O sol da tarde dourava os campos de trigo, enquanto três camponesas seguiam pelo terreno irregular; as saias de linho balançavam ao vento. Uma delas, Helena, ajeitou o lenço sobre os cabelos castanhos antes de soltar uma risada sarcástica.

    — Vocês viram a Benedita tentando impressionar o moleiro ontem? Coitada… não percebe que ele só tem olhos para as moedas dela, não para aquela cara de cavalo!

    Margarida, a mais rechonchuda das três, levou a mão à boca fingindo estar surpresa, embora seus olhos brilhassem de malícia.

    — Ah, minha querida, você não ouviu o melhor! — sussurrou dramaticamente. — A Rosa me contou que a Benedita ofereceu três galinhas gordas só para ele moer o grão dela primeiro. Três galinhas! Por um saco de farinha que mal dá pra uma semana.

    Brígida, a mais alta e magra, bufou cheia de desprezo.

    — Que patético. E ainda se acha a rainha da vila só porque herdou aquelas terrinhas do pai. Mal sabe que o moleiro já prometeu casamento à filha do comerciante da vila vizinha. Essa sim tem um bom dote, não essas migalhas que a Benedita chama de herança.

    Mais atrás, uma jovem de cabelos pretos seguia o grupo discretamente, mantendo uma distância segura. Enquanto caminhava pela trilha, seus olhos mantinham-se atentos às mulheres à frente, que carregavam cestas vazias.

    Mas bastou um instante para perceber que havia sido notada. O grupo parou e se virou em sua direção. E a jovem soube, de imediato, que nada de bom viria daquele encontro.

    — Olha só quem está aqui — disse a mais alta do grupo, largando sua cesta no chão esboçando um sorriso. — A órfãzinha solitária nos seguindo.

    A garota parou onde estava, tentando pensar em uma explicação.

    — Coitadinha… Deve sentir tanta falta dos pais ladrões — zombou Margarida.

    — É mesmo. Dois marginais que finalmente foram para onde mereciam… pra vala, hahaha! — concordou a mulher de cabelos castanhos.

    As palavras ecoaram na mente da jovem como uma tempestade. Ela apertou os punhos, sentindo o sangue ferver nas veias.

    — Pelo menos a vila está mais segura sem aqueles bandidos — continuou a rechonchuda, provocando ainda mais.

    A jovem não conseguiu mais conter a raiva e avançou, seus olhos estavam marejados de indignação.

    — Calem a boca! — gritou, a voz dela tremia de emoção. — Vocês não sabem de nada!

    — Ah, olha só — debochou Brígida. — A filhinha dos ladrões quer brincar de valente.

    Foi nesse momento que a jovem perdeu completamente o controle. Avançou em direção à mais alta e desferiu um soco certeiro no rosto da mulher, que cambaleou para trás, levando a mão ao nariz sangrando.

    — Sua desgraçada! — berrou Brígida, a mais alta, seus olhos flamejavam em ódio. — Peguem ela!

    O que se seguiu foi cruel e covarde. As três mulheres se lançaram sobre a jovem de cabelos negros, que tentou se defender como pôde. Socos e chutes choveram de todos os lados. Ela caiu no chão, tentando se proteger, mas os golpes continuavam implacáveis.

    Depois de alguns minutos que pareceram uma eternidade, as mulheres finalmente pararam. Deixando a jovem caída no chão, respirando com dificuldade. As roupas ficaram em farrapos, os cabelos emaranhados, e um dos olhos tão inchado que permanecia fechado.

    O sangue se espalhava ao seu redor, tingindo o chão, enquanto o rosto e o corpo exibiam hematomas profundos, cobertos por marcas roxas.

    — Da próxima vez pensa duas vezes antes de levantar a mão para a gente — exclamou Brígida, cuspindo no chão próximo à garota.

    As três mulheres se afastaram rindo e comentando entre si, pegando suas cestas de volta e continuando o caminho, deixando a jovem sozinha em sua dor.

    Horas depois, as cestas de vime estavam sobre as cabeças das camponesas, que retornavam dos campos carregadas com os frutos da colheita. Batatas, cenouras e grãos diversos enchiam os recipientes trançados, pesando sobre seus pescoços cansados.

    Helena ajustava constantemente sua cesta, reclamando do peso, até que avistou uma figura solitária se aproximando.

    — Olhem só quem apareceu, finalmente decidiu honrar os campos através de sua presença.

    — Não exagera, Helena — sussurrou Brígida, tentando conter o riso. — se não, ela vai acabar se matando, hahaha.

    A recém-chegada caminhava cabisbaixa, trazendo uma cesta vazia e seus olhos evitavam qualquer contato.

