Capítulo 46: Risos vindo do universo
A medida que aqueles seres atravessavam o portal, seus números, assim como a aparência, ficavam cada vez mais evidentes para quem os observava.
Nem um, nem dois, três ou quatro, eram cinco. Uma mulher, um homem e três garotos. Os rostos e corpos ainda eram ocultos pela escuridão do transportador, mas as características eram visíveis.
Ônix abriu levemente os olhos, repousando levemente a mão sobre o peito. Em seguida, suspirou profundamente ao ver que sua preocupação era desnecessária.
Esses supostos seres eram seus amigos que, por obra do destino, saíram ao mesmo tempo das compras, mesmo que também estivessem separados anteriormente.
Começando pelas compras de cada um, Waraioni era, de longe, o mais notável daquele grupo devido ao que comprou e como os mostrava.
Um óculos Juliet tão destacado no rosto quanto o sol no céu. Uma JBL estava apoiada em seu ombro, sussurrando para todos os lados que a noite seria barulhenta.
Mesmo que não houvesse música alguma, só de imaginá-las já fazia seu ombro começar a dançar, enquanto os pés seguiam o ritmo sutilmente.
Arthur comprou o que era divertido aos seus olhos. Um carrinho com um controle remoto, drones, cobertores que achou confortável e entre outros.
Luna comprou o essencial, não só pra ela, mas aos outros também. Desde creme hidratante para cuidar de si até escovas de dentes para os novos garotos que conheceu.
Douglas pensou mais no combate. Com os pontos que tinha, preferiu obter um confiável escudo que se adaptava à resistência de seu portador.
Saito não sabia o que comprar, mas, apenas uma coisa chamou sua atenção: uma máscara. A descrição era simples: desde que a dor não corte seu coração, estarão ocultas atrás da mesma.
A aparência dela era peculiar. Prateada, com alguns riscos escuros se rebatendo na luz, como se algum universo tomasse as dores para si.
Esse item ainda não se aconchegava no seu rosto. Assim que saiu da loja, guardou-a no inventário, sem se preocupar sobre quando a usaria, mas, sim, do porquê.
Todos estavam reunidos, olhando uns para os outros para verem o que compraram. O silêncio era analítico, mas, como de costume, Luna foi quem o quebrou:
— Vamos nos reunir pra conversar sobre o que compramos?
Esse convite fazia sentido, até que eles começaram a observar Waraioni. O chinelo rebatia-se sutilmente no chão, enquanto seus lábios cantarolavam:
— Tu joga pra trás, encosta, encosta…
Perdido no seu mundo da lua, não conseguiu sequer notar os olhares que o circulavam, como se segurassem a vergonha para que risos não ecoassem.
— Hul, hul, hul, hul, hul…
Mesmo que se ausentasse das palavras, as bochechas rosadas de Luna anotavam seus pensamentos e os escreviam como se fossem livros encantados.
Os dedos repousavam sobre os líbios, e os olhos levemente erguidos se esforçavam além dos limites para que nada precisasse ser dito.
Saito observava seu irmão de cima a baixo, como se tentasse entender algo enigmático à sua frente, ainda mais difícil de decifrar do que um hieróglifo.
Um riso quase escapou de sua boca, mas as bochechas seguraram o ar. O que fazia? Ria? Por mais que a vontade fosse grande, não queria ser o primeiro.
“Calma, se segura… Ser o primeiro a rir chama muita atenção… Calma…”
Ergueu a cabeça e respirou fundo, como se fosse um monge. Entretanto, seus instintos o traíram, sussurrando para que cometesse seu erro: olhar para o lado.
Ao desviar atenção para Ônix, seus olhos quase arregalados pareciam negar o que via. Os lábios entreabertos não tinham palavras para descrever a vergonha que sentia.
Sobretudo, o golpe crítico veio logo depois. Morfius tinha a exata mesma reação que Ônix, no entanto, o diferencial foi que ele sussurrou a primeira coisa que veio à sua mente:
— Que porra é essa…?
Era sutil, como se seus pensamentos empurrassem para fora o que sentia, no entanto, era audível o suficiente para que Saito ouvisse e, não só ele, todos.
Não tinha mais escapatória para Saito. As risadas já estavam na sua barriga, espancando-o para que encontrassem uma saída, até que a garganta cedeu.
Lágrimas escorriam enquanto a gargalhada corria como um ladrão. Esse foi o primeiro evento necessário para que uma chuva de risadas contidas viessem logo depois.
Ônix e Morfius ainda mantinham o mesmo rosto surpreso, e era isso o que os fazia chorar de rir ainda mais, como se o amanhã nem existisse.
Waraioni cessou sua dança no mesmo instante e começou a observar os arredores, percebendo a surpresa de seu irmão e as risadas de seus companheiros.
A vergonha cresceu pela sua espinha e se estagnou na bochecha, destacando-a em um tom de rosa, como se pedisse desculpas por todos os seus pecados.
Enquanto seu marido e filho ainda riam intensamente, Luna tentava cessar seus risos, limpando as lágrimas com as pontas dos dedos, mas nada parecia adiantar.
Esse bom evento (menos para um certo dançarino) durou alguns minutos até que todos conseguissem se acalmar, recuperando a estabilidade do pulmão.
Enquanto respiravam fundo, Waraioni ainda os observava com vergonha profunda no olhar. Com uma voz um pouco acuada e tímida, perguntou:
— Vamos… Pra casa…?
