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    Nada mais foi dito após essa frase por alguns segundos. Era como se o silêncio se estabelecesse como o único dono legítimo que aquele lugar tinha a oferecer.

    Ônix olhava a escuridão que habitava naquele capuz com um olhar de quem já havia perdido tudo. Nada no mundo parecia importar perante aquele olhar que se mostrou morto.

    A criatura encapuzada fixou-se neles. Mesmo que seu pensamento não fosse exposto, era claro como o dia o que ele estava pensando perante essa situação.

    Não havia como negar um pedido puro vindo de um garoto que está crescendo com as impurezas desse mundo, tendo um aparente único pedido.

    Após a confirmação, Ônix soltou um suspiro sutil, mas trêmulo, como se temesse que seu desejo não pudesse ser realizado por ninguém nesse universo.

    — Esse pingente de três corações…

    Suas mãos trêmulas aproximaram-se gentilmente do rosto daquele ser. Seu estado estremecido fazia parecer que ele estava chorando, mesmo que lágrima alguma caísse.

    — Pode fazer um parecido para minha mãe adotiva?

    O encapuzado fitou aquele pingente por segundos. O silêncio durou tanto tempo que Ônix estava começando a achar que não era possível.

    Antes mesmo de ouvir a resposta, já havia se entregado para a desesperança. Felizmente, para a sua surpresa, pôde ouvir pela primeira vez a voz que nunca se mostrou antes:

    — Eu…

    Era rouca, como algo que acabara de nascer. Mas, ao mesmo tempo, era tão fácil e agradável de ouvir quanto escutar uma pedra repousando sobre um oceano estático.

    — Eu terei que ver todas as suas memórias para isso, criança… Você me permite…?

    Um pequeno salto aconteceu no universo de seu olhar, entregando a surpresa que se refugiava nas sombras da pupila que ele não tinha e nunca teve.

    Não houve necessidade de dizer sequer uma palavra; apenas fechou os olhos e baixou a cabeça, esperando que, dessa vez, não fosse um sonho.

    O encapuzado repousou gentilmente seus dedos sobre o pingente valioso à sua frente, apoiando sua palma nas mãos de Ônix, como se as segurasse.

    — Darei início…

    Ambos se aconchegaram no silêncio que restou na ausência do verbo. De pouco a pouco, de forma sutil e inofensiva, um pequeno calor se acumulava no pingente.

    A temperatura inteira daquele ambiente alterou-se. Não dava para explicar; era tão aconchegante quanto voar, mas semelhante a dormir no inverno com mais de um cobertor.

    Enquanto um conforto inexplicável tomava conta daquele lugar, uma luz, que seguia as cores dos três corações, brilhava intensamente.

    Assim que esse brilho floresceu, as memórias de Ônix foram desenterradas uma a uma, permitindo-o ver o que nem ele se lembrava em sua vida passada.

    Não estavam inclusos os eventos traumáticos, como a morte de seu pai, apenas os momentos bons, como na vez em que a primeira foto foi tirada quando ele era um bebê.

    Sua mente estava lotada com os ótimos momentos do passado. Por mais que desejasse o ter de volta, entendia que o tempo que se foi era algo para se admirar.

    Durante todos os minutos em que seu desejo era realizado, não abriu os olhos uma vez sequer, até que o sinal da conclusão fosse-lhe dado:

    — Está pronto.

    Era como se seu coração estivesse submerso no mais profundo mar que há. Bastava abrir os olhos e ver se era realmente verdade, mas essa ação nunca foi tão difícil quanto agora.

    Três temperaturas tocaram seu peito gentilmente, e todas eram aconchegantes. Felizmente, isso serviu de impulso para que o garoto abrisse as pálpebras que escondiam um universo.

    A corda do antigo pingente já rodeava seu pescoço, mas ainda havia algo que marcava presença na sua palma, como se tentasse chamar sua atenção.

    Só precisava fazer uma coisa: mexer o pescoço para que pudesse ver, mas não conseguia. Era como se algo invisível o congelasse para toda a eternidade.

    Negação? Ou simplesmente não estava pronto para o presente que ele mesmo queria? No fim das contas, nada pode ser feito diante de um dos sonhos realizados.

    Seu braço inteiro tremia, como se segurasse uma dinamite prestes a explodir. Como último esforço, apostou tudo no que poderia ser mais amigável para si agora: a respiração.

    Dedicou alguns segundos daquele momento para que pudesse respirar da forma mais lenta possível, aproximando-o um pouco mais do momento presente.

    No seu ritmo lento de sempre, aproximou o que tinha medo de ver, até que ele pudesse ficar visível para seus olhos inocentes e despreparados para o que iria acontecer.

