Mas… quem vai proteger ele? Quem vai estar lá por ele, quando ele cair? Aiza… por favor… a gente precisa ajudar ele. Por favor! Por favor, AIZA!!

    Aiza parou.

    O vento que nos carregava enfraqueceu de repente, como se até a magia dela tivesse ficado sem fôlego. Ela pousou comigo no chão seco e rachado, coberto por cinzas que ainda dançavam no ar como fantasmas do que já foi.

    Ela não disse nada. Ficou imóvel por alguns segundos, com os olhos arregalados e lágrimas escorrendo livremente. Seu corpo tremia levemente. A respiração dela estava pesada, irregular. Como se um peso imenso tivesse sido jogado sobre os ombros dela.

    Por fim, Aiza respirou fundo, engoliu o choro e me olhou nos olhos com uma expressão que eu nunca tinha visto antes. Era… dor. E decisão.

    — Laila… corre. Vai em frente, sem parar. Lucas está te esperando… — disse, com a voz fraca, mas firme.

    — O quê…? Não! Não! Você não pode fazer isso sozinha! Você vai precisar de mim, Aiza! Por favor… me leva com você…

    Minha voz falhou. O medo de perdê-la apertou meu peito com tanta força que mal conseguia respirar.

    Mas ela não respondeu.

    Em vez disso, virou de costas. Levantou uma das mãos atrás do próprio corpo e, num estalo seco, conjurou uma chama laranja intensa. O fogo cresceu rapidamente, formando uma espiral quente que explodiu com violência. O impulso a lançou no ar como um míssil.

    Ela sumiu entre as nuvens escuras, deixando um rastro de fogo no céu.

    Fiquei parada, com as pernas bambas, o rosto coberto de poeira e lágrimas, e o coração batendo tão alto que parecia que ia explodir.

    — Aiza…

    Ajoelhei ali mesmo, sem forças para gritar. Olhei para frente, onde ela havia desaparecido.

    Então respirei fundo. Me levantei.

    E corri.

    Corri como ela mandou. Mesmo sem saber o que me esperava. Mesmo tremendo de medo. Porque… era o que eu podia fazer. O mínimo que eu podia fazer por eles.

    Mais uma palavra ecoava na minha cabeça, como uma batida de tambor cada vez mais forte.

    “Não.”

    Não.
    Não. Não. Não. NÃO. NÃO. NÃO!

    Cada passo que eu dava pra longe do campo de batalha parecia me esmagar. Cada respiração vinha com um gosto amargo de covardia. O vento batia no meu rosto, como se o próprio mundo estivesse me empurrando para frente… mas eu não queria mais ir pra frente. Não daquele jeito.

    Meus olhos ardiam. As pernas tremiam. Mas algo dentro de mim queimava. Algo novo. Algo que eu nunca tinha sentido antes.

    Raiva.

    Não dos outros.

    De mim.

    Raiva por sempre depender de alguém. Por ser sempre aquela que fica para trás, que precisa ser protegida, carregada, escondida. Por nunca poder fazer nada além de assistir.

    Isso… eu não posso aceitar.

    Não vou viver sendo a fraca. Não vou carregar esse destino preso na minha pele. Não vou mais fugir enquanto os outros lutam por mim.

    Aiza não pode lutar por mim.
    Kael não pode lutar por mim.

    Essa batalha é minha.

    Com os olhos cheios de lágrimas, mas o coração firme, parei de correr.

    Meus pés cravaram no chão seco e coberto de poeira. O silêncio ao meu redor me envolveu como um manto pesado, mas dentro de mim havia gritos. Um rugido nascendo.

    Virei para trás.

    O calor da batalha ainda queimava no horizonte. Um céu cheio de fumaça, gritos, magia. Lá… onde o medo vive.

    E foi pra lá que eu corri.

    Não com coragem. Não com poder.
    Mas com vontade.

    E mesmo que tudo em mim fosse pequeno, fraco, insignificante… naquele momento, algo mudo.

    Eu decidi lutar.

    Não porque sou forte.
    Não porque sei o que estou fazendo.
    Mas porque eles são tudo o que eu tenho.

    Vou proteger meus amigos. Minha família.
    Mesmo que o mundo inteiro esteja contra nós. Mesmo que eu não tenha magia nenhuma.
    Mesmo que isso custe… a minha vida.

    Não posso mais ficar parada.
    Não posso mais ser um fardo.
    Eles sempre estiveram lá por mim — Kael, com sua força silenciosa… Aiza, com sua coragem mesmo quando está quebrada por dentro…

    Agora é minha vez.

    Meus pés batem no chão com força.
    Sinto o vento cortando meu rosto enquanto corro contra ele, como se o próprio destino tentasse me segurar.

    Mas eu continuo.

    Minhas pernas doem. Meus pulmões ardem.
    Mas eu não paro.

    Tenho que ajudar eles.

    Mesmo que minhas mãos tremam.
    Mesmo que eu só tenha meu corpo e minha vontade.
    Mesmo que ninguém acredite em mim.

    Aiza…
    Kael…
    Esperem por mim.

    Eu estou indo.

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