Capítulo 26: Destino solto
Perspectiva da Mina Mei
Quatro meses.
Já se passaram quatro meses desde aquele dia… o acidente na academia Fjorheim.
Desde que VIXI XVII, Somnum, trouxeram o caos.
Desde que… Ken se foi.
A academia, agora reconstruída, parecia quase igual à antiga… mas pra mim, nada mais parecia o mesmo.
Meus passos ecoavam sozinhos pelos corredores frios. O mundo seguia em frente, mas eu estava parada no mesmo ponto — no instante exato em que ele partiu.
Nunca mais fui a mesma depois daquele dia.
Poderia ter voltado para minha casa aqui na Camada 4, mas… não.
Decidi permanecer nos dormitórios da academia.
Minha colega de quarto voltou para a família. Eu fiquei.
Era melhor assim.
O quarto vazio combinava com o que eu sentia por dentro.
Na maior parte do tempo, eu ficava ali.
Silêncio.
Luzes apagadas.
As cortinas fechadas.
Era como se meu coração tivesse entrado em luto com o mundo.
Mas hoje… algo me fez sair.
O pátio principal da academia estava repleto de flores.
Havia uma cerimônia para os que haviam partido.
Professores, alunos, ex-companheiros.
Homenagens.
Risos melancólicos.
Memórias.
Vesti um vestido preto tradicional do clã Misticia, algo que eu jamais usaria em qualquer outra situação. Os detalhes prateados em linhas quase mágicas refletiam uma tristeza silenciosa, elegante — como se o luto fizesse parte da roupa, não só de mim.
Ao me aproximar do grande painel de nomes… meus olhos o encontraram.
Ken Orquídea.
Ali, entre os nomes dos mortos.
Meu coração apertou.
Mesmo sabendo que ele não morreu de verdade, aquela visão me cortou por dentro.
Para o mundo, Ken era uma vítima daquele desastre.
Só nós, os mais próximos, sabíamos a verdade:
Ele havia partido… para as camadas superiores.
Mas isso não fazia doer menos.
Quando a cerimônia terminou, fui até o Prédio Roxo.
Como sempre, em momentos confusos, eu buscava a Maria.
Ela estava sentada em uma das almofadas roxas, perto da janela aberta. A luz do entardecer iluminava seu rosto sereno como sempre, quase maternal.
Ao me ver, apenas sorriu, convidando-me a me sentar com um gesto.
— O jovem Ken agora está em outro mundo, — disse ela, com aquela voz mansa que parecia saber de tudo sem precisar de muitas palavras.
— Mina, o Ken… ele já não pertence mais ao mundo comum. Desde a primeira vez que o vi… eu já sabia.
Eu tentei falar.
Mas o nó na garganta não deixou.
Apenas abaixei a cabeça, e quando percebi, as lágrimas já estavam caindo.
— Mas… por que ele não falou comigo…? Com a gente…?
— minha voz saiu trêmula.
— Eu… nem consegui me desculpar por ter ficado brava com ele. Agora… talvez ele ache que eu…
Maria me olhou com calma.
Seus olhos, sempre profundos e calmos, encararam os meus com uma paciência rara.
— Você me contou que ele tentou te matar, não foi?
Eu estremeci.
A lembrança ainda era vívida — o rosto dele distorcido naquela áurea rosa intensa, o olhar que não era dele, o medo, o choque.
Mas…
Mesmo assim…
Mesmo com tudo…
— Mas ele não queria… — sussurrei, como se estivesse tentando me convencer também.
— Aquilo… aquilo não era o Ken. Aquela áurea… ela era estranha. Ele tava fora de si, eu sei disso. Eu sei…
Maria se aproximou devagar, colocou a mão sobre meus cabelos e os acariciou como uma mãe faria.
Depois me puxou suavemente para um abraço.
— Não se preocupe, Mina. — sua voz era baixa, firme.
— Eu estarei aqui com você. Então…
— ela se afastou um pouco para me olhar nos olhos.
— Foque em se fortalecer. Para que, um dia… possa estar ao lado dele de novo. Está bem?
