— O que… Como ele? — O humano se levantou, puxando sua própria espada, mas encarando o monstro puxar a lâmina do chão como se aquilo fosse dele, com tanta familiaridade, que se perguntou se era possível.

    — Ei, larga isso agora. — Sua voz estava embargada de incredulidade e medo.

    Veron puxou a lâmina. Era uma velha companheira, dada pelas mãos do Ferreiro Abinal, forjada nos Cânios Flamejantes, temperada nos Vales Sombrios de Suapa e finalizada no gelo eterno do Pico Nevado do Monte Rescler – um lugar inalcançável para qualquer humano comum.

    Ele a fez como um presente para Strifer, o homem que, ajoelhado diante da Casa Homun, jurou lealdade eterna. Mas agora, o destino dera um giro cruel, e aquela espada voltava para as mãos de Veron.

    — Ser um esqueleto me trouxe um velho amigo de volta. — Ele apertou o cabo da espada, sentindo a textura fria do metal entre os dedos ossudos. — Se você está aqui, Kitnes, então Strifer se foi.

    O humano avançou contra ele, correndo como um lunático, espada em mãos, urrando como um animal ferido. Os esqueletos ao redor tentaram detê-lo, mas foram despedaçados sem piedade. Ossos estalavam, crânios eram rachados, e cada golpe arrancava um grito diferente da legião do Lich, que, imóvel, apenas observava.

    — Essa é a vida e a morte. — Veron ergueu a espada e correu na direção do humano.

    As lâminas colidiram, faíscas saltaram no ar. O humano era mais forte, mais veloz, tentando cortar Veron em qualquer abertura, buscando sua cabeça, seus braços, qualquer coisa que pudesse fazê-lo cair. Veron, porém, defletia os golpes com uma precisão impassível. Cada golpe era apenas um golpe, cada passo apenas um passo.

    Sem carne para pesar, sem cansaço para atrapalhar, ele era puro foco e concentração. Seu juramento veio à tona:

    — Eu me vingarei de cada bastardo que sorriu pra mim naquele dia.

    De repente, o humano conseguiu se aproximar o suficiente para agarrar o pescoço de Veron com a mão nua. Mas, antes que o aperto se firmasse, Veron girou o corpo, usando suas próprias costas como trampolim e lançando o homem por cima dele, derrubando-o de costas no chão.

    Antes que pudesse se erguer, a lâmina de Veron desceu impiedosamente sobre sua cabeça. O sangue escorreu pela testa, pingando nos ouvidos, encharcando o solo. Os olhos do humano se tornaram vazios, capturando os últimos instantes de sua vida enquanto a morte o levava.

    Alguns esqueletos ao redor pararam para observar a cena, mas logo continuaram sua marcha.

    — É só outro humano morto — murmurou um deles.

    Veron concordou.

    — É só outro que preciso matar para chegar neles!

    Ele girou, observando o campo branco sendo dilacerado pelos humanos. A neve, tingida de vermelho, contrastava com o brilho frio das lâminas e os estilhaços de ossos espalhados pelo chão. Se fosse para derrotar aquele centro, se fosse para destruí-lo, que fosse do seu jeito.

    Ao leste, as trincheiras estavam repletas de soldados, uma fortaleza viva de aço e carne, mas esse não era o verdadeiro coração da resistência. Não era o foco. Se tentasse atravessar o campo de batalha até lá, levaria horas, talvez até fosse abatido antes. Precisava encontrar uma aproximação, um ponto fraco.

    No fundo da formação inimiga, os Magos e Feiticeiros moviam as mãos em rituais de cura, os Sacerdotes murmuravam preces sobre os feridos, tentando salvá-los do inevitável. Uma peça-chave precisava cair para que aquela linha se rompesse.

    Um Comandante teria que morrer.

    Veron correu junto da horda de esqueletos que avançavam sem hesitação, lançando-se ao campo de batalha. Baixou os braços, ocultando a presença de sua arma, tornando-se apenas mais um entre os mortos-vivos. Um esqueleto, um monstro, uma criatura forjada para ser comandada.

    Mas Veron Homun nunca foi esse tipo de homem. E não seria esse tipo de esqueleto.

    Com um berro, deixou sua determinação explodir. A lâmina oculta brilhou em um arco cortante quando se lançou contra os humanos. Um dos esqueletos à sua frente teve o torso perfurado, e o guerreiro do outro lado trocou olhares tensos com Veron. Era o momento. Usando Kitness, sua lâmina ancestral, ele perfurou o próprio aliado de ossos, atravessando-o até encontrar a garganta do humano.

    O homem sequer teve tempo de compreender o golpe. Sua vida foi ceifada antes que pudesse reagir. A lâmina foi puxada, e no instante seguinte já estava cravada em outro alvo. Veron abriu caminho, derrubando dois guerreiros em sequência, rompendo uma pequena fenda na muralha humana. Os soldados recuaram, amargurados, sentindo o avanço inevitável.

    Mesmo os esqueletos que caíam voltavam a se mexer, se reerguiam, recompondo-se como uma muralha viva. Uma muralha branca, eterna, que sempre se restaurava.

    Veron se esgueirou para trás de outro aliado, esperando o momento certo. Um terceiro guerreiro surgiu, e ele não hesitou. Esticou a espada e a cravou no ombro do homem, que soltou um grito de dor.

    — Afastem ele! — rugiu uma voz no meio do caos. — Parem de tentar romper as linhas! Nossa missão é segurar esses malditos!

    Os outros esqueletos não reagiram. Não alteraram sua formação, não desviaram seus olhares vazios. Apenas avançavam, indiferentes às estratégias humanas. Arrastavam um ou outro soldado, mas não havia tática, apenas a inevitabilidade do número.

    Espadas e lanças dos caídos eram recuperadas. Veron ergueu a cabeça, buscando uma figura específica no meio da carnificina.

    — Amin! — gritou, sua voz engolida pela confusão. — Amin!

    — Estou aqui! — veio a resposta, distante.

    No meio de um amontoado de espadas e corpos, Amin lutava contra dois humanos, seus movimentos precisos, mas sobrecarregados. Ele se mantinha firme, resistindo. Mas então, uma marretada veio do nada, atingindo-o em cheio no peito. Amin foi lançado para trás, caiu sentado, e levantou-se com raiva. Outro esqueleto já havia tomado sua posição, mas ele queria recuperar seu espaço.

    — Use as armas no chão! — gritou Veron. — Pegue qualquer coisa e fure esses desgraçados!

    Amin olhou ao redor, seus olhos sem vida encontrando uma adaga caída entre os corpos. Ele a pegou, segurando-a por um instante, quase como se hesitasse. Sua voz, embora sem expressão, transparecia choque:

    — Posso usar isso contra eles?

    — Deve. — Veron não vacilou.

    A batalha não dava tempo para dúvidas.

    Rodopiando, Veron desceu sua espada contra outro guerreiro próximo, abrindo um rombo profundo no ombro do inimigo, forçando-o a recuar. Mas seu ataque também atraiu atenção. Alguns soldados perceberam sua intenção. Seus olhos cravaram-se nele. Agora, ele não era apenas mais um esqueleto na horda.

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