Capítulo 5 – Nascido para o combate
Quando eu era mais novo, eu era exatamente o oposto do que vejo em mim hoje. Um garoto bom, inocente, solitário. O tipo de pessoa que não conseguia ignorar alguém triste ou chorando. Mas, com o tempo, comecei a enxergar o lado ruim das pessoas.
Meus pais eram divorciados desde que me entendo por gente. Isso nunca me incomodou muito. Quando eles se separaram, eu era jovem demais para lembrar como era ter pai e mãe sob o mesmo teto. O problema estava em como eles lidavam comigo.
Minha mãe não suportava o som de uma criança chorando. Quando o estresse tomava conta, suas atitudes eram questionáveis, para dizer o mínimo. Ela empurrava responsabilidades para mim, como se eu já fosse um adulto. E, quando não aguentava mais, descontava com violência. Bater na gente até que ficássemos quietos e cheios de medo de demonstrar qualquer fragilidade era sua solução. Sempre com aquelas frases: “Homem que é homem não chora” ou “Se continuar chorando, vou te dar motivo pra chorar dobrado.”
Meu pai, por outro lado, era brutal à sua maneira. Ele exigia perfeição em tudo. Qualquer nota baixa ou sinal de imperfeição era motivo para distribuir dolorosos cocões na minha cabeça, até criar galos.
Quando minha avó – a única pessoa que parecia genuinamente me amar – morreu, fui deixado de lado. Não me deram espaço para sofrer ou chorar por ela. Isso me ensinou a ter ódio de todos e a entender que sofrer não significa expor fraqueza para os outros, esperando migalhas de empatia. Naquele momento, aprendi que não precisava da ajuda de ninguém.
Pensando bem, meu pai me ensinou uma coisa: a buscar perfeição no que quer que eu fizesse, a nunca me acomodar, a sempre buscar ser melhor. O problema é que isso veio com um preço. Eu me fechei completamente. Não consigo expor o que sinto, mesmo quando preciso.
O que é mais estranho, no entanto, é como me sinto quando destruo algo – seja o que for. Pode ser algo que signifique muito para mim ou para outra pessoa, não importa. Há uma satisfação inexplicável em quebrar, em demolir, em acabar.
Hoje, eu apenas faço o que preciso fazer. Não por ódio, não por vingança. Apenas porque é o que resta.
***
Samira e a amiga, ao se virarem para trás, se assustaram ao ver Bruno, completamente coberto de sangue, com um corte profundo no rosto que não parava de escorrer, pingando sangue a cada movimento. Elas ficaram em choque diante daquela cena horrível, especialmente porque João Paulo, apesar de estar igualmente sujo, parecia estar apenas com as mãos sujas de sangue, em comparação com a destruição visível no corpo de Bruno.
Samira, ainda sem conseguir processar completamente a situação, engoliu seco e perguntou, sua voz carregada de preocupação:
— Meu Deus! Bruno, o que aconteceu com você?
Bruno, sem nem olhar diretamente para ela, continuava a pingar sangue e suor, ignorando completamente sua pergunta. Ele apenas observou Samira de cima a baixo, com os olhos atentos, como se estivesse analisando cada detalhe dela. Ao ver que ela estava ilesa, um alívio sutil passou por ele, mas não disse nada.
Com a mesma frieza, Bruno fez o mesmo com a outra menina, sem tocá-la, apenas com os olhos. A tensão no ar era palpável. Tanto Bruno quanto João Paulo estavam imersos em um silêncio desconfortável, como se as palavras não fizessem sentido diante da tragédia que haviam presenciado e vivido. As meninas, percebendo isso, entenderam rapidamente o que haviam passado para fugir da escola, e, sem mais perguntas, também se calaram.
Ao chegarem no mercado, encontraram Camille escondida entre os carros no lote vago, seu rosto pálido e marcado pelas lágrimas, um sinal claro de que ela havia chorado muito até que eles chegassem ali. Mas ninguém fez questão de perguntar se ela estava bem. O único som que se ouviu foi a voz de Bruno, ríspida e direta:
— Cadê a Larissa? Ela não estava com você? Ah, que se foda, tô cagando e andando pra você. Minha prioridade agora é outra.
As palavras de Bruno eram como facas, cortantes, e seu olhar fixo no supermercado, já se planejando para tomar o controle do local, deixavam claro que a preocupação dele estava em outra direção. Ele não tinha tempo para delicadezas, não enquanto a sobrevivência de todos ainda estava em jogo.
