Índice de Capítulo

    Os infectados pararam, hesitantes, intimidados pela visão aterradora. Era como se, por instantes, tivessem reconhecido algo mais perigoso do que eles próprios. Mas a hesitação durou pouco. A fome era maior do que o medo, e a horda inteira começou a correr em direção a Bruno, ignorando o grito que os havia abalado.

    Enquanto isso, as veias negras desapareciam e o brilho em seus olhos se apagava, como se Bruno estivesse voltando ao normal. Ele respirava pesadamente, sem entender o que acabara de acontecer.

    O perigo estava a segundos de distância. Bruno ainda tentava processar o que tinha acabado de acontecer. Ofegante, o coração martelando no peito, ele arregalou os olhos ao ver a horda avançando atrás dele como um enxame faminto. Sem pensar duas vezes, girou nos calcanhares e disparou, os pés quase falhando em acompanhar o impulso de sobrevivência. Na primeira esquina, virou bruscamente, apenas para dar de cara com mais infectados surgindo como sombras do inferno.

    João Paulo assistia à cena, o grito estridente e quase sobrenatural de Bruno ainda ecoando em seus ouvidos. O som era desesperador, mas também serviu como um chamado à ação. Ele sabia que aquele era o momento. A horda inteira parecia obcecada em perseguir Bruno, abrindo a chance perfeita para verificar o mercador e talvez encontrar algum sobrevivente. Com a respiração pesada e o coração acelerado, decidiu esperar que o lugar esvaziasse antes de avançar — uma escolha estratégica para manter o grupo longe do perigo imediato.

    Assim que o mercado ficou vazio dos infectados, João Paulo e os demais saíram do carro com cuidado, ainda presos à tensão do que tinham acabado de presenciar.

    — Nó, véi, ele é muito louco! Cê viu quantos desses merdas saíram correndo atrás dele, PH? — perguntou Guilherme, a voz baixa, mas carregada de incredulidade.

    — De rocha, Gui… Ele meteu o louco mesmo. — respondeu Pedro, ainda com o olhar fixo na direção onde Bruno desaparecera, os olhos denunciando o medo que insistia em ficar.

    Alicia permanecia em silêncio, mas não conseguia esconder o pavor estampado em seu rosto. A preocupação por Bruno agora era evidente. Ele estava lá fora, sozinho, correndo pela própria vida, e ela sabia que o risco de ele não voltar era real.

    — Vamos lá ver o mercado. Mas em silêncio, ok? — disse João Paulo, tentando soar confiante, mas sua voz trêmula o entregava. Ele deu os primeiros passos, as pernas bambas enquanto avançava devagar, os olhos varrendo cada canto ao redor, atento a qualquer movimento.

    ***

    Correndo desesperado pelas ruas, Bruno tentava manter uma vantagem mínima dos infectados que o perseguiam. O fôlego já dava sinais de esgotamento, e o suor escorria pelo rosto, misturado com a adrenalina que pulsava em suas veias. Ele virou uma esquina e parou bruscamente ao se deparar com um beco sem saída. O coração martelava como um tambor descompassado, e a realização do seu erro o atingiu como um soco. Se seu corpo cedesse ali, seria o fim.

    Enquanto continuava a correr, uma amarga constatação pesou em sua mente: ele tinha agido por instinto, sem pensar, sem um plano, e pior, sem nenhuma arma para se defender.
    — Ah, SANTA PUTA QUE PARIU, MAS QUE CARALHO EU FIZ! — gritou para si mesmo, o desespero transbordando enquanto seu corpo quase falhava ao acompanhar o ritmo frenético.

    Os minutos pareciam horas. Ele sentia cada passo pesar, o cansaço dos dois dias sem dormir cobrando seu preço. Os infectados não paravam, cada vez mais próximos, como uma onda implacável. Seus olhos percorriam freneticamente as casas e as ruas por onde passava. Ele precisava decidir: entrar em uma casa e arriscar ficar cercado por dentro ou continuar correndo até o último suspiro.

