Capitulo 22: Sincronização
O processo de Sincronização estava prestes a começar. Jasper analisava cada pedaço da armadura negra flutuando à sua frente sob o poder do Ceifador, mas ainda sentia que algo estava faltando.
— Então… sei que pode soar um pouco mesquinho da minha parte, mas… teria como fazer uma espada para mim? — perguntou, hesitante. Diferente de quando conversava com o Caçador, não queria ser desrespeitoso com Osíris. — Meio que destruí a minha antiga, e sem uma arma sou bastante inútil.
Um longo minuto de silêncio se seguiu entre ambos.
A expressão cadavérica do Desperto não vacilava, enquanto o rosto oculto sob o elmo do garoto denunciava um desconforto crescente.
— Claro. Apenas preciso que me diga suas preferências.
Um dos Coletores aproximou-se, trazendo pedaços de carapaça como se já soubesse que seriam necessários.
Provavelmente, Osíris havia feito o pedido mentalmente, o que explicava o tempo em que permanecera estático.
Uma fina camada de névoa esverdeada envolveu os materiais, conduzindo-os na direção do Ceifador, era assim que sua telecinese se manifestava.
Após ouvir a breve explicação do que Jasper desejava, Osíris fechou a mão, condensando tudo em uma única massa e puxando consigo alguns fragmentos de código.
Os olhos atentos de Jasper seguiam o movimento dos códigos que giravam em torno do metal orgânico, formando linhas luminosas que se entrelaçavam em padrões quase hipnóticos.
O brilho esverdeado refletia no visor do elmo, revelando um olhar curioso, fascinado, como o de uma criança diante de um novo mundo.Osíris percebeu o interesse imediato.
Um leve sorriso, quase imperceptível, surgiu em seu rosto cansado, e sua voz ecoou calma, sem que Jasper sequer precisasse perguntar:
— A base de tudo está aqui… nos Códigos. — Moveu a mão, e as linhas de luz responderam como serpentes obedientes, moldando a matéria. — Imagine-os como pequenos bancos de dados vazios. Usando o Miasma como fonte de energia, é possível inscrever informações dentro deles, e essas informações alteram a realidade conforme o propósito de quem as cria.
Os símbolos começaram a se alinhar em torno da massa metálica, formando o contorno de uma lâmina. Jasper deu um passo à frente, instintivamente.
— Então é assim que se cria… qualquer coisa? — murmurou, sem conseguir esconder o espanto.
— Qualquer coisa que se compreenda. Quanto maior o efeito, maior a complexidade. E quanto maior a complexidade, maior o gasto de energia, e o risco de falha. — Osíris baixou o olhar, a voz em tom de aviso.
Linhas de luz deslizaram pelo contorno recém-formado, traçando a lâmina negra de uma espada longa, simples, equilibrada e elegante.
O cabo, porém, assumiu um formato cruzado, quase sagrado, com um pequeno cristal azulado no centro, emitindo uma aura suave da mesma coloração.
A lâmina desceu lentamente, flutuando até parar diante dele. Um sopro etéreo percorreu o ambiente, frio, mas não hostil.
Jasper estendeu a mão sem hesitação. Assim que tocou a arma, uma descarga suave percorreu seu braço.
Seu Sentido do Vento, antes enfraquecido pela ausência da armadura, intensificou-se.
Era como se sua energia fluísse diretamente do Núcleo até a espada, sem resistência, sem esforço. Eram os Canais de Mana, criados por Osíris, que permitiam tamanha eficiência.
Se aquilo já era possível apenas com sua nova arma… qual seria o efeito quando a verdadeira Sincronização estivesse completa?
Respondendo ao pensamento de Jasper, os Coletores moveram-se ao seu redor com precisão cerimonial, cada um carregando uma parte da armadura.
— Hã? Espera, calma… você não tem nenhuma dica ou conselho antes de começarmos? — perguntou, ansioso, olhando diretamente para o Ceifador.
Mais um longo momento de espera se instalou. Osíris permanecia imóvel, o olhar fixo no vazio, enquanto os Coletores também aguardavam, como estátuas à espera de um comando.
— Eu confio em você.
Aquelas quatro palavras, simples e diretas, atravessaram Jasper como uma lâmina. Lembranças fragmentadas de seus sonhos se uniram, formando um mosaico de memórias quase esquecidas.