Tanto Luna quanto o restante soltaram poucos risos diante de um pedido tão envergonhado e fofo, mas, dessa vez, estava estável o suficiente para conseguir dizer enquanto limpava os olhos:
— Sim, verdade, vamos, vamos…
Todos começaram a caminhar de volta pra casa. No meio desse período, ainda longe da moradia, a resenha foi tão presente quanto deveria ser.
A vergonha que Waraioni ainda demonstrava servia de combustível para uma boa e caseira zoeira. Enquanto alguns (Saito e Arthur) perguntavam como fazer igual, Douglas já tentava imitar enquanto cantava de uma forma boba.
Waraioni tentava disfarçar sua vergonha com uma falsa raiva, mas isso isso só serviu de gasolina para o fogo da risada, que parecia queimar cada vez mais.
Esse evento certamente será inesquecível, principalmente para quem sofreu da vergonha. Esse ritmo animado e agradável durou até que eles chegassem no lar.
Demorou, mas finalmente chegaram. A volta parecia ainda mais longa do que a ida, mas, o conforto ao verem que haviam chegado os fez suspirar.
Enquanto Luna destrancava a porta com gentileza e calma, Douglas aproximava-se de Waraioni, dando alguns toques em seu ombro para que ele virasse para trás.
Ele virou-se, mas o rosto estava emburrado. A sinceridade que escapou de seus lábios foi a mesma que seu coração transmitiu à sua boca:
— Quê que cê quer…?
O homem riu sutilmente, mas, dessa vez, não era do garoto. Como se fosse um pedido especial, perguntou ao jovem se poderia pôr uma música em sua caixa de som.
Waraioni não entendeu muito bem o pedido, mas não se importou em realizá-lo. Era famosa nos anos de 2000, uma que sua esposa adorava ouvir quando tinha a oportunidade.
Ele queria uma versão em específica, um pouco mais lenta com uma pitada de reverb. Felizmente, não foi nada difícil achar a que estava procurando.
Foi curto o suficiente para terminar no mesmo momento em que a casa se abriu, esbanjando o ranger da porta que os convidava para seu conforto pessoal.
A maioria foi para a cozinha em busca de água. Douglas, Ônix e Morfius se acomodaram na sala de estar, aproveitando o breve e gentil silêncio da noite.
O homem levantou-se e posicionou a JBL no centro da sala, ligando-a em seguida, esperando que a música que escolheu carregasse e mostrasse sua voz ao mundo.
Enquanto isso, Luna estava sentada na cadeira, apreciando o copo de água gelado que estava disponível na geladeira, dando espaço para que sua mente abraçasse o nada.
De repente, um som familiar e agradável começou a tocar. Mesmo que soubesse de qual música se tratava, tinha dúvidas de seus próprios ouvidos.1
Caminhou com uma pressa notável até a sala de estar, e o que imaginava estava acontecendo. Seu marido estava de pé, olhando-a com carinho, com a mão esticada convidando-a para dançar.
Por mais inesperado que fosse, um sorriso agradável floresceu em seu rosto. Como negar um evento agradável desses? Por mais vergonhoso que fosse fazer isso, aceitou sem pensar duas vezes.
Caminhou lentamente até seu amado, segurando sua mão com gentileza. Assim que se aproximaram, a caixa de som dava início ao seu canto:
— Lady! Hear me tonight…
Saito, Waraioni e Arthur notavam o som se expandindo cada vez mais, mas não era incômodo, os aconchegava como um abraço sincero.
A curiosidade foi maior do que podiam aguentar, movendo-os para a sala em passos lentos, com um barulho tão baixo que a voz da música os fazia indetectáveis.
Assim que chegaram, viram aquela fofa cena de casal, dançando com cuidado em passos perfeitos. Morfius e Ônix levantavam os braços e os moviam no ritmo da música.
— ‘Cause my feeling… Is just so right!
Waraioni dançava sutilmente no ritmo da música. Saito, depois de tanto tempo, sentiu que podia aproveitar o momento sem se preocupar com algum monstro os atacar.
Deu um pequeno toque no ombro de seu irmão, com um sutil sorriso no rosto. Logo em seguida, fez o melhor convite que podia imaginar:
— Bora?
Waraioni entendeu na mesma hora, sem precisar dizer nada. Arthur já caminhava na frente, chamando Morfius e Ônix com as mãos, sem precisar dizer que era para dançar junto com seus pais.
— As we dance! By the moonlight…
Em pouco tempo, todos já estavam reunidos. Enquanto o casal dançava juntos, os jovens tentavam uma coreografia única, conhecida por alguns como dança da tortura.
— Can’t you see? You’re my delight!
Enquanto tentava seguir o ritmo de seus irmãos, Ônix ria despreocupado. Seus risos eram doces e sinceros, como se viessem de um universo repleto de amor.
— Lady! I just feel like. I won’t get you out of my mind!
Depois de incontáveis dores, lágrimas e angústias, finalmente estava despreocupado, conseguindo aproveitar um ambiente agradável com sua mais nova família.
— I feel love… For the first time! And I know, that it’s true, i can tell by the look in your eyes~
Conforto, alegria, felicidade. Não havia mal algum que podia atrapalhar esse momento deles, o descanso perfeito que a alma e a mente precisavam.
Próximo Capítulo: Presságio do Progresso.
- @Maik: Oi! A música em questão é a de Modjo, chamada: Lady Hear Me Tonight. A versão que eu imagino é como eu descrevi, achei mais agradável dessa forma. Se tiver curiosidade em ouvir, deixarei o link aqui: https://youtu.be/q5SiqdRbBgs?si=hOUpqcFv-0sblbo9[↩]
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.