    O raciocínio veio em meio ao caos. Ele parou e começou a bater nas portas das casas por onde passava, gritando, chutando e até arremessando pedras, fazendo o máximo de barulho possível.
    — Se eu atrair os infectados que possam estar escondidos nessas casas, talvez tenha uma chance de despistar essa horda — pensou, lutando para manter o foco. — Assim, quando eu voltar, posso me esconder em uma dessas casas. Depois, com sorte, descubro se alguém sobreviveu ao ataque no mercado.

    Ele continuou sua estratégia. Abria portas, gritava e voltava a correr, mas sempre olhava para trás, atento aos infectados que saíam. Em cada casa, entre dois e quatro deles emergiam para se juntar à perseguição.

    — AH, MAS QUE DROGA, CARALHO! AGORA EU TENHO QUE DESPISTAR ESSES FILHOS DA PUTA O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL! — gritou com a voz rouca e o corpo exausto, enquanto sentia seu ritmo diminuir drasticamente.

    “É foda… Tô no meu limite… O que eu vou fazer?”, pensou, com a mente se debatendo entre o desespero e a necessidade de sobreviver.

    Sem prestar atenção, virou outra esquina e quase tropeçou no cenário à sua frente: um beco. Dos dois lados, casas com muros altos cobertos por cacos de vidro e arame farpado. À frente, um pasto tomado por montes de entulho, terra e mato alto. Ele sabia que não teria muitas escolhas ali.

    — Fodeu. Os muros são altos demais, e o pasto… talvez lá pra baixo tenha uma mata. — murmurou para si mesmo, tentando planejar sua próxima ação enquanto o som dos passos e grunhidos dos infectados se aproximava cada vez mais.

    Bruno olhou para trás, o coração disparado. Os infectados estavam a menos de dez metros, avançando como bestas famintas.

    — Foda-se, vou ter que bancar o Rambo na mata mesmo! — gritou, ofegante, enquanto se lançava na direção dos montes de entulho.

    Ele se enfiou entre as pilhas de destroços e se agachou no final delas, tentando recuperar o fôlego. Olhando para frente, viu a mata à distância, muito mais longe do que imaginava. A frustração o tomou.

    — Ah, tomei no cu. — murmurou para si mesmo, rangendo os dentes.

    Os infectados começaram a invadir o emaranhado de entulho. Bruno, sem outra escolha, pegou pedras, pedaços de concreto e tijolos, arremessando nas cabeças deles. Alguns infectados tombaram, outros começaram a se atacar no caos provocado pelas pancadas. Ele continuou o ataque, tentando causar ainda mais confusão entre eles, mas a estratégia também chamou a atenção de mais deles, que agora o encaravam como um alvo evidente.

    A situação apertava. Bruno sabia que não tinha muitas opções. Por sorte, o terreno dificultava a movimentação dos infectados, que tropeçavam e caíam constantemente. Observando melhor, ele percebeu que muitos deles pareciam ter dificuldade para enxergar nos montes desordenados. Era a chance que precisava. Antes que fosse completamente cercado, formulou um plano para despistá-los e voltar às casas de portas abertas, sua última esperança de abrigo.

    — Caralho, santa puta que pariu, eu sou um mequetrefe inteligente mesmo! — murmurou, um sorriso cansado se formando enquanto o fôlego começava a voltar. — Só preciso dar um perdido nesses desgraçados e pronto.

    Ele correu novamente, se escondendo entre os montes de entulho e se aproximando mais do mato. Encontrou um canto onde a vegetação estava alta e se jogou no meio dela, agachando-se para despistar os infectados. Ali, ficou imóvel, ouvindo os sons dos passos pesados e dos grunhidos que ecoavam ao redor. Quando achou uma brecha, começou a passar no meio deles, escorregando pelas sombras e se esgueirando como podia.

    Mas então, o inesperado aconteceu. Seu estômago, vazio desde a manhã do dia anterior, roncou alto, um som gutural que cortou o silêncio como um alarme. Alguns infectados viraram as cabeças imediatamente, fixando-se em sua direção.

    — Mas que merda! — gritou, desesperado, enquanto pegava pedras e as atirava para atrasá-los. Tentou ganhar distância, correndo de volta para a rua, os infectados logo atrás.

