Capítulo 18 - Reencontro.
Hoje é o dia que devo me encontrar com Daichi Watanabe, o meu perseguidor. O dinheiro que tenho ainda não é o suficiente, mas ao menos o interrogatório de ontem me permitiu juntar um pouco mais. Falta menos de um terço do que ele me pediu, mas sei que ele é exigente quando se trata das dívidas que ele impôs aos outros.
Eu gostaria de levá-lo na lábia e conquistar sua caridade com meu papo, porém é difícil conversar com um homem tão frio quanto um cubo de gelo e quando a única coisa que queima em seu peito é sua ganância. Ele também é ardiloso, tentar convencer na barganha justamente quem me enganou não é uma boa ideia, afinal, minha experiência não se compara à sua.
— Kenji. — disse Satoshi.
Ao ouvir a voz de Satoshi, fechei meus olhos e me concentrei, respirando fundo e mentalizando. Logo eu estava dentro do meu espaço mental, observando a figura do meu companheiro ali, me encarando com um olhar confiante.
As vezes essa postura confiante de Satoshi me assusta, ele é um pouco tonto e em certos momentos seu raciocínio é tão rápido quanto uma tartaruga veloz, e tão esperto quanto uma porta. Talvez essa sua confiança ou nervosismo atrapalhem sua concentração e seu pensamento lógico… Meu tornozelo que o diga.
Passei a mão pelo meu tornozelo ainda levemente dolorido da queda depois de pular a janela quando persegui Senno e Satoshi não conseguiu infundir energia em meus pés a tempo.
— O que precisa, Sato? — respondi.
— Vamos tentar algo novo? — disse Satoshi.
Encarei ele, confuso. Imaginei que ele estivesse chateado comigo após soltar aquela frase sobre sua raça…
— Você não está chateado comigo? — falei.
— Esquece isso, Kenji. — Satoshi respondeu rapidamente, em um corte seco.
Ele não parecia ter esquecido. Talvez ele queira jogar essa pequena discussão para debaixo do tapete, já que temos que agilizar nossos processos e alcançar meu objetivo logo, não posso esquecer que ainda preciso ajudá-lo em sua parte. Afinal, nossa relação ainda é uma simbiose.
— Certo… Que novidade você quer tentar? — respondi.
— Comunicação. — disse Satoshi, me encarando.
Comunicação? As vezes Satoshi é confuso. Já nos comunicamos, o que será que ele quer a mais?
— Como assim? — indaguei.
— Sempre que nos comunicamos, vaza informações da sua parte e até mesmo podem ouvir seu lado da conversa. Isso é prejudicial para sua vida social em meio a tantos colegas de trabalho e pessoas, e em meio de combates onde para oponentes mais experientes e atentos descubram nossas estratégias. — respondeu Satoshi.
— E como resolveria isso? — perguntei.
— Aprimorei minhas habilidades místicas e expandi minha consciência com a sua. Talvez eu seja capaz de fazer você transmitir seus pensamentos para dentro do espaço mental, eliminando a necessidade da fala. — respondeu.
— Isso não transformaria todos os meus pensamentos em comunicação? Isso poderia ser meio constrangedor e até uma falta de privacidade. — disse.
— Não todos, apenas os identificados como comunicação, fica tranquilo. — respondeu.
— Entendido.
— Vamos, se concentre um pouco e pense em algo que queira falar pra mim. — disse Satoshi.
— Certo…
Me concentrei e mentalizei a mensagem que queria passar para Satoshi, e então disse em pensamentos.
“Me desculpe pela conversa de ontem, Satoshi. Não era minha intenção. Eu não sei ao certo pelo que passaram, nem mesmo a verdadeira realidade de seus corações, mas sei que nem todos vocês são maus, e que qualquer um pode abrigar a maldade. Quando ouvi o interrogatório de Yachi, notei que os Senno foram vítimas e que derrotando Hanran, favoreci a maldade dos Honda. Yachi falava de forma tão… Ele dizia de forma fria e cruel, e as coisas que ele fez. A maldade nele.”
— Está tudo bem, Kenji. Não gosto dessas atitudes, mas posso dizer que entendo… E sim, Yachi e sua família são cruéis, sua essência é má, e eu pude perceber isso também. — respondeu Satoshi.
