Capítulo 49: Aqueles Olhos
O vento ausentava seus movimentos, entregando-se à curiosidade que sentiu, silenciando até mesmo os seus sussurros para que pudesse ter total atenção.
O coração fazia o papel de tambor. Mesmo que estivesse em um ritmo aparentemente calmo, a força de seus batimentos não escondia as incertezas.
O universo que morava naqueles olhos tentava mostrar neutralidade diante do imprevisível, mas cada uma daquelas estrelas sabia da verdade.
Conseguia ser mais desconfortável do que andar de olhos fechados em um beco escuro. Ainda mais fatal do que andar vendado em uma rua movimentada com carros e caminhões…
Caminhar na beira de um precipício, com uma ventania traiçoeira, era mais confiável. O calor que subia pela sua espinha, formigando seus dedos e apertando seu coração descrevia sua insegurança.
Diante do desconhecido, os próprios ouvidos se negavam a ouvir os arredores para que os olhos pudessem trabalhar a sua concentração.
Tão silencioso que nem o mais profundo sussurro das gramas era audível. Era mais fácil ouvir a voz da escuridão do que a dos pássaros.
Por mais que a ansiedade não existisse e a gratidão ainda se mantivesse presente, a insegurança o fazia hesitar, quase fazendo-o esquecer de seu único escape: o interior.
Ainda que o mundo se tornasse mudo, seu pulmão se manteria presente, até mesmo gritando por atenção se isso algum dia se tornasse necessário.
A primeira chave que deveria buscar para abrir o cadeado da consciência era a respiração, mas, não qualquer uma, e sim, uma consciente, que começa pela barriga e termina com um leve suspiro concebido pelas narinas.
Agora que sua consciência foi desperta, enxergar foi ultrapassado pela observação, que o permitiu ver os detalhes que aconteciam com a calma que precisava.
Assim que começou a notar o seu ambiente, percebeu que algumas partículas prateadas voavam com leveza, como se fossem levadas pelo vento.
Ao voltar seus olhares para a interface, estava ausente de palavras, como se fosse um quadro que foi limpo cuidadosamente, eliminando até mesmo os vestígios de poeira.
Manteve-se assim por poucos segundos, até que o som de teclas começasse a ecoar do vazio, como se alguém de outro universo estivesse escrevendo algo.
As letras apareciam no mesmo ritmo, uma a uma, até que preenchessem completamente aquela interface vazia e azulada que conhecemos como sistemas.
Sistema de Jogo
Há apenas três etapas para que seu progresso aconteça, e o primeiro se fez desnecessário, você já o completou nesse descanso de sete dias, sendo ele: construa e conheça sua nova família.
As pálpebras, outrora neutras, levantavam-se lentamente, sem conseguir segurar o levantar da surpresa que, sutilmente, mantinha seus lábios entreabertos.
A construção de sua família já era algo planejado antes mesmo de sequer reviver? Ou isso faz parte do seu progresso, afinal, como conseguiria aguentar por mais tempo sem um lar?
Teria conseguido chegar até aqui na ausência de seus irmãos? Esses sete dias de descanso seriam efetivos se os sorrisos não fossem genuínos?
A leveza que sentiu quando dançou, o doce encharcando sua língua na sorveteria, a emoção de um bom filme, teria sido tão bom como foi se estivesse destruído como antes?
Não há malícia alguma nessa primeira etapa da missão, era apenas algo necessário que sua alma precisava e, felizmente, ele encontrou, não por sorte, nem por destino.
Saber que cada um de seus fiéis companheiros, que pode chamar de família, não lhe foi dado à toa, nem por coincidência, levantava um sutil e discreto sorriso que só seu coração era digno de sentir e ver.
Sem que percebesse, a insegurança se retirava em passos silenciosos, até que se ausentasse, dando-lhe conforto o suficiente para indagar:
— Qual a segunda etapa, por favor?
Assim que demonstrou um interesse claro, cada uma das palavras, começando por suas letras da direita à esquerda, era deletada uma a uma enquanto se quebravam em partículas.
O mesmo estranho e único som de teclas se fez presente, do início ao fim desse evento. Quase no mesmo instante em que a interface ficou vazia, novas letras se formavam.
Sistema de Jogo
Você deve visitar um NPC que eu deixarei marcado em seu sistema de mapeamento, basta acessá-lo em seu menu mais tarde. Você precisará criar uma Guilda para que tenha acesso à floresta. Normalmente, há um preço alto para a criação da mesma, mas você terá um desconto de cem por cento. Novas instruções o aguardam na missão.
Assim que leu tudo, do começo ao fim, aquele sistema começou a se esvair, como se estivesse se juntando às partículas prateadas de suas palavras.
Agora, com sua ausência, restou apenas a reflexão e o sussurro da ventania, que rodeava Ônix como uma criança boba viajando pelo mercado.
Um leve suspiro soltou suas amarras enquanto os olhos lentamente se tornavam entreabertos. Um pequeno desconforto começava a nascer em seu coração.
Por mais que sete dias sejam quase duzentas horas, ainda não fazia pouco tempo desde sua última missão, onde a maldição das lágrimas foi feita.
Aconteceria de novo? Algo pior o aguardava no lugar de destino? Querendo ou não, essa resposta estava disponível somente na floresta prometida.