Bruno começou a olhar ao redor, analisando cuidadosamente os arredores e tentando avaliar se a entrada do supermercado estava com alguns infectados à espreita prontos para atacar. Depois de tudo o que tinham passado, as ruas estavam estranhamente calmas, o que apenas aumentava sua desconfiança.
Camille, ainda tentando limpar discretamente um pouco do sangue na manga de sua blusa, aproveitou o momento para fazer uma pergunta:
— Bruno, por que você escolheu o mercado como ponto de encontro?
Antes que ele pudesse responder, Samira foi rápida:
— É bem simples! Com todo esse caos, com gente fugindo e tentando sobreviver, me diz: quem vai parar pra pensar em estocar comida?
Bruno, mesmo parecendo distante, fez um esforço para não demonstrar preocupação e manter sua irmã tranquila. Ele complementou a resposta de Samira, mantendo a voz firme:
— Não é só isso. As portas do mercado são de metal reforçado, antifurto. E a garagem é fácil de trancar. Pra mim, é o lugar ideal pra gente se manter seguro por enquanto. O plano é simples: conseguimos um fogão, um botijão de gás e colchões. Depois disso, ficaremos bem.
Ele fez uma pausa, olhou diretamente para Samira e acrescentou:
— Agora, você fica aqui com o resto do pessoal, atrás do carro. Pode ter infectados lá dentro, e como eu sou o mais rápido e forte aqui, vou entrar sozinho, nós não precisamos correr riscos desnecessário aqui.
O tom autoritário de Bruno não deixou margem para discussão. Samira o encarou por alguns segundos, mas não disse nada. Apenas assentiu, Camille a pegou pelo braço e a levou de volta para trás do carro junto com os outros. Enquanto isso, Bruno ajustava a faca na mão, os olhos fixos na entrada do mercado, pronto para o próximo desafio.
Camille, ainda com o coração apertado pelo horror que presenciara na casa de Larissa, não conseguia conter sua insegurança. O pensamento de entrar no mercado, possivelmente cheio de infectados, parecia insano. Tentando convencer o grupo, ela falou com firmeza:
— É sério? Mesmo sabendo que pode ter infectados lá dentro, vocês ainda vão invadir? Cê só pode estar maluco!
Bruno, com a expressão abatida e o rosto pálido, ouviu as palavras de Camille sem desviar o olhar. Era evidente que ele estava exausto, mas isso não diminuía sua determinação. O corte em seu rosto ardia como fogo, e ele podia sentir o sangue escorrendo incessantemente. Mesmo assim, respondeu, a voz rouca e carregada de cansaço:
— Olha pra mim, Camille. Tô todo sujo de sangue, minha cara tá com um corte filho da puta que não para de arder e sangrar. Não faço ideia se isso vai me infectar ou não. Só sei que vou entrar lá e matar tudo o que aparecer no meu caminho, porque é isso que eu tenho que fazer pra garantir que minha irmã fique segura.
Camille ficou em silêncio por um momento. Ela percebeu que tentar argumentar seria inútil; a decisão de Bruno já estava tomada. Resignada, respondeu:
— Beleza… Mas eu vou ficar aqui escondida entre os carros até você limpar a área. E concordo, a Samira não pode entrar lá de jeito nenhum. Pode ser perigoso demais pra ela.
Bruno deu um leve sorriso para Samira, tentando transmitir alguma confiança, mesmo que ele próprio não tivesse certeza de nada. Em seguida, voltou-se para a outra menina ao lado de sua irmã, uma figura que ainda era desconhecida para ele:
— Beleza, aí, ô doidona… Você e a Samira ficam aqui com o João.
Ele então encarou João Paulo diretamente, falando com seriedade:
— E você, Jão, fica aqui pra proteger elas. Não vai peidar não, Zé. Se sair alguma coisa correndo lá de dentro, faz o possível pra manter elas seguras, morô?
João Paulo cerrou os punhos, incomodado com a ideia de Bruno entrar sozinho. Ele esperou até que Bruno começasse a se afastar antes de agarrar seu ombro, virando-o para confrontá-lo:
— Mano, cê tá maluco? Quer entrar sozinho? Tá querendo morrer, porra!
Bruno desviou o olhar, como se não quisesse encarar a indignação de João diretamente. Sua voz saiu baixa, mas firme, carregada de uma mistura de resignação e autossacrifício:
— Aê, gordão… Eu sou o que menos tem chance de ficar inteiro por muito tempo aqui. Tô todo fodido. Quero pelo menos ter a certeza de que, antes de virar um infectado, eu fiz alguma coisa pra garantir que a Samira tenha um lugar seguro. Cê tá ligado.
