Capítulo 68 — Ajustando os pontos finais
Capítulo 68 — Ajustando os pontos finais
Três horas tinham se passado desde que Kalira cultivou a sua pílula especial. Embora não tenha dado um nome apropriado, ela não tinha intenção de compartilhar aquele conhecimento com ninguém, muito menos escrevê-la para deixá-la registrada. Era um truque muito fora da curva para que outros pudessem ter acesso. Violava uns três princípios alquímicos através da magia obscura.
— Caramba! Essa pílula fez milagres mesmo, hein? Nem parece que estava completamente acabada horas atrás.
A bruxa não parava quieta dentro de casa, pois sua pressa era palpável. A bagunça que os homens invasores deixaram em sua casa contribuíam mais ainda para a sua impaciência.
— Onde foi que esses desgraçados jogaram algo tão importante? Onde está?
Em cima do armário da cozinha, uma pequena caixinha de madeira foi encontrada. Kalira a pegou com cuidado, colocando-a sobre a mesa. Ao abri-la, envolta em uma pequena almofada de lã e penas, uma varinha de Salgueiro Sanguinário descansava ali. Na sua ponta, um cristal formado de âmbar carmesim refratava as pequenas partículas de luz que o atingiam.
— Então as bruxas realmente usam varinhas para conjurar feitiços? Achava que isso era apenas ficção.
A bruxa o olhou com uma expressão leniente, como se tentasse se lembrar que antes dele ser um sulfurizado com o poder de criar bombas com a palma da mão, ele era só um jovem humano comum em uma cidade de gente comum.
— Sim, Sião. Nós usamos varinhas para conjurar feitiços algumas vezes. Elas têm propósitos bem específicos, entretanto. Normalmente não preciso delas, pois a maioria das magias que uso não tem essa necessidade. Eu a chamo de Encanto da Selva Perpétua, em homenagem a quando esse lugar ainda não era conhecido como Selva de Concreto.
O sulfurizado apenas concordou com a cabeça, sem muito interesse. Ela sabia que conhecimentos desse tipo não eram muito populares nas gerações mais modernas, o que era uma pena, pois menos bruxas eram propensas a surgirem.
— Saquei, e você vai até lá assim? Com esses trapos todos acabados?
— Engraçado ouvir isso do homem que parece uma estátua de gesso e que vive totalmente pelado pra lá e pra cá. Pelo menos eu não tenho que ver seu “Siãozinho” balançando de um lado para o outro.
— Eu só o deixo dentro da minha virilha pra não o machucar, mas posso retirá-lo quando eu quiser. Inclusive, sabia que ele ainda funciona normalmente? Loucura, né?
A bruxa parou por alguns segundos e o encarou com uma expressão inexpressiva. Ali, Sião percebeu que a circunstância não se encaixava em seu senso de humor questionável e viu que deveria sair antes de chamar a atenção do lado negativo dela.
— É…eu acho que tenho que ir agora. Desejo boa sorte na sua caçada, bruxa. Espero que tenhamos outro dia para nos encontrar.
Enquanto o sulfurizado saía pela porta, Kalira ainda residia pensativa sobre as suas palavras antes dele mencionar seu órgão. Seria muito bom se ela pudesse vestir outra coisa mais protetiva, pois seu inimigo era especialista em combate a curta distância, o que coincidentemente era seu ponto fraco.
— Eu tenho que criar uma Veste das Irmãs do Massacre, urgentemente! Mas ainda não sei como fazer uma…merda!
Seus dedos desfaziam os botões que compunham sua camisa de botões, completamente suja por sangue seco. Nem mesmo ponderou em como iria lavar tudo aquilo, imediatamente incendiou a pobre peça de linho. Com um pano úmido, ela limpou suavemente o suor das crostas de sangue na parte inferior do seu pescoço, seus ombros e em seus seios. Ao finalizar, pegou a primeira camiseta largada no armário: uma peça de manga curta, justa e branca.
— Isso não são vestes de batalha, mas é o melhor que posso ter nesse momento.