— Eu vou tentar ser mais compreensivo e prestar mais atenção nesse lado da sociedade…
— Fica tranquilo. — respondeu Satoshi.
— Essa capacidade que você desenvolveu é incrível… Evita muitos problemas. Obrigado, e parabéns Sato.
— Não é nada demais. — respondeu.
Após a breve conversa, abri meus olhos e fui arrumar minha casa e me preparar psicologicamente durante alguns minutos para o que estava por vir.
Eu sinto falta da minha mãe, e eu espero que ela esteja bem.
— Kenji, nós podemos usar isso para nos comunicar durante sua conversa com Daichi. Talvez, dependendo das falas dele eu consiga te auxiliar. — disse Satoshi.
— Realmente. É muito útil, porém receio que nesse caso não. Não acho que a conversa seja o suficiente para lidar com ele. — respondi.
— Não custa tentar. — Satoshi falou.
— É… Então vamos ver logo logo. — respondi, encarando o celular por alguns segundos.
Guardei o celular no bolso, erguendo a cabeça e olhando em frente, segui para fora de casa e a tranquei.
— Chegou a hora.
Nervoso, segui até o local indicado, caminhando rapidamente até o ponto de encontro.
Após alguns minutos de caminhada, cheguei até o local. Um velho galpão.
O lugar era sujo, e as cores das paredes estavam desbotadas com a poeira que as cobria. Algumas de suas janelas estavam quebradas, e tinham alguns pingos e marcas nelas, provavelmente de tinta. Seu grande portão de metal estava começando a enferrujar, com sua aparência se alaranjando para o tom da ferrugem.
Era assustador como o estômago de um monstro gigante. Suas paredes pintadas de um vermelho escuro, que estava desbotado pela poeira, fazia parecer que sangue havia escorrido sobre elas. As janelas quebradas apenas afirmavam a corrosão do tempo, e aquele portão entreaberto gritava que o monstro não era o galpão, e sim quem estava ali: Daichi Watanabe.
Dei um passo lento à frente e caminhei cautelosamente até o portão enferrujado. Estiquei o pescoço e me inclinei para o lado para conseguir enxergar dentro do galpão.
— Tenha calma, Kenji. Ele não vai fazer nada sem antes conversar com você. — disse Satoshi mentalmente.
— Eu sei… — respondi mentalmente.
Estendi minha mão até o portão, forcei-o para o lado esquerdo e tentei o abrir. O forcei, porém ele não saiu do lugar, estava emperrado.
Coloquei as duas mãos no portão e então apoiei meu corpo nele e o empurrei com força. O portão se moveu e emitiu um rangido agudo de metal, e então eu consegui o abrir.
A atmosfera no lugar era sombria e assustadora, e a pouca iluminação favorecia o sentimento de mal-estar ali dentro.
Dei passos lentos para dentro, olhei ao redor atentamente e então meus sentidos se alertaram quando ouvi uma baixa batida no chão, alguns metros à frente.
— Olá, Kenji. — disse uma voz familiar, levemente rouca e grave.
Me arrepiei imediatamente. Meus sentidos se alertaram e por um breve segundo me senti tonto.
Sua voz vibrou e permeou minha mente, me mergulhou em lembranças, pensamentos e sentimentos que me fizeram tontear e cambalear dois passos para trás.
— Está tudo bem? — prosseguiu a voz de forma cínica.
Me firmei no chão, pisei forte e me estabilizei novamente. Pressionei minha mandíbula, e semicerrei os olhos encarando a silhueta que estava na minha frente.
— Olá, Daichi. — respondi secamente.
De repente, uma luz se acendeu e iluminou todo aquele lugar de uma vez só em um instante, revelando as figuras que se encontravam ali.
Ali estava Daichi: um homem de cabelos grisalhos curtos, com uma feição cansada mas “simpática”. Um bigode elegante grisalho que se afina nas pontas e uma altura acima da média, além de uma pele levemente enrugada, maltratada pelo tempo.
Daichi era magro, e seus longos e finos dedos o tornavam ainda mais estranho, se assemelhando a alguma criatura.
Meus instintos gritavam para mim fugir ou lutar, mas eu sabia que não podia fazer nenhum dos dois. Então ouvi sua voz novamente.
— Trouxe o dinheiro?
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