    Um vermelho tão característico quanto a mais pura essência do amor brilhava mais do que o sol no seu intenso verão sendo refletido pela janela.

    Não era só uma simples cor; era história, era lembrança, a cor favorita de sua mãe adotiva: vermelho escarlate, que também era algo característico do cabelo de sua mãe biológica.

    No meio dos três corações escarlates, havia um pequeno botão que, ao mesmo tempo que era escuro, parecia possuir cataporas em tom de prata, como se fosse os olhos de Ônix.

    Diante de um convite tão óbvio, era mais do que instintivo apertá-lo gentilmente para que pudesse ver a gentil surpresa que o aguardava atrás daqueles corações.

    Um som começou a ecoar enquanto eles se abriam lentamente. Algo que todos já ouviram pelo menos uma vez na vida: uma canção de ninar, só que na ausência de vozes.

    O primeiro coração se abriu. Nele, sua mãe adotiva tinha um sorriso gentil, enquanto logo abaixo havia escrito com uma caligrafia idêntica a dela: Mãe…

    O segundo veio logo após. Isabella segurava gentilmente Ônix ainda bebê em seus braços, como se o balançasse de um lado para o outro para que pudesse dormir. Abaixo, havia: … Eu…

    Por fim, Isabella erguia Ônix com alguns meses de idade, sorrindo para ele, enquanto o doce sorriso daquela criança inocente era redirecionado de volta para quem estava o cuidando. A última frase era: … Te amo.

    Foi no ritmo da música que os três corações se fecharam lentamente, dando um breve adeus àquele universo que não merecia sua presença, senão no final dessa história.

    Ônix o observava com um olhar apertado, enquanto os lábios pareciam trêmulos. Era como se estivesse chorando, não de dor, mas de saudade.

    Por costume, moveu seus dedos para limpar o rosto, mas não havia uma única lágrima que estava caindo, não pelos sentimentos serem forjados, mas sim pela maldição que você, leitor, já sabe qual é.

    Um leve e trêmulo suspiro foi solto, como se estivesse preso há muito tempo na garganta. Com a voz um pouco abatida, disse com sinceridade:

    — Mui… Muito obrigado.

    Logo depois, gentilmente moveu a corda de seu mais novo pingente para o pescoço, desejando que nunca o perdesse, não importa o que acontecesse.

    O encapuzado o observou por alguns segundos. Logo em seguida, as palavras que saíam de seus lábios faziam parecer que ele podia ler mentes:

    — Com um dos meus feitiços, determinei que, exceto pelo Criador deste universo, ninguém poderá tirar esses pingentes de você.

    Um pequeno pulo de surpresa pousou em seus olhares universais. Com um pequeno riso agradecido, disse logo em seguida com toda a sinceridade que havia no coração:

    — Eu não poderia sair daqui sem te dar um abraço antes. Pode vir aqui, por favor?

    O coração daquele ser de capuz bateu tão forte em um misto de surpresa e vergonha que fez parecer que ele havia acabado de dar um pequeno salto em sua cadeira.

    Não soube o que dizer por alguns segundos. Negar poderia ser um sinal rude ou de sinceridade? No fim, a voz trêmula seguiu seu coração:

    — Ah, sim, claro, sem problemas…

    Levantou-se da cadeira em um ritmo visivelmente lento. Seu corpo parecia tão trêmulo quanto uma vara verde. Não havia disfarce algum no mundo que poderia ocultar sua timidez.

    Em seguida, caminhou sem pressa até Ônix, atravessando o balcão como se ele nem existisse ali. Não demorou muito para que estivesse finalmente no alcance um do outro.

    Em sequência, Ônix abriu os braços e o abraçou com toda gentileza que tinha, aquecendo-o com toda a sinceridade que a sua gratidão podia mostrar.

    O ser de capuz o abraçou de volta, dando alguns tapinhas em suas costas, como se tentasse expressar por meio de suas ações que tudo ocorreria bem.

    O abraço durou alguns segundos e, assim que terminou, Ônix disse o seu “Até mais!” em um tom animado, caminhando em direção à porta de saída com um sorriso no rosto.

    Antes de atravessá-la, tocou em uma parede próxima, deixando a marca de sua escuridão por lá. Para o que serviria? Descobrirão muito tempo depois.


    Depois de todo esse tempo lá, finalmente havia acabado de sair. As ruas estavam quase vazias, e as estrelas do céu pareciam iluminar o asfalto como postes.

    Nenhum de seus amigos estava presente nesse momento, senão Morfius, sentado à sua frente, olhando fixamente para o chão como quem pensa em algo.

    Próximo capítulo: Semelhança.

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