A bruxa respirou fundo. Talvez quando chegasse lá, tudo poderia estar perdido. O templo vazio, a sacerdotisa poderia ter sucumbido ao poder da pílula ou Samir ter conseguido o que ele quer. Apesar de tudo, aquele era o seu domínio, conquistado com muito suor e esforço. Não deixaria qualquer um entrar em sua casa e fazer o que bem quisesse.
“Não vou mais me segurar dessa vez. Eu vou para o tudo ou nada!”
Um vento frígido entrou pelas portas e janelas, apagando todas as velas dentro do seu casebre. A escuridão mais uma vez reinava dentro do lar da bruxa. Suas sombras começaram a entrelaçar o seu corpo, invadindo sua intimidade, envolvendo nas trevas ancestrais que existem desde o início do mundo. Em alguns segundos, qualquer rastro de Kalira naquele lugar não existiam mais.
Em outro lugar…
As mãos de Sarisa exibiam machucados claros devido ao excesso de atividade. A energia divina constante poderia curar, mas também machucava. Seu vestido já estava manchado de suor e seu corpo mal conseguia se manter de pé. Mesmo assim, Samir permanecia sentado no chão, observando atentamente a jovem criar uma pílula atrás da outra. Até aquele momento, já existiam 82 pílulas feitas por ela. Buracos imensos no solo, sarcófagos destruídos, a água que residia dentro da câmara que a garota acordou já estava pela metade e o corpo de Marcus não existia mais. Seu processo alquímico estava consumindo quase tudo ao seu redor, produzindo pílula atrás de pílula.
— Eu só não mato aqueles dois idiotas lá em cima porque preciso deles para manter a vigilância! — esbravejou Samir. — VOCÊ SÓ SAI DAQUI ASSIM QUE TIVER TREZENTAS PÍLULAS NESSA CAIXA, ENTENDEU? ACELERA, PORRA!
Embora parecesse um dragão fissurado pela sua primeira pilha de ouro, sabia que seu recurso precisava de cuidados para manter a produção constante. Seu primeiro passo seria sair de qualquer região onde o Santo Império tivesse acesso fácil. Uma das Terras Independentes do Extremo Sul poderia ser uma boa opção. A garota precisaria ter sua saúde checada constantemente, alimentada com uma dieta nutritiva e rápida e ser sedada quando beirasse a exaustão. Porém, a parte mais difícil seria se manter na encolha por tempo o bastante para os Bakir o darem como morto. Enganá-los seria difícil, mas não impossível. O problema seria se eles quisessem contratar alguém das grandes casas. Um batedor Shirokage ou um Adivinhador dos Hecathia acabaria completamente com suas esperanças de sumir.
— Talvez eu acabe ficando aqui a noite toda…
De repente, a catacumba começou a tremer. Samir imediatamente olhou para a garota, talvez ela tivesse acertado alguma fundação, mas aparentemente ela permanecia fazendo a mesma coisa. Seu instinto indicava que algo estava acontecendo no andar superior. Será que o impossível tinha acontecido? O que quer que fosse, não poderia deixar atrapalhar a sua produção. Então, sons de disparos foram escutados. Samir recarregou sua Beretta e verificou os pentes do seu rifle. Finalmente já tinha circulado a energia pelo seu corpo e estava pronto para enfrentar qualquer desafio. Poderia até mesmo matar os dez mercenários que vieram consigo em menos de um minuto.
Alguns minutos antes…
Envolta em sombras, Kalira surgiu entre duas colinas, enquanto materializava o seu corpo. Imediatamente, seu olhar se deparou com os dois mercenários guardando a porta de entrada. Ela poderia tentar configurar alguma coisa para entrar furtivamente, mas estava sem tempo para isso. Sabe-se lá quantas armadilhas aquele mercenário deve ter colocado lá dentro.
“Eu vou começar com tudo!”
John e Jones estavam tendo o que parecia uma tarde tensa. Embora o perigo da bruxa tenha sido neutralizado, depois que Samir entrou dentro das catacumbas junto com a garota e o Marcus, não saiu mais. Quando o som do disparo ecoou por todos os andares até chegar na saída do templo, não tinha ninguém com vontade de descer e checar o que estava acontecendo. Samir era um homem vivido e esperto, não deveria ter sido nada demais.
