Capítulo 43: Entregarei no fim...
O ambiente era estranho. O ar não se fazia tão presente, era como se ele fosse tomado por sussurros, sem sequer poder abraçar alguém.
Era quente, mas não era calor. Sabe quando você sente que incontáveis formigas estão escalando seu corpo como uma montanha interminável? É exatamente isso.
Além de todo esse incômodo ambiental, ainda tinha um desconhecido com o rosto oculto pelas sombras à sua frente, aparentemente olhando-o fixamente.
Ônix olhava para a escuridão de volta com um olhar neutro, tentando conscientemente entender o que era aquele ser à sua frente, se era hostil ou não.
“É estranho aqui…”
Era complicado de entender. Um quebra cabeça em formato de pessoa? Um enigma feito por divindades? Era como olhar para um manequim e tentar adivinhar o que ele estava pensando.
“Mas, não é ruim.”
Não existia hostilidade. Não havia pista alguma no cenário que poderia contribuir para essa conclusão e, mesmo assim, ele não sentia nenhuma intenção ruim.
E foi nessa conclusão inocente que ele deu seus primeiros passos em rumo ao desconhecido. Sua ingenuidade era grande o suficiente para o impedir de olhar para trás.
Foi então que um barulho notável floresceu sua presença. Era parecido com uma explosão, mas muito semelhante ao bater violento de uma porta.
Tal barulho vinha de suas costas, em um tom ainda mais grave do que uma música em caixa de som, dando-lhe uma pista óbvia do que tinha acabado de acontecer.
Ao olhar para trás, não tinha mais porta alguma, nem sequer uma única farpa de madeira, era como se ela nunca tivesse existido e tudo fosse uma ilusão.
“Eita…”
Voltando a atenção para frente, tudo permanecia a mesma coisa, do balcão ao atendente, exceto por um único detalhe: uma cadeira, que não existia antes, se fez presente para que Ônix pudesse sentar.
De onde veio? É algo que acontece naturalmente ou foi obra daquele que oculta seu rosto? Bem, de qualquer forma, uma gentileza continua sendo gentileza.
O silêncio pairou no ar como um véu. Ônix ficou imóvel, com os olhos focados no nada, como se tentasse chegar em uma conclusão única.
Seus passos ecoaram, aproximando-se da cadeira com a mesma lentidão de sempre, como se nada do que acabara de ver existisse ou fosse importante.
Relaxado, despreocupado, sem ver perigo algum em nenhum dos eventos. Inocência? Ou ingenuidade? A resposta certa é a fusão desses dois defeitos.
O aparente humano encapuzado permaneceu com as mãos no bolso, sem um único sinal de uma ação diferente, continuando a observar sem ação alguma.
Depois de tanto caminhar, finalmente pôde encontrar a cadeira que surgiu do vento. Ficou ao seu lado por alguns segundos, observando-a.
Pouco depois, pôs a palma esquerda com cuidado sobre ela, como se tentasse sentir sua textura, ou até mesmo a temperatura, se ela de fato tiver uma.
Nem frio, nem quente, era morno, como se alguém tivesse a aquecido por algumas horas. Inesperadamente, ela começou a se alterar com seu toque.
Sua cor, outrora prata, começou a escurecer gradativamente até que as sombras a consumissem. Como aconteceu anteriormente, pontinhos brancos também marcaram sua existência.
Ônix arregalou sutilmente os olhos enquanto os lábios ficaram entreabertos. Essas interações que os objetos tinham com seu poder amaldiçoado estavam ficando cada vez mais comuns.
Nessa sua surpresa, mais um momento de puro silêncio se formou, mas, dessa vez, foi um período consideravelmente mais curto do que o anterior.
Sentou-se poucos segundos depois, aguardando com que algo acontecesse. Uma sensação tão única quanto entrar naquele portal gigante apareceu assim que se aconchegou na cadeira.
Era como ser segurado por uma parte de si mesmo. A mesma sensação que alguém sente quando consegue flutuar. Aquela cadeira parecia existir e não existir ao mesmo tempo.
Esse conforto o deixou surpreso o suficiente para quase se perder em desvaneios. Antes que o aconchego o dominasse, algo apareceu diante de ti:
Uma forma retangular característica. A cor ciana como todos conhecem e, no topo de sua interface, uma marca registrada: S1 Minimizado.
As pálpebras de Ônix estremeceram. De um estalo para o outro, a fonte de seus maiores traumas aparecia diante de ti, podendo significar inúmeras coisas.
A aparição de sua forma minimizada também permitia ver o ambiente em questão? Ou já estava o vigiando antes mesmo de Ônix sequer entrar no portal?
Qual mal ele pretende fazer agora? Sacrificar outras inúmeras vidas inocentes em prol de um objetivo desconhecido e aparentemente sem lógica?
No meio desse turbilhão de pensamentos, Ônix deu atenção aos seus pulmões. Em uma respiração lenta, juntamente a um olhar consciente, pôde resgatar a calma quase perdida.
Dessa vez, era maior do que todos os anteriores que apareciam. Seu propósito não era entregar mensagem alguma, mas sim, permitir com que os jogadores visualizassem algo.