João Paulo soltou o ombro de Bruno, mas ficou parado, os olhos fixos no amigo, como se tentasse encontrar as palavras certas. No entanto, tudo o que conseguiu foi um aceno hesitante, ainda digerindo a ideia de que talvez não pudesse mudar a decisão de Bruno.
João Paulo não conseguia mais segurar a irritação. Ele deu um passo à frente e rebateu Bruno, com a voz carregada de indignação:
— Mano, quem foi infectado levou dois ou três minutos pra se transformar! Você já tá assim há quase quinze! Talvez quem sobrevive ao ataque seja imune, já pensou nisso?
Bruno parou por um segundo, fechou os punhos e virou-se para encarar João Paulo. Seu rosto estava carregado de raiva, o sangue no corte pulsando junto com sua frustração. Ele gritou, sua voz cortando o silêncio ao redor:
— Não viaja, Jão! Essa merda tá ardendo pra caralho e sangrando pra um caralho! Você acha que sabe de tudo agora? Às vezes o sangue deles age de forma diferente da saliva, já pensou nisso, seu imbecil?
João recuou, mas manteve o olhar fixo em Bruno. Antes que pudesse responder, Bruno bufou de raiva e, com um gesto brusco, virou-se:
— Mas quer saber? Que se foda. Eu vou agora!
Sem esperar mais um segundo, Bruno começou a andar em direção à entrada do mercado. Seu corpo estava tenso, os músculos enrijecidos enquanto ele levantava a guarda. Ao chegar à entrada, ele parou por um momento, respirou fundo e inspecionou os caixas, seus olhos atentos aos menores movimentos. O silêncio ali dentro parecia ensurdecedor, e o cheiro de sangue misturado ao de produtos de limpeza abandonados enchia o ar. Bruno seguia com passos leves, verificando cada setor com cautela, mantendo os sentidos em alerta.
Lá fora, Samira observava o irmão desaparecer no mercado. Seu rosto estava marcado por preocupação e dúvida. Ela virou-se para Camille, buscando alguma forma de conforto ou respostas:
— Aê Camille, quando você saiu da escola… você chegou a passar na sua casa? Viu se seus irmãos tão bem? Isso tá rolando só aqui pra cima ou lá pra baixo também?
Camille baixou a cabeça, a voz quase sumindo enquanto respondia, com palavras que mal saíam devido ao nó em sua garganta:
— Eu… eu não tive coragem. Depois do que aconteceu na casa da Larissa… só corri direto pra cá.
Ela fez uma pausa, respirando fundo, antes de olhar para Samira com olhos carregados de incerteza:
— Aliás, seu irmão… como ele consegue? Ele nem parece ter medo de tudo isso. Ele não hesita. Na escola… parecia até que ele tava achando graça de tudo isso, como se fosse um jogo, sabe? Ele ria, parecia o Coringa no meio da bagunça. Isso tava me dando medo… sério. Mas agora ele tá diferente, meio distante. Parece que algo mudou nele…
Samira observava o irmão desaparecer na entrada do mercado e sentia um aperto no peito. Para ela, Bruno não era apenas um irmão mais velho. Com uma mãe ausente e um pai inexistente, ele era a figura paterna que ela conhecia. Era quem sempre esteve ali, mesmo com todos os seus defeitos. Camille havia tocado em algo que Samira não podia ignorar, e ela se apressou em corrigir:
— Acho que você tá sendo precipitada, Camille. Eu conheço o Bruno melhor que ninguém. Ele tá com medo, sim. Ele só é orgulhoso demais pra admitir. Meu irmão odeia demonstrar fraqueza. Eu, pelo menos, nunca vi ele chorando.
Samira fez uma pausa, olhando para a direção onde ele havia sumido. Sua voz baixou um pouco, quase num sussurro:
— Eu acho que ele tá começando a sentir o peso do que aconteceu na escola. Ele demora pra processar as coisas, sabe? A ficha dele só cai muito depois. Ele nunca sente as coisas na hora em que acontecem.
Camille não respondeu, apenas abaixou a cabeça, tentando processar as palavras de Samira.
João Paulo, inquieto com o silêncio que se seguiu, desviou a atenção para o que mais o perturbava. Ele olhou diretamente para Camille e disparou:
— Camille, e a Larissa? O que aconteceu com ela?