    “Por que isso só acontece comigo?” pensou, sentindo o corpo protestar a cada passo.

    Bruno usou o resto do fôlego que havia recuperado para aumentar a distância o máximo que podia. Correu por três quarteirões, o som dos grunhidos sempre perto demais para o seu gosto. Quando finalmente conseguiu tempo e espaço suficientes, se jogou para dentro de uma das casas que havia esvaziado.

    Bruno entrou apressado em uma casa de dois andares. Seus olhos varreram o ambiente enquanto o coração martelava forte no peito. O lugar parecia vazio, mas ele sabia que não podia arriscar. Antes de sequer pensar em descansar, correu de um cômodo para outro, trancando portas, fechando janelas e escurecendo tudo que pudesse expô-lo lá dentro. Cortinas improvisadas, móveis bloqueando entradas e um silêncio absoluto: ele queria desaparecer.

    Enquanto executava essas tarefas, o corpo protestava. O suor escorria, as mãos tremiam, e cada respiração era um esforço quase insuportável. Quando finalmente terminou, Bruno encostou as costas na parede, o som abafado de sua respiração enchendo o ar ao redor. Ele escorregou lentamente até o chão, deixando-se cair pesadamente, sem forças para continuar.

    Seu peito subia e descia descontroladamente, os músculos pareciam prestes a desistir. Bufou, deixando escapar um suspiro longo e rouco, como se todo o peso dos últimos minutos estivesse sendo exalado junto.

    — Nunca… cansei tanto… na minha vida. — murmurou para si mesmo, a voz quase inaudível, enquanto sentia o corpo pulsar no limite do colapso.

    Mesmo ali, no chão frio, ele sabia que não podia se dar ao luxo de relaxar completamente. A qualquer momento, algo poderia aparecer, e ele precisava estar pronto. Mas, por ora, seu corpo não o obedeceria.

    Sentindo a cabeça girar, Bruno começa a perder a noção de onde está. O calor no peito se transforma em um turbilhão de vozes que ecoam dentro dele, cada uma mais cruel que a outra.

    — Que diabos eu tô fazendo…? Você é um idiota. Acha mesmo que algum desgraçado faria algo por você?
    Ele tenta contestar, mas as palavras saem sufocadas, presas no nó de sua garganta.
    — Eles são meus amigos! — rebate, mas a voz interior não dá trégua.
    Amigos? Foda-se! O que eles fizeram até agora? Nada! Acha que alguém dá a mínima se você tá vivo ou morto?
    — Eles se preocupam, sim…
    — Então por que ninguém tá aqui com você, hein? Porque eu mandei eles…
    Errado! É porque eles são fracos. Inúteis. Egoístas.

    As palavras cortam fundo. Ele tenta ignorar, mas a intensidade cresce, como se a própria escuridão estivesse conspirando contra ele.

    — Você se sacrifica por eles… e pra quê? Nem como líder eles te enxergam. Pelo contrário, eles riem de você, seu idiota!

    A mente de Bruno é tomada por uma voz mais alta, mais feroz, que explode em gritos como trovões dentro de sua cabeça:
    — SEU FRACO! FRACOTE! FRACOTE! FRACOTE!

    As palavras reverberam, esmagando o pouco de sanidade que lhe resta. Desesperado, Bruno agarra a cabeça com as mãos, os dedos tremendo de raiva e confusão.

    — Cala a porra da boca! — grita para si mesmo, antes de atirar o corpo contra a parede com força.

    O impacto é brutal, e ele repete o movimento, de novo e de novo, até o sangue manchar a superfície áspera. Finalmente, ele desaba, desmaiando no chão frio e sujo.

    Do lado de fora, o som do corpo caindo atrai atenção. Três infectados ouvem o barulho e, como feras famintas, começam a bater na porta com força, os golpes ecoando no espaço apertado.

    ***

    Quando Bruno afastou os infectados do supermercado, o silêncio que se seguiu foi rapidamente despedaçado por um grito monstruoso e aterrador. O som parecia vir das profundezas do inferno, carregado de uma força sobrenatural que fazia o sangue gelar.