    As três passaram por ela cochichando e rindo, e continuaram a se afastar, até que, subitamente, uma mão grande e musculosa tapou com força a boca da rechonchuda.

    — Silêncio — ordenou o sujeito.

    O pânico se espalhou instantaneamente. As outras duas se viraram e, ao verem o homem armado, explodiram em gritos desesperados: — MERCENÁRIOS! FUJAM! CORRAM!

    As cestas voaram pelos ares, derramando a colheita no chão, enquanto elas tentavam fugir. Contudo, era tarde demais. Homens de armadura surgiram dos arbustos como predadores emergindo das sombras, cercando as mulheres aterrorizadas.

    Alguns dos sujeitos passavam as línguas pelos lábios de forma obscena, discutindo entre si o que fariam de suas presas. Então, o chefe, que era um homem corpulento de rosto marcado por cicatrizes, exclamou: — Prendam todas elas — ordenou friamente, ignorando os gritos e choros das camponesas. — Mais tarde iremos usá-las.

    Os subordinados gritavam e assobiavam, enquanto alguns, sorrindo, as enforcavam até que desmaiassem; em seguida, amarravam-nas usando cordas. Já a garota de cabelos negros conseguiu se esconder atrás de uma árvore robusta, controlando a respiração para não fazer nenhum ruído. Será que alguém vai me encontrar? Seu coração batia tão forte que ela temia que os homens pudessem ouvi-lo.

    Quando os sons dos mercenários começaram a se distanciar, ela suspirou alíviada. Entretanto, sua sorte havia acabado. Uma mão grossa agarrou seus cabelos, arrancando-a violentamente de seu esconderijo.

    Ela apenas pôde gritar de dor e terror.

    — ACHEI MAIS UMA, CHEFE! — berrou o homem, arrastando-a pelos fios negros. — E essa é muito mais bela que as outras!

    O chefe sorriu, demostrando provação.

    — Bom trabalho.

    Em sequência, um dos subordinados se aproximou, hesitante.

    — Devemos levar as mulheres para o esconderijo?

    — Não — respondeu o chefe. — Hoje mesmo tomaremos esta vila de fazendeiros.

    Logo depois, ele soltou uma gargalhada, que ressoou pelos campos. O mercenário que arrastava a jovem forçou seu rosto na direção do líder.

    — Está ouvindo, sua vadia? Seus queridos amiguinhos vão morrer hoje!

    Ele riu alto, enquanto ela chorava copiosamente, e suas lágrimas se misturavam à terra.

    — Eu amaldiçoo o dia em que nasci… — soluçou a jovem de cabelos negros.

    Ao mesmo tempo, as lembranças de seu sofrimento invadiam sua mente. Seus pais morreram quando ela ainda era um bebê, deixando-a sozinha no mundo antes mesmo que pudesse pronunciar as palavras “mamãe” ou “papai”. Por causa disso, foi acolhida pelo ancião da vila, um gesto que, à primeira vista, parecia generoso, mas logo se revelou um pesadelo.

    As esposas e filhas do velho a tratavam como um estorvo: agrediam-na fisicamente, forçavam a cumprir tarefas pesadas e lançavam olhares que a faziam desejar desaparecer. E assim ela seguiu vivendo… ou melhor, apenas sobrevivendo, até completar dezoito anos.

    Jamais sabendo o que era amor.

    — EU NÃO AGUENTO MAIS! POR FAVOR, DEUSES… — Ela fechou os olhos e gritou usando toda a força que tinha: — ME MATEM!!!!

    Todos ali ouviram o grito de desespero, entretanto apenas riram do tormento que a consumia. Porém, naquele instante, algo grotesco aconteceu: a cabeça do chefe mercenário foi decepada. O sangue jorrou como uma fonte, no momento em que o corpo e a cabeça desabavam no solo.

    Ao lado do cadáver, um garoto de cabelos negros, usando uma máscara branca, segurava uma espada coberta de sangue. Os guerreiros ficaram paralisados por um instante, depois explodiram em fúria.

    — QUEM É VOCÊ, FILHO DA PUTA?! — berrou o homem que ainda segurava a garota de cabelos negros.

    No mesmo instante, o braço que agarrava os cabelos dela foi cortado, caindo ao chão. Em questão de segundos, o estranho mascarado apareceu ao lado do mercenário. Em um único movimento, usou o lado cego da lâmina para acertar-lhe a nuca, derrubando-o desacordado.

    A garota permaneceu imóvel, assustada, mas incapaz de desviar o olhar daquele estranho salvador. Fitando a garota, tentou confortá-la, dizendo: — Os deuses ouviram seu pedido… no entanto decidiram que você é boa demais para morrer.

    A seguir, apontando a espada para os guerreiros, proclamou:

    — Rendam-se ou morrerão todos aqui!

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