Por um instante, o peso de todas as dúvidas e medos que o aprisionavam pareceu se dissolver.
Era como se Osíris tivesse lido sua mente e dito exatamente o que ele precisava ouvir.
Certo… estou pronto.
Peça por peça, os Coletores encaixaram os componentes.
O primeiro fragmento, colocado sobre o ombro esquerdo de Jasper, aderiu à pele como se fosse parte dela, moldando-se com movimentos suaves e orgânicos.
Um leve estremecimento percorreu seu corpo. Não era dor, mas uma estranha sensação de fusão, como se sua carne estivesse sendo reconfigurada.
O peitoral envolveu seu tronco, comprimindo seus músculos, como se buscasse sincronizar o batimento de seu coração ao da própria armadura.
Quando as grevas cobriram suas pernas, Jasper quase caiu de joelhos. Uma onda de magia percorreu sua espinha como uma descarga elétrica.
Por fim, o último fragmento — uma placa negra marcada com o símbolo de Condor — foi cravado no centro de seu peito.
Um brilho intenso o envolveu e, por um instante, seus olhos se apagaram sob o elmo.Os circuitos estavam alinhados.
A Sincronização havia começado.Todo o salão mergulhou em um silêncio absoluto. Nenhum dos Coletores ousou se mover. Nem mesmo Osíris, acostumado a lidar com códigos complexos e processos arriscados, sabia o que iria acontecer.
O corpo do garoto permanecia ereto, completamente imóvel, os braços soltos ao lado do corpo.
A armadura recém-fixada parecia pulsar em um ritmo estranho, como um organismo que ainda não havia decidido se aceitaria ou rejeitaria o hospedeiro.
— Que anticlimático… Por quanto tempo ele vai ficar paradão desse jeito? — resmungou o Caçador, esperando algo bem mais impactante do que aquilo.
— Tudo depende de ele encontrar a resposta dentro de si. Agora… acho que tenho assuntos a resolver com vocês dois, convidados inesperados.
As veias escuras de Osíris começaram a brilhar em um tom esverdeado, revelando que sua energia radioativa estava em plena circulação.
Em oposição, o olho do ciclope ósseo, que agora mantinha o olhar fixo no Ceifador, emitia um clarão vermelho e ameaçador.
— Não sou de bater em deficiente, mas se você está se oferecendo pra apanhar, a culpa não é minha — zombou, sem se intimidar com a presença poderosa de Osíris.
Kaern avançou um passo, rosnando, pronto para saltar e iniciar o confronto ao lado de seu líder.
Suas presas afiadas refletiam a luz pálida da lua subterrânea, suspensa logo acima, como um olho silencioso observando o desenrolar de tudo.
O Ceifador estendeu a mão na direção deles.
A névoa espectral se condensava entre seus dedos, dançando como uma chama fria, enquanto as pedras soltas do templo começavam a se desprender, flutuando ao redor em um turbilhão silencioso.
Levantando os braços, o Caçador bloqueou alguns poucos estilhaços que chegaram até ele, acompanhados de uma intensa nuvem de poeira.
Aí vem ele! pensou o ciclope, finalmente sentindo um pouco de empolgação depois de tanto tempo entediado no subsolo.
Então, de repente, tudo parou.
O redemoinho de detritos cessou, e as pedras, antes ameaçadoras, começaram a se reorganizar lentamente à frente do Ceifador.
Em poucos segundos, o turbilhão de destruição se transformou… em uma mesa de pedra, lisa, firme, acompanhada de duas cadeiras improvisadas.
Um silêncio constrangedor pairou no ar.
— Perdão pela recepção pouco calorosa de antes — desculpou-se, abaixando a cabeça antes de tomar assento à mesa que acabara de construir. — Cuidar dos mecanismos enferrujados deste templo é um pouco desgastante, peço que compreendam.
Os punhos ossudos do Caçador se cerraram, enquanto suas placas ósseas trepidavam, irradiando um brilho vermelho, como se estivessem prestes a explodir.
— Tá de sacanagem? Depois de todo esse showzinho, você espera que eu simplesmente me sente e tome um pouco de chá?
— A intensidade é necessária para se obter precisão — respondeu Osíris, impassível, como se proferisse uma lição filosófica. — Além disso, as cadeiras estão perfeitamente niveladas.