    — Mas… o que foi isso? Que monstro soltou esse grito horrível? — murmurou Gislaine, a voz tremendo enquanto se encolhia atrás de um palete abarrotado de pacotes de arroz. Ao seu lado, Samira, pálida e trêmula, sucumbiu ao horror e desmaiou, o corpo caindo mole ao chão.

    João Paulo e os outros entraram no mercado com cautela, os passos ecoando em meio ao vazio opressor. Alicia, ainda tentando processar o que tinham acabado de ouvir, começou a acreditar que talvez estivessem a salvo — afinal, não havia corpos à vista.

    — Não tem ninguém aqui, uai… — comentou Guilherme, nervoso, enquanto acendia um cigarro com mãos trêmulas, buscando um alívio momentâneo para o medo que o corroía.

    Pedro, inquieto, não se conteve:
    — TEM ALGUÉM AQUI?! — gritou, imaginando que os sobreviventes poderiam estar escondidos em algum lugar.

    João Paulo, sempre atento, caminhou devagar até a porta do armazém no fundo do mercado. A tranca enferrujada estava firme, mas ele sentiu algo do outro lado.

    — Tem alguém aí? — perguntou, batendo na madeira com firmeza, a voz carregada de esperança e urgência.

    Do lado de dentro, Arthur congelou ao ouvir a voz familiar. Ele saiu de onde estava escondido, o rosto suado e os olhos atentos ao pequeno grupo que se amontoava em silêncio.

    — É a voz do João… — sussurrou, lançando um olhar para os demais.
    Eles trocaram olhares desconfiados, mas Arthur, após alguns segundos de hesitação, decidiu:
    — Acho que tá tranquilo do outro lado. — murmurou, a mão tremendo enquanto se preparava para destrancar a porta.

    Arthur abriu a porta com cuidado, mas, assim que ela rangeu, deu de cara com João Paulo, já com a faca levantada, pronto para atacar o que achasse pela frente. Quando viu que era Arthur, relaxou os ombros, mas não abaixou completamente a lâmina.
    — Tá todo mundo bem? Alguém morreu nesse ataque? — ele perguntou, direto, sem rodeios.

    Aos poucos, os outros saíram dos esconderijos improvisados. Embora ainda ofegantes, pareciam aliviados ao reconhecer o grupo retornando. Gislaine, no entanto, segurava Samira, que permanecia desacordada.
    — Alguém pode me ajudar aqui? A coitada apagou quando você arrebentou a porta, João. — O tom dela era irritado, mas não disfarçava a preocupação enquanto tentava erguer a amiga.

    Arthur correu para ajudar. João Paulo entrou no armazém atrás dele, seguido por Alicia e Pedro, que olhavam ao redor com cuidado, ainda sobressaltados. Guilherme, mais atrás, avisou que precisava ir ao banheiro e deixou a porta aberta.

    Camille, encostada em uma pilha de paletes no canto, sentiu um aperto no peito que mal conseguia explicar. A imagem de Bruno lhe veio à mente. Será que ele já tinha se transformado? Como o homem do vídeo que assistira mais cedo? Ou pior… como convenceriam João Paulo a expulsar seu melhor amigo, caso chegasse a esse ponto?

    Ela tentou afastar os pensamentos, mas algo na ausência de Bruno fez seu coração disparar.
    — Cadê o Mohammad? — A pergunta saiu quase num sussurro, mas o tremor em sua voz não passou despercebido.

    Edvaldo, suado e com as mãos trêmulas, soltou uma risada nervosa.
    — Foda-se o Mohammad. Eu só quero saber que porra era aquele monstro que gritou lá fora. Quase me caguei aqui, só não fiz isso porque a merda ainda não estava pronta!

    João Paulo desviou o olhar, pensativo.
    — Acho que vocês, que tavam atrás do carro, não viram… Mas aquilo foi o Bruno.

    O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Camille sentiu o estômago revirar.
    — Então é isso mesmo… Tá acontecendo com ele também — murmurou Reidner, com os olhos fixos em João, esperando alguma reação.

    João Paulo assentiu lentamente.
    — Pelo visto, sim.

    Pedro parecia perdido.
    — Do que vocês tão falando? Que “isso”?