Ao observar com atenção, pôde perceber que, abaixo de seu nome, havia filtros para escolher, sendo eles: Tipo, Origem, Valor Nutricional, Alergênicos Comuns, Itens Domésticos, entre outros.
O mais importante de tudo, destacado no canto superior esquerdo daquela interface, exibia os pontos que o jogador tinha disponível para realizar as compras. No caso de Ônix, seus pontos eram exatos 369.
O mais impressionante de tudo não era a quantidade em abundância que ele tinha, mas sim o valor extremamente baixo de qualquer item possível que ele desejasse comprar.
Abaixo do valor de cada um, havia destacado em um tom vermelho claro o número noventa e nove em um sinal negativo, indicando o óbvio: era um desconto.
Isso era para todos ou só ele em específico? Se for a segunda alternativa, por que só ele em específico está tendo esse desconto do mundo?
Bem, querendo ou não, a melhor alternativa para descobrir a resposta era perguntar para a única pessoa que estava com ele naquele ambiente estranho.
Ao olhar para o humano de capuz, diferente de antes, ele observava fixamente o chão, como se não quisesse ver o rosto do garoto que encontrava-se em sua frente.
— Ei, moço…
Sua voz ecoou pela primeira vez naquele lugar. Aquele ser, que até agora não havia feito ação alguma, olhou para Ônix com urgência assim que ouviu sua voz.
— Sabe me dizer o que é esse “-99%”, por favor?
Mesmo que tenha pedido com educação, o silêncio predominou novamente enquanto ambos se encaravam. Aparentemente, nenhuma resposta foi dada.
“Acho que ele não é do tipo de conversar…”
Ao retornar a atenção para a interface, viu que as coisas não eram como pensava. Uma mensagem em miniatura acabara de aparecer, dizendo:
—『 ??? 』: É um benefício que o Criador deu somente a você. Devido às inúmeras dores que você sofreu e sofrerá, ele quis te beneficiar, nem que fosse só um pouco.
Ônix leu do começo ao fim com atenção. Ocultou a surpresa com a mensagem para si mesmo, pensando que, mesmo que fosse algo quase que inútil, ainda era um bom motivo para agradecer.
“Isso pode ser útil no futuro…”
Hora de dar continuidade. A mensagem desapareceu sem que ele percebesse e, agora, chegou o momento em que ele deveria escolher o que deveria comprar.
Só tinha um problema: era informação demais. Ele não sabia para onde ir, pelo o que pedir, e nem onde ficava os itens que ele desejava comprar.
Mesmo que tentasse mexer, mais informações apareciam sem que ele desejasse. No final das contas, sobrou apenas a última alternativa para esse caso.
Voltou seu olhar novamente para aquele moço, que novamente estava desviando seu olhar. Essa atitude não era incômodo para Ônix, mas sim, fofo.
Diante do que achou agradável, deu seus pequenos risos genuínos. Logo depois, recuperou sua estabilidade vocal e fez uma pequena e inocente pergunta:
— Moço, pode me ajudar com as compras?
Retomou a atenção para Ônix com a mesma pressa de antes. Ao terminar de ouvi-lo, acenou levemente com a cabeça, pronto para ajudá-lo.
As instruções eram simples: Só preciso de algo saudável como arroz e feijão, e também de doces, chocolates, salgados e outros para agradar somente o paladar e, se sobrar espaço, até mesmo itens domésticos e cinco barracas para acampar.
Aquela entidade, após ouvir todos os requisitos, levantou pela primeira vez sua mão, apontando-a para interface, como se o instruísse a observá-la.
Lá estava uma mensagem de confirmação de compras com uma lista que parecia infinita, mas tinha tudo o que lhe foi pedido, sem faltar em nenhuma categoria.
Ao realizar as compras, todos estes foram para o seu inventário, custando-lhe cento e oito de seus pontos, um preço baixo por tudo o que foi comprado.
Após realizar as compras, uma mensagem seguinte apareceu: todos os itens comprados vieram com um efeito especial que impedem com que eles vençam ou apodreçam com o tempo.
Depois de todas as compras serem feitas e a mensagem ter sido lida, ela desapareceu juntamente à interface, despedindo-se do comprador e do vendedor em partículas desaparecendo no vento.
Em seguida, um barulho do ranger de uma porta ecoou atrás de ti, distante dali. Independente do quão longe estivesse, ainda era claro o suficiente para ser ouvido com perfeição.
Aparentemente, tudo tinha terminado, bastava atravessar a porta que havia surgido e poderia voltar para onde estava anteriormente, mas ainda não era o suficiente.
Ônix tocou seu peito, sentindo os três corações darem mini-saltos a cada vez que seu coração batia, sempre o lembrando de sua presença valiosa.
Ele o agarrou e retirou de sua camisa, mostrando-o gentilmente para o moço que o tratou com uma gentileza notável ao ajudá-lo nas compras e nas informações.
As pálpebras estremeceram e os olhos quase apertavam em tristeza. Do fundo de seu coração, havia um desejo que ele queria realizar antes que encontrasse o fim da sua jornada.
— Ei…
Após chamá-lo, olhou para o vendedor com um olhar abalado. Recordando-se um pouco de seu passado, concluiu a frase que lhe causou uma pequena dor no peito:
— Posso te pedir uma coisa?
Próximo capítulo: O meu presente pra você.
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