— Graças aos deuses, já estamos indo embora daqui! — disse John, coçando o rosto.
— Não sabemos ainda se o capitão achou o que queria. Talvez devêssemos ter trazido um dos arqueólogos para cá.
— Eles devem achar alguma coisa que preste lá na casa da bruxa, ou sei lá. Talvez eles até estejam…você sabe, “aliviando a tensão” nela. Não sei você, mas colocando uma sacola ali naquela cabeça…era dentro sem medo.
Jones franziu os olhos enquanto o encarava.
— Na real, depois da quarta tequila, era sem sacola mesmo. Corpinho de quem acabou de sair da faculdade em alta, um desperdício da porra deixar em um lugar desse.
— Você sabe que não se deve cometer atos carnais com criaturas do Obscuro, não é? — questionou Jones, incrédulo. — Ouvi dizer que elas seduzem os homens e no momento em que eles chegam perto daquela “parte”, um monte de tentáculos saem de lá e começam a te puxar lá pra dentro.
John levantou uma sobrancelha.
— Por isso você é um cabaço, fica dando ouvido a essas merdas que falam na sua igreja. Só sei que se fosse comigo, era Paula Dentro, Paula Fora. A noite toda. Sem parar.
O mercenário fez uma expressão enojada ao ouvir tamanhas expressões profanas saindo da boca de John, mas não conseguia deixar de ter um pouco de curiosidade.
— Olha, não deveria levar as palavras do seu amigo tão levianamente — disse Kalira, a poucos metros de distância de ambos. — Eu realmente sei fazer esse truque com minha vagina. E todos os homens que passam por isso, não voltam para reclamar da experiência. É um momento um tanto especial, sabe?
Ambos os mercenários encararam a bruxa, como se estivessem vendo uma assombração. Seus instintos imediatos foram alcançar seus rifles e abrirem fogo como nunca antes em sua vida. A bruxa, vendo que estava a frações de segundos de ser peneirada, ergueu sua varinha e a estendeu para a direita.
— Forma das Trevas! — conjurou.
Seu corpo imediatamente foi envolto em uma escuridão viscosa e simbiótica, cobrindo-a completamente e deixando-a completamente irreconhecível. As balas que acertavam a área, eram envoltas em uma seiva escura e caíam completamente inofensivas, cobertas de âmbar.
— ELA NÃO ESTÁ MORRENDO! — gritou Jones.
John parou de disparar e pegou uma bomba em seu cinto e a acendeu.
— RECUE, JONES! VOU MANDÁ-LA PARA O SUBMUNDO COM ISSO! — bradou John.
No instante que Jones parou de atirar, a bruxa percebeu qual era o plano deles. Imediatamente, ergueu suas mãos até o alto e as abaixou em uma velocidade extrema. As sombras que envolviam o seu corpo sumiram, aparecendo nas sombras dos mercenários. De repente, nem Jones e nem John conseguiam mais se mover. Todos os músculos principais dos seus braços e pernas estavam completamente cristalizados.
— John! — disse Jones, rangendo os dentes. — Joga isso logo!
— Não dá! Eu não consigo me mexer! Isso vai explodir-
Como um timing impecável, sua esfera de metal e pólvora atingiu o ponto crítico. Um enorme estrondo, seguido de uma onda de choque e chamas pulsantes consumiram a carne, músculos e ossos dos dois mercenários, como também fez uma enorme cratera no solo sagrado e quebrou metade da entrada do templo de Malchi-Zarum. A bruxa soltou o feitiço um segundo antes da bomba explodir, dando tempo de se cobrir mais uma vez com as sombras e não ser afetada por tamanha força.
A única parte ruim da Forma das Trevas era que exigia o usuário estar com os pés no mesmo lugar, completamente incapaz de andar ou se mover.
“Sarisa, eu já estou chegando! Aguente mais um pouco.”
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