    Alicia cruzou os braços, desconfiada.
    — Aconteceu alguma coisa enquanto a gente tava entrando?

    Camille suspirou, cansada.
    — É mais fácil mostrar do que explicar.

    Ela tirou o celular do bolso e se aproximou, a tela tremendo levemente em sua mão.

    João assistiu ao vídeo com uma expressão pesada, mas surpreendeu a todos ao permanecer calmo. Depois de alguns segundos em silêncio, ele comentou:
    — Isso… faz sentido com o que eu já vinha notando. — A voz era firme, mas havia um peso evidente. — Por mais que eu quisesse negar, não posso.

    Ele respirou fundo, desviando o olhar do celular.
    — Vamos fazer o seguinte: quando a Samira acordar, conversamos mais sobre isso. Afinal, é do irmão dela que estamos falando… Ok? — disse, antes de se virar e sair em direção ao carro, sem esperar resposta.

    Edvaldo, ainda com os nervos à flor da pele, foi atrás dele.
    — E as coisas que vocês foram buscar? Cadê?

    João continuou caminhando sem se virar.
    — Tô indo pegar agora. Quer vir comigo?

    — Claro, né. — Edvaldo respondeu, apressando o passo para acompanhá-lo.

    O caminho até o carro foi tomado por um silêncio estranho, quebrado apenas pelos passos abafados sobre o asfalto. Finalmente, Edvaldo tentou puxar assunto:
    — Vocês deram conta dos infectados que tavam aqui?

    João coçou o cotovelo e soltou um suspiro.
    — Como cê pode ver… Isso foi obra do Bruno. Deve tá correndo até agora pra se proteger.

    Quando chegaram ao carro, Edvaldo entrou primeiro e ligou a ignição.
    — Tu sabe dirigir? — perguntou João, hesitando em entrar no veículo.

    Edvaldo riu, convencido.
    — O que cê acha? Entra logo, pô.

    João suspirou, entrou no carro, e Edvaldo o levou até a frente do portão quebrado do mercado. Assim que pararam, Reidner apareceu.
    — Vamos dividir isso aqui que vocês trouxeram, beleza? — disse ele, aproximando-se do carro com as mãos na cintura.

    João não respondeu. Apenas pegou o que era seu e se afastou do grupo em silêncio. No caminho, puxou o celular do bolso e verificou a hora: 17h15.

    O pensamento veio como um soco no estômago: Se o Bruno sobreviveu à horda, ele não deve aparecer mais hoje, ainda mais se escurecer. E, se não aparecer amanhã cedo… Ele já deve tá morto.

    Três horas já haviam se passado desde que Bruno sumira junto com os infectados. E, naquele momento, João percebeu que cada minuto aumentava as chances de que seu amigo nunca mais voltasse.

    ***

    Na casa onde Bruno estava escondido, desmaiado após ter colidido com a parede, o silêncio era quebrado apenas pelo som constante dos infectados batendo na porta. As pancadas finalmente a derrubaram com um estrondo que ecoou pela casa, mas Bruno permaneceu imóvel no chão, inconsciente, vulnerável.

    A luz da cozinha, ainda acesa, lançava um brilho fraco pelos cantos do cômodo, enquanto as cortinas pesadas bloqueavam quase toda a luminosidade para o lado de fora. Lá fora, a escuridão era quebrada apenas por postes apagados e sombras dos infectados que permaneciam parados na rua, imóveis como manequins. O relógio redondo da parede da cozinha marcava 19h20.

    Três infectados entraram na casa, atraídos pelo som e pela luz. Moviam-se como insetos em busca de claridade, passando por cômodos vazios até chegarem à cozinha. Ali, no chão, encontraram Bruno. Seu corpo estava coberto de suor, a cabeça ainda sangrava levemente de um corte seco, agora cercado por moscas.

    O primeiro infectado ajoelhou-se ao lado de Bruno. Sua boca escorria uma gosma preta, e os olhos, completamente negros, tinham uma película semelhante a musgo que cobria a retina. Ele segurou o braço direito de Bruno e cravou os dentes, rasgando a pele perto da mão. O sangue de Bruno pingava no chão, misturando-se com a substância viscosa que escorria da boca do infectado.