O rosto de Camille ficou pálido instantaneamente, e sua respiração acelerou. Era como se João tivesse rasgado uma ferida aberta. Ela tentou engolir o nó na garganta e respondeu, com a voz embargada:
— A mãe dela… a mãe dela a contaminou.
As palavras dela caíram como uma bomba. João Paulo arregalou os olhos, visivelmente abalado, mas também curioso. Ele precisava entender o que aquilo significava. Ele deu um passo à frente e insistiu:
— Como assim, contaminou? Ela… mordeu a Larissa?
Camille começou a tremer. Lágrimas desciam por seu rosto, mas ela se esforçou para responder, mesmo sem conseguir olhar ninguém nos olhos:
— Não chegou a morder… Mas foi horrível. Ela apareceu do nada, já pulando no pescoço da Larissa e o apertando… com tanta força.
A voz de Camille ficou mais baixa e trêmula enquanto ela revivia o momento:
— Mas o que me assustou mesmo foi o que ela fez depois… Nossa, foi nojento.
João Paulo parecia prestes a perguntar mais, mas ao olhar para Camille, percebeu o quanto ela estava abalada. Ela tremia tanto que parecia que podia desmoronar ali mesmo. Ele respirou fundo e, contra sua vontade, decidiu não pressioná-la.
O grupo ficou em silêncio por um momento, cada um perdido em seus próprios pensamentos. O ar ao redor parecia mais pesado, carregado não apenas pelo medo dos infectados, mas também pelos horrores que estavam sendo vividos.
Camille, ainda tentando processar o que tinha vivido, começou a sentir náuseas. As lembranças da casa de Larissa vieram como um soco, tão vívidas que o corpo dela reagiu antes da mente. Ela se inclinou para o lado e vomitou próximo de Samira, que imediatamente deu um passo para trás, preocupada.
— Camille! Você tá bem? — perguntou Samira, colocando a mão no ombro dela com cuidado.
Camille não conseguiu responder, apenas balançou a cabeça negativamente enquanto limpava a boca com a manga da blusa já suja de sangue. João Paulo, observando a cena, engoliu em seco. Depois de alguns segundos, ele suspirou e comentou, tentando aliviar a tensão:
— Deixa quieto… Eu já entendi. Deve ter sido foda o que rolou lá.
Enquanto Camille tentava se recompor, a amiga de Samira, que até então permanecera mais reservada, começou a olhar inquieta em direção à entrada do mercado. Ela cruzou os braços, nervosa, antes de finalmente dizer:
— Pessoal, vocês não acham que o irmão da Samira tá demorando demais lá dentro?
A preocupação dela despertou algo em Samira, que já estava inquieta. O medo pelo irmão crescia a cada minuto. Ela virou-se para João Paulo, com o rosto visivelmente abalado, e pediu:
— Jão, vai lá ver como meu irmão tá, por favor. A gente vai ficar bem aqui…
João Paulo, no entanto, hesitou. Ele olhou para a entrada do mercado, como se pesasse os riscos. Depois, balançou a cabeça e respondeu:
— Acho melhor não. Ele me deu a missão de proteger vocês, e eu não vou ir contra a vontade dele. Mas fica tranquila, logo ele vai aparecer.
Apesar das palavras, a expressão de João não transmitia confiança. Sua pele estava pálida, e ele evitava olhar diretamente para Samira. Era óbvio que ele também estava preocupado com Bruno — ou pior, com o que poderia ter acontecido lá dentro.
Camille, que observava tudo de canto de olho, percebeu algo que os outros não notaram: João Paulo estava morrendo de medo. O leve tremor em suas mãos e o suor acumulando em sua testa o entregavam. Ela pensou em comentar, mas decidiu guardar aquilo para si. Por mais que ele estivesse assustado.
***
Na casa de Bruno, o caos já havia tomado conta. A mãe dele, completamente infectada, avançou sobre Hanne como uma fera descontrolada. Com uma força brutal, ela agarrou Hanne pela cabeça e começou a socá-la contra a parede sem piedade. Cada impacto ressoava como o som de uma madeira rachando, e logo a superfície branca começou a se manchar de vermelho. As batidas eram tão violentas que, em pouco tempo, surgiram fissuras na parede, como se o próprio concreto estivesse cedendo à fúria dela.