Assenti em silêncio.
Era isso.
Era exatamente isso que eu queria.
Mesmo com as dúvidas.
Mesmo com o medo.
Mesmo com tudo o que ele fez — ou que acham que ele fez.
Eu gostava dele.
Gostava de um jeito estranho, que nem eu conseguia entender direito.
Não sabia dizer o momento exato que isso começou.
Talvez tenha sido durante aqueles dias confusos.
Talvez tenha sido quando vi ele sangrando por nós.
Ou quando ele sorriu de um jeito idiota… depois de fazer alguma burrada.
Mas já era tarde.
Ken havia partido.
E tudo o que me restava era ficar forte.
Pra alcançá-lo.
Ou… pelo menos… não ficar para trás.
Duas semanas depois da cerimônia…
As aulas voltaram.
E, contra todas as expectativas… eu fui.
Foi estranho.
Como se tudo tivesse reiniciado. Como se eu estivesse vivendo de novo aquele primeiro dia de aula na Fjorheim — mas com uma diferença silenciosa, profunda.
Dessa vez, havia algo faltando.
Algo que o tempo não consertava.
Algo que o novo calendário escolar não preenchia.
Enquanto caminhava pelos corredores do prédio laranja, aquela sensação voltou.
Um aperto invisível no peito.
O peso do vazio.
Meus olhos, por reflexo, buscavam os cantos — como se, por um capricho do destino, ele ainda estivesse lá.
Encostado numa parede qualquer, com aquele sorriso meio torto, aquele jeito meio bobo de parecer distraído… e, ao mesmo tempo, saber exatamente o que estava fazendo.
Mas ele não estava.
E o simples fato de não estar… doía.
No caminho até a sala, vi Shin e Holi.
Dois dos mais próximos de Ken.
Ali estavam, andando lado a lado. Mais calados. Mais duros.
Havia algo quebrado em ambos. Algo que os olhos deles tentavam esconder… mas não conseguiam.
Eles me viram.
Eu os vi.
Mas nenhum de nós disse nada.
Nunca fomos íntimos.
E, sinceramente?
Eu não tinha forças pra fingir o contrário.
A sala de aula parecia menor.
Não fisicamente — mas na sensação.
O silêncio parecia mais denso, como se pairasse sobre todos como uma neblina invisível.
As carteiras estavam no lugar de sempre, os quadros digitais brilhavam suavemente… mas os olhares?
Vazios.
Como se uma parte da alma da turma tivesse sido arrancada e levada embora com o tempo.
Ou com ele.
Professor Ren Tianyū estava na frente da sala.
Braços cruzados, expressão austera.
O mesmo de sempre.
Mas… algo nele também havia mudado.
Seu rosto, normalmente firme, estava mais abatido.
Havia olheiras fundas sob os olhos.
E uma rigidez a menos no corpo.
Como se até ele… estivesse cansado de resistir.
Sentei-me na frente, como de costume.
Endireitei a postura.
Fitei o quadro vazio.
Esperei.
E então… a porta se abriu.
Um passo firme ecoou no chão.
Depois, outro.
E naquele instante… o ar na sala mudou.
Era como se a própria atmosfera se retraísse, como se o ambiente reconhecesse instintivamente a presença de algo — ou alguém — acima.
Um homem entrou.
Alto, de postura ereta.
Elegante, mas não vaidoso.
Magro, porém longe de parecer frágil.
Era o tipo de corpo forjado não por músculos, mas por domínio — cada passo dele era um movimento preciso, como se coreografado.
Seus cabelos eram longos, brancos como neve recém-caída.
Uma única mecha vermelha, vibrante, caía pelo lado esquerdo do rosto — viva como sangue fresco sobre porcelana.
Não parecia natural.
Parecia pintada por um pincel divino.
Seus olhos…
Vermelhos escuros. Quase negros.
O tipo de olhar que não apenas observa — mas penetra.
Como se visse não o corpo… mas o que há por trás dele.
Vestia um sobretudo preto impecável, com detalhes finos costurados à mão sobre um terno elegante.