    De repente, os olhos de Bruno se abriram. Vermelhos como brasas, irradiavam uma luz própria. Ele não demonstrou dor nem surpresa. Com um movimento rápido, puxou o braço da boca do infectado. Suas unhas da mão esquerda se alongaram em garras negras e afiadas, e, sem hesitar, ele rasgou o rosto do inimigo, arrancando sangue e pedaços de carne. Enquanto o infectado tentava reagir, Bruno perfurou seu peito com a mão direita, atravessando o coração e imobilizando-o em definitivo.

    Os outros dois infectados avançaram, mas antes que pudessem tocá-lo, Bruno os encarou. Seus olhos brilhavam com uma intensidade monstruosa, e ele soltou um rugido tão profundo e gutural que fez os corpos dos inimigos congelarem. Eles ficaram parados, imóveis, como se alguma força além da compreensão os tivesse dominado.

    Bruno pegou um dos infectados pela cabeça, segurando-o com força. Com a outra mão, puxou o pescoço do inimigo, esticando-o para mordê-lo de volta. Cravou os dentes e começou a beber do sangue contaminado, ignorando o gosto pútrido. Enquanto o líquido escuro escorria por seus lábios, a ferida em seu braço começou a se fechar, as veias negras pulsando em sua pele. Ele soltou o corpo vazio no chão, levantando-se com calma, e quebrou os pescoços dos dois infectados restantes sem qualquer esforço.

    Agora sozinho, Bruno olhou para as mãos. As garras negras substituíam as unhas, e veias escuras serpenteavam por seus braços, como se algo maligno estivesse se espalhando dentro dele. Ele caminhou até o banheiro, acendeu a luz e encarou seu reflexo no espelho.

    — Estou ficando mais forte… Cada vez que eu acordo. — Um sorriso mórbido se formou em seu rosto enquanto ele passava a mão pelo cabelo sujo, ajeitando-o para trás. — Logo seremos iguais. Mas, por enquanto… — Ele fez uma pausa, observando as veias pulsantes em seu pescoço e braços. — Tá na hora de eu te dar um pouco mais de ação… seu idiota.

    Bruno lavou o rosto, mas não tirou o sangue que escorria de suas mãos. Saiu do banheiro com a postura de um predador, pronto para o próximo confronto.

    Ele saiu do banheiro com aparente tranquilidade, os passos esmagando os corpos dos infectados que abatera minutos antes. O cheiro metálico do sangue impregnava o ar vindo de sua boca, mas ele parecia alheio a tudo, ignorando as manchas escorrendo em sua roupa e pele. Contudo, algo se agitava em seu corpo – uma inquietação profunda, invisível, crescendo lentamente.

    Ao cruzar a cozinha, sentiu uma vertigem súbita. Seu corpo parecia pesar o dobro, e um calor febril se espalhava por suas veias. Ele tropeçou, caindo ao lado de um dos infectados que jazia sem vida. Os olhos se fecharam enquanto sua respiração falhava.

    No silêncio que se seguiu, o corpo do infectado que o mordeu estremeceu. Um espasmo, outro, e então os olhos dele se abriram. Não eram mais os mesmos – as íris agora brilhavam em um vermelho intenso, como poças de sangue, enquanto o branco dos olhos havia escurecido até se tornar preto, criando um contraste grotesco e hipnotizante, como os olhos demoníacos de alguma criatura de pesadelo.

    O infectado afastou o cadáver que o cobria e ergueu-se com dificuldade. Seus movimentos eram desajeitados, como se lutasse para controlar um corpo que não lhe pertencia. A cabeça tombava para o lado, os ossos estalavam enquanto ele tentava firmar os passos. Seus lábios tremiam, e um sussurro escapou, quase inaudível:

    — Sangue…

    Ele caminhou para fora da casa, apoiando-se nas paredes, arrastando os pés como se andar fosse um esforço monumental. Do lado de fora uma horda de infectados estava imóvel, os corpos balançando levemente enquanto observavam o chão, saliva negra pingando de suas bocas abertas.