O chão ao redor começou a tremer, reagindo à energia instável do ciclope ósseo, que distorcia o ar à sua volta com o calor liberado.
De repente, o ar foi tomado por um aroma estranho, uma mistura de minerais aquecidos, carne cozida e algo que lembrava enxofre doce.
Marchando em silêncio, os Coletores surgiram carregando bandejas feitas de pedra negra e recipientes translúcidos, repletos de algo que borbulhava suavemente.
Sobre a mesa, depositaram pratos com cortes de criaturas luminescentes, cogumelos de coloração azulada e pequenos frutos malformados.
— Espero que não se importem com as iguarias locais — comentou, erguendo uma das mãos em um gesto breve. — São as poucas fontes de energia estáveis que ainda nos restam no subsolo.
Quando voltou o olhar para os dois Despertos, congelou por um instante.
O ciclope já estava à mesa, mastigando um pedaço de carne incandescente que sibilava a cada mordida, enquanto o lobo metálico rasgava sorrateiramente um fruto pulsante com as presas, deixando o suco escorrer pela mandíbula.
— Hm… até que não é ruim — murmurou o Caçador, cuspindo uma fagulha de vapor. — Tem gosto de ferrugem… mas com tempero. Você deve gostar de ter esse lugar todo cheio de servos obedientes.
Osíris gesticulou em negação com a cabeça.
— Eles não são meus servos, e este subsolo também não me pertence. Minha relação com todos aqui é de mutualismo apenas.
Com um simples movimento dos dedos, alguns pratos começaram a se erguer sozinhos, flutuando na direção dos Bestiais.
Um filete de energia verde conectava cada um deles à palma de Osíris, como marionetes em um espetáculo espectral.
Pareciam participar de um piquenique macabro, partilhando pedaços das estranhas iguarias e batendo as mãos umas nas outras como se brindassem, enquanto riam compulsivamente.
O Caçador soltou uma risada rouca, carregada de cinismo, o som reverberando pelo salão como o estalar de ossos.
— Faz sentido, faz todo o sentido… — disse entre uma mordida e outra. — Afinal, não é como se você estivesse sustentando uma pirâmide inteira com as últimas migalhas de Miasma deste lugar.
Ele apoiou o cotovelo sobre a mesa improvisada, o olho vermelho semicerrado, brilhando em tom zombeteiro.
— Mutualismo, claro… — continuou, mexendo o pedaço de carne com a ponta de uma garra. — A diferença é que, no seu caso, as formigas trabalham felizes enquanto o formigueiro inteiro gira em torno do seu trono.
Osíris permaneceu impassível. Nem um músculo de seu rosto se moveu e, de algum modo, esse silêncio pesou mais do que qualquer resposta.
O Caçador apenas riu novamente, desta vez, mais baixo, cuspindo um pouco de vapor que se dissipou no ar frio.
— Isso tudo vindo de um ex-membro dos Malwares, um grupo que buscava a libertação das amarras da Igreja Amaldiçoada, é bem hipócrita, não acha? — Encostou-se na cadeira, cruzando os braços. — Mas relaxa, Ceifador… eu até admiro esse tipo de mentira bem contada.
Sem precisar tocá-la, a cadeira de pedra em que Osíris estava sentado deslizou para trás, rangendo sobre o solo e abrindo espaço para que ele se erguesse.
Sua postura corcunda acompanhava cada passo enquanto avançava em direção à extensa escadaria do templo.
— Entendo… diante das condições deste subsolo, essa é, de fato, a proposição mais lógica. Porém… essa é uma conclusão à qual apenas os ignorantes chegariam.
O teto tremeu com violência.
Uma chuva de poeira desabou em cascata, logo seguida por um raio escarlate que rompeu a rocha com brutalidade, abrindo um rasgo colossal de ponta a ponta.
A energia residual do disparo reverberou pelas paredes, fazendo o ar vibrar como se estivesse prestes a se despedaçar.
Osíris ergueu a cabeça devagar, o olhar sereno, como se já esperasse aquilo.
A névoa espectral que envolvia seu corpo ondulava com a onda de choque, reagindo à força do impacto.
— A pirâmide não foi construída para monopolizar o Miasma deste subsolo — a voz soou fria, quase profética. — Ela existe para manter viva a última guardiã deste deserto condenado… e prepará-la para o que está por vir.

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