Antes de levantar-se para retornar à sua moradia, deu uma leve observada em seu menu, procurando pelo mapa citado para encontrar o NPC marcado.
Assim que encontrou a categoria de localização, lá estava o pequeno mapa, com um pequeno círculo vermelho destacado em um ponto fixo, como um mapa do tesouro.
Ônix observou cada esquina com cuidado, como se desenhasse em sua mente onde ficava aquele lugar para que suas dúvidas não o incomodassem.
Foram necessários alguns minutos de observação, mas estava finalmente tudo pronto, bastava avisar seus companheiros sobre a viagem que fariam.
Antes que fechasse o Menu, encontrou uma opção que poderia ser muito útil. Sua função, destacada em verde, era: compartilhar localização.
Assim que a selecionasse e escolhesse alguém que tivesse vínculo, o mesmo ponto em tom vermelho aparecerá no mapa do aliado selecionado, facilitando no rastreio.
Pouco depois de perceber essa função, usou-a para enviar o NPC marcado para Luna, visando facilitar o deslocamento de seu grupo.
Tendo tudo pronto, chegou a hora de levantar-se e caminhar até seus amigos, torcendo para que tudo desse certo dessa vez e nas próximas.
Assim que abriu a porta, todos já estavam reunidos na sala de estar, conversando brevemente sobre algo enquanto Saito e Douglas preparavam suas armas.
Luna virou seu olhar assim que ouviu o ranger da porta, percebendo a presença de Ônix que, para ela, tinha aparecido na hora certa.
Ônix, ao perceber que seu grupo já estava quase pronto para algo, ergueu levemente as pálpebras em surpresa e, antes que pudesse raciocinar, Luna já estava à sua frente.
— Ônix, a gente estava pensando em ir em uma missão hoje para juntar mais pontos pra não precisar ficar gastando tanto dos seus. Estávamos com receio sobre sua participação, mas, você ter me enviado a localização de um NPC foi uma confirmação?
Seu olhar era um misto de preocupação com expectativa. O brilho era confuso, como se estivesse indeciso sobre qual resposta preferia ouvir.
O silêncio construiu seu castelo por alguns segundos. As estrelas naqueles olhos noturnos pareciam se mover, buscando uma resposta vinda da alma.
Para a felicidade de todos, o garoto respondeu com um singelo sorriso que iria, mostrando para seus companheiros que estava recuperado do que havia sofrido.
Com a única preocupação que tinham estando resolvida diante dos olhos de todos, estavam prontos para partir, sem mais ou menos.
Felizmente, dessa vez a caminhada não foi tão longa quanto caminhar da moradia até o mercado, permitindo-os chegar próximo do NPC em alguns minutos.
Caminhando solitária, com uma rua pouco movimentada, podia ouvir com mais clareza o som de seus passos do que qualquer outra coisa ao redor.
Seu cabelo, longo e ondulado, era tão extenso que alcançava os joelhos. Mais do que isso, a fofura que carregava consigo lembrava a delicadeza das nuvens.
Seus olhos, calmos e entediados, descreviam com perfeição o tédio que passava sobre sua mente. Até mesmo a pinta, abaixo de seu olho castanho, parecia bocejar.
Sua pele, macia como o travesseiro e morena como um chocolate sutil, brilhava junto com o sorriso do sol, enquanto caminhava mantendo as mãos no bolso.
“Que complicado… Não consigo criar uma Guilda com NPCs e não vejo um único humano por aqui…”
Pelo o que seu breve pensamento descreve, tem o interesse pela mesma missão que o sistema entregou ao nosso garoto, mas não tem amigo algum para ajudá-la.
“Será que eu vou conseguir achar alguém por aí…?”
Por mais que estivesse se preocupando com a possibilidade de haver apenas ela de humana ali, a tranquilidade que emanava era contagiante.
Da mesma forma que falava, refletia sem peso, como se estivesse raciocinar com sono, ou até mesmo com lerdeza, mas é apenas o seu jeitinho fofo de ser.
Enquanto quase se perdia em desvaneios, conseguiu ouvir passos de algo que se movia como um grupo e, ao virar-se, notou uma mulher acompanhada de seu marido e quatro garotos a seguir.
Um sorriso, bobo e meigo como o de uma criança, estampou seu rosto no mesmo instante em que soube que a possibilidade de ser um grupo humano era altíssimo.
Caminhou com pressa até lá, iniciando um diálogo com a moça que viu. Foi amigável e confortável, a gentileza que ofereceu foi a mesma que recebeu.
Enquanto conversava, perguntando se poderia acompanhar esse grupo na missão de guilda que havia encontrado, pôde ouvir mais passos se aproximando.
Era lento, como se estivesse perdido em seus próprios pensamentos, mas, tão marcante e profundo quanto ouvir uma melodia sincronizada pela primeira vez.
Ao prestar mais atenção à sua frente, um garoto que tinha ficado para trás graças ao seu ritmo lento estava finalmente próximo de seu grupo.
Ele era baixo, se formos considerar os padrões da altura masculina, não havia nada de diferente nele, nem uma única característica que a fazia sentir algo, mas, isso mudou assim que ela notou aqueles olhos.
Próximo capítulo: Eclipse.
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