Hanne, quase sem forças, desabou no chão. Seu corpo inerte jazia em uma poça de sangue, e a respiração vinha em arfadas fracas, enquanto seus olhos começavam a perder o foco. A mãe, agora completamente consumida pelo vírus, exibiu um aspecto grotesco. O pescoço dela estava torto, como se tivesse sido quebrado e não pudesse mais sustentar a cabeça, que pendia grotescamente para a esquerda. De sua boca, escorria uma saliva espessa misturada com sangue coagulado, de um tom vermelho tão profundo que se confundia com o negro da escuridão ao redor.
Ela se abaixou lentamente, cada movimento um reflexo distorcido daquilo que um dia foi humano. Com a língua áspera, lambuzada de saliva infectada, ela passou pelo sangue quente que escorria da cabeça de Hanne. Seus olhos, antes castanhos, agora estavam opacos e cobertos por uma camada viscosa de muco, enquanto as pupilas irritadas brilhavam num vermelho inflamado.
A cena piorou ainda mais quando, com um puxão brutal, ela agarrou o cabelo castanho de Hanne, forçando a cabeça para cima. Sem hesitar, cravou os dentes no pescoço dela. O som de carne sendo rasgada ecoou pela sala, e um jorro de sangue espirrou por todo lado, manchando as paredes e o rosto da infectada, que mordia com uma fome insaciável.
Haissa, a caçula, assistia a tudo paralisada de medo. Seus pequenos olhos estavam arregalados, e ela não conseguia soltar sequer um grito. Quando a cena finalmente registrou em sua mente, o instinto de sobrevivência tomou conta. Com o coração batendo tão rápido que parecia explodir, ela virou-se e correu em direção ao banheiro. Lá, trancou a porta com as mãos trêmulas, enquanto lágrimas desciam por seu rosto. Do lado de fora, os sons de sua mãe mastigando o pescoço de Hanne se misturavam com os estalos de ossos e os gemidos agonizantes que escapavam de sua irmã.
***
No mercado, Bruno sentia um aperto estranho no peito, como se algo o pressionasse por dentro. Ele parou por um instante, pressionando a mão contra o local onde o coração batia acelerado. Sussurrou para si mesmo:
— Que sensação horrorosa é essa? Parece que tô sendo esmagado… difícil até de respirar… Mas foda-se. Só falta dar uma olhada no armazém.
Aproximou-se da porta do armazém, no fundo do mercado. Com cuidado, espiou por uma fresta. Cinco infectados estavam lá dentro, movendo-se de forma errática, mas ameaçadora. Bruno fechou os olhos por um momento, tentando pensar com clareza.
— Se eu for direto, eles vêm pra cima como um bando de hienas… mas, peraí… posso usar isso ao meu favor. Armar uma armadilha. Sim, pegar um por um.
Ele se afastou devagar, os passos silenciosos, e começou a procurar algo útil no mercado. Vasculhou corredores, caixas e prateleiras, mas o que encontrou não era suficiente. Nada que pudesse efetivamente deter cinco infectados de uma vez. Ele respirou fundo, tentando conter a frustração.
— Fodeu… cinco contra um. Não vou chamar o Jão pra me ajudar, o desgraçado pode me acertar com a faca de novo. E comprometer a segurança da Samira. Nem fodendo.
Sem muitas opções, Bruno voltou sua atenção para o açougue. Caminhou em silêncio até a seção, passando para o outro lado da vitrine. Pegou um pedaço grande de carne congelada e o colocou em uma mesa próxima ao moedor e à balança. Em seguida, sacou a faca que carregava na cintura, colocando-a na balança. Depois, começou a reunir todas as facas disponíveis no açougue, empilhando-as ao lado da carne.
Ele testou cada lâmina com calma. Passava o fio na carne, fazia cortes precisos e terminava com uma batida firme na mesa para avaliar a resistência. Após selecionar a melhor faca, começou a calcular suas chances.
— Certo… mas eles não vão cair fácil. São adultos, caralho. Cortar a jugular deles no meio de um ataque é quase impossível. Sem falar que a faca pode ficar presa e me deixar completamente vulnerável…
Bruno deu um passo para trás, apertando os punhos enquanto tentava montar um plano em sua mente. Então, uma ideia surgiu.