Nada nele estava fora de lugar.
Era como se nem o tempo ousasse tocá-lo.
E seu rosto…
Belo. Frio.
Uma beleza quase antinatural, como uma estátua esculpida por mãos que conheciam demais da dor e do poder.
Assustadoramente sereno.
Ele caminhou até o centro da sala.
Nos observou.
E sorriu.
Não um sorriso arrogante.
Nem irônico.
Era… gentil.
Demasiado gentil.
E exatamente por isso… perturbador.
— Muito prazer em conhecer essa turma dos primeiros anos. — disse ele, a voz clara, levemente melodiosa. — Antes de qualquer coisa, permitam-me pedir desculpas por minha ausência nos últimos sete meses…
Pisquei, confusa.
Sete meses?
Ausência?
Quem era esse homem…?
Atrás de mim, os cochichos começaram:
— Quem é ele?
— Será professor novo?
— Conselho? Diretoria?
— Nunca vi esse cara…
Mas ele apenas manteve o sorriso.
E respondeu, como se tivesse previsto a dúvida coletiva.
— Meu nome é Johan Fjorheim.
— E eu… sou o diretor desta academia.
…
Silêncio.
Total.
O ar parou.
Até minha respiração falhou por um segundo.
O diretor…?
Até onde sabíamos, o comando da escola havia sido assumido pelo vice-diretor Hizu Jorney após a tragédia.
Mas Hizu… morreu no desastre.
E esse homem — esse “Johan” — nunca havia aparecido até agora.
Por que só agora?
E por que ele… parecia tão acima de todos ali?
Mesmo o professor Ren — um dos maiores Ranks da Fjorheim — estava imóvel.
Seu olhar não era de respeito.
Era de cautela.
Esse homem… não era qualquer um.
Johan inspirou fundo, com elegância.
— Sei que minha animação pode parecer deslocada, considerando os eventos de quatro meses atrás.
— Perdemos pessoas valiosas… e por isso, se minhas palavras pareceram frias, peço perdão.
Fez uma pausa. Seus olhos percorreram cada rosto na sala.
— Mas é justamente por isso que estou aqui. Para anunciar mudanças.
Começou a caminhar com as mãos cruzadas nas costas, como um estrategista antes de revelar o mapa de guerra.
— O foco da academia mudará.
— Prioridade total para combate.
— Treinamento real.
— Liberação de potencial.
— E aprimoramento genético.
Sua voz soava como uma sentença.
Cada palavra batia firme.
— Porque, no fim… — disse ele, virando-se para nós — é isso que o mundo exige agora.
— Força. Pura. E crua.
…
Ren, até então calado, suspirou fundo.
Se levantou lentamente, cruzou a sala…
E deu um tapa certeiro na cabeça de Johan.
A sala inteira prendeu o fôlego.
Johan apenas riu.
Como se estivesse acostumado.
Ren então disse, seco:
— O que ele tá tentando dizer…
— É que esperamos novos ataques. Talvez piores.
— Não sabemos quando. Amanhã. Mês que vem. Ano que vem. Não importa.
— O ponto é: vocês precisam crescer.
— Rápido.
— Forte.
— Preparados.
Johan ajeitou o sobretudo com calma.
Voltou a sorrir.
— Um mundo onde não há segurança… não pode oferecer uma educação comum.
— Mas… — ele apontou, com delicadeza — para aqueles que não quiserem lutar, não se preocupem.
— A Fjorheim continuará sendo lar.
— Ainda haverá espaço para quem quiser trilhar outro caminho.
Encostei as costas na cadeira e soltei o ar devagar.
Mesmo com todas as frases bonitas, as metáforas e os sorrisos ambíguos…
O recado estava claro.
Eles estavam com medo.
O mundo estava com medo.
E com razão.
Porque, depois de tudo o que vivemos…
Depois do que Ken enfrentou…
Depois do que eu vi com os meus próprios olhos…
Esse mundo estava prestes a mudar.
E não havia mais espaço para inocência.

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