    — Sangue… Eu preciso de sangue… — A voz dele agora era mais rouca, entrecortada por uma necessidade primordial. Ele cambaleou até o infectado mais próximo e, com um grito selvagem, atacou-o pelas costas. — EU QUERO COMER!

    Os dentes rasgaram carne e veias, enquanto ele sugava com avidez. A transformação foi brutal e acelerada. Seus músculos começaram a se expandir, as veias escuras serpenteando por sua pele pálida. O cabelo escureceu momentaneamente antes de se tornar branco como neve. Seu rosto assumiu uma forma bestial, marcada por veias inchadas e um olhar insano.

    De seus antebraços, ossos longos e pontiagudos romperam a pele, um deles oco no centro, negro como breu. Ele ergueu o infectado esvaziado de vida e o lançou longe. Suas mãos cresceram, as unhas se estendendo em garras mortais. O monstro que ele havia se tornado olhou ao redor, ofegante, seus olhos fixando-se em outro infectado.

    Cortando a palma da própria mão com uma de suas garras, ele deixou o sangue escorrer. Quando agarrou o próximo infectado, o monstro hesitou por um instante antes de enfiar a mão ensanguentada na boca da criatura. Assim que o infectado engoliu o sangue, os olhos dele também começaram a mudar – o mesmo vermelho e preto se espalhando como uma maldição viva a qual ele foi transmitindo com seu sangue um a após o outro.

    Metade a horda foi infectada, sofrendo diferentes tipos de mutações simultâneas, uma mais grotesca do que a outra.

    — Siga-me… — ordenou, a voz reverberando como um trovão. A horda obedeceu, os corpos oscilando em uníssono enquanto ele liderava o grupo para o horizonte, em busca de algo maior. Algo mais sangrento.

    ***

    Bruno abriu os olhos lentamente, o teto borrado ganhando foco enquanto sua mente ainda parecia enevoada. Um peso estranho rondava seu corpo, como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo que ele não conseguia lembrar. Quando tentou se sentar, sentiu o cabelo molhado grudado na nuca. Ele passou a mão e notou um pouco de sangue seco entre os dedos.

    — Mas que merda é essa… — murmurou, sentindo um latejar no galo na parte de trás da cabeça.

    Levantou-se com dificuldade, as pernas bambas, e seus olhos caíram sobre os dois corpos no chão. Dois infectados grotescamente diferentes dos normais. Um deles tinha a mandíbula deslocada, dentes serrilhados projetando-se como espinhos. O outro estava contorcido de um jeito antinatural, como se seus ossos tivessem dobrado no ângulo errado.

    Bruno não se lembrava de nada. Nem de tê-los matado, nem do que aconteceu antes de apagar.

    — Eu apaguei? Por quanto tempo? — Ele pressionou o galo novamente, tentando forçar a memória, mas tudo era um borrão.

    Caminhou até a pia e viu um celular quase descarregado abandonado ali. A tela acendeu com dificuldade, revelando a hora: 02:20 da manhã.

    — Que merda… eu tenho que sair daqui. O pessoal deve estar me procurando. — Pensou alto enquanto seus olhos varriam a cozinha.

    O ronco da barriga veio logo depois, um som tão forte que o fez se dobrar levemente. Ele sentiu uma fome absurda, um vazio que parecia doer, mas era estranho. Não era como se estivesse faminto por qualquer coisa; havia uma ânsia específica que ele tentou ignorar.

    “Arroz, feijão e um bife. Só isso.” Pensou, tentando se apegar a algo normal.

    Antes de ir até a geladeira, decidiu vistoriar a casa. Pegou uma faca cega que encontrou na bancada e começou pelo andar de baixo. O silêncio da casa o incomodava, mas foi ao subir as escadas que sentiu o estômago revirar. A porta que ligava o andar superior estava escancarada, com a maçaneta destruída e marcas profundas de arranhões na madeira.

    — Que diabos passou por aqui? — sussurrou, trancando rapidamente a porta que dava para a sala.

    Depois de garantir que estava sozinho, voltou para a cozinha. Sentia-se cada vez mais faminto, a faca ainda em mãos, enquanto vasculhava a geladeira em busca de algo para comer.

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