— Pera aí… as crianças infectadas na escola. Todas morreram com golpes na cabeça, como qualquer humano normal. Então é isso… eles também podem ser apagados assim. Preciso de uma marreta ou um martelo. Se eu acertar a cabeça deles com força suficiente, apago os desgraçados e mato um por um depois. Simples, né? Até parece…
Ele riu nervosamente, ciente de que o plano era tudo menos simples. Mas era o que tinha. Com determinação renovada, Bruno começou a procurar uma ferramenta que pudesse ser usada como arma. Enquanto vasculhava o mercado, sua respiração continuava pesada e o aperto no peito não diminuía. Algo além dos infectados parecia estar errado, mas ele não tinha tempo para isso.
Bruno encontrou tanto um martelo quanto a marreta de 2 kg que procurava. Ele examinou as ferramentas com cuidado, testando os cabos para garantir que nada vacilaria durante o combate. Pegando a marreta de 2 kg, murmurou para si mesmo:
— É essa. O impacto vai ser maior e mais fácil de manejar. Agora o plano é simples: com um braço, mantenho esses filhos da puta longe, e com o outro, esmago o crânio deles.
Com a marreta em mãos, aproximou-se da porta do armazém. Seus movimentos eram controlados, cada passo calculado para não fazer barulho. Ele abriu a porta com extremo cuidado, espiando para dentro. Os infectados haviam se espalhado. Um brilho psicótico surgiu em seus olhos enquanto pensava:
— Isso é perfeito… agora eu acabo com esses mequetrefes.
Agachado, começou a se mover pelo armazém como um predador à espreita. O primeiro infectado estava de costas para ele, os braços erguidos em direção à luz que atravessava o sistema de ventilação no teto. Bruno não pôde evitar a comparação.
— Parece o Goku virando SSJ4 no GT… lindo, mas eu ainda vou te matar, seu desgraçado.
Ele se aproximou mais, o olhar carregado de malícia. Erguer a marreta para trás foi quase um ritual. Com toda a força que possuía, desferiu um golpe direto na cabeça do infectado. O som foi grotesco: um estalo seguido pelo esmagar de ossos. A força do impacto abriu um buraco no crânio, e o corpo caiu como um saco de carne inerte. Mas o barulho foi suficiente para alertar os outros.
Bruno arregalou os olhos ao ver os infectados virando em sua direção.
— Ah, caralho… fiz merda.
Sem perder tempo, disparou pelo armazém, derrubando tudo o que podia no caminho. Estantes caíram, caixas espalharam conteúdo pelo chão. Os infectados tropeçavam, caindo sobre os destroços. Quando olhou para trás, percebeu que sua estratégia funcionara: apenas um infectado ainda o perseguia de perto.
Com um sorriso torto no rosto, Bruno parou e girou para encarar o perseguidor. Segurando a marreta com firmeza, ele correu na direção do infectado. No momento do impacto, agarrou o braço do infectado, puxando-o para o lado enquanto pisava na canela da criatura, desequilibrando-a. O infectado caiu de cara no chão, e Bruno aproveitou a posição para pressioná-lo contra o concreto com uma mão.
Com a outra, ergueu a marreta. Seus golpes foram brutais, cada um mais forte que o anterior, até o crânio do infectado se romper em uma pasta de sangue e massa encefálica. Mal teve tempo de respirar antes de ouvir um grunhido atrás de si. Outro infectado já estava no ar, saltando em sua direção.
Num reflexo quase animal, Bruno desferiu um coice poderoso na barriga da criatura, arremessando-a para trás. Ele mudou a marreta de mão, seus braços já latejando de cansaço. Quando o infectado se lançou contra ele novamente, recebeu um chute frontal no peito, sendo jogado contra as estantes caídas.
Ofegante e com os ombros em chamas, Bruno sabia que precisava acabar com aquilo. Levantou a marreta com ambas as mãos e, soltando um grito furioso, desceu o golpe diretamente na testa do infectado. O impacto explodiu o crânio, espalhando fragmentos de osso e sangue pelo chão.
Mas o alívio durou pouco. Do canto do olho, ele percebeu o quarto infectado vindo com tudo. Num movimento instintivo, girou o corpo, segurando a marreta com uma mão. O golpe foi desajeitado, mas eficaz: a lâmina da marreta atingiu a boca do monstro com força suficiente para quebrar dentes e a mandíbula, deixando um pedaço do osso exposto, próximo à orelha.
Bruno cambaleou para trás, seus braços tremendo com o esforço. O som dos grunhidos ecoava ao redor, e ele sabia que ainda não tinha terminado. Mas uma coisa era certa: estava decidido a sair vivo dali, nem que tivesse que transformar cada um daqueles infectados em uma pilha de carne mutilada.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.