Capítulo 158 — Abaixo de um desastre
Em Egon, uma lenda ficou conhecida ainda quando Liam era vivo. A lenda de como o general Destroyer foi capaz de criar abalos sísmicos por todo o continente, não apenas isso, afetando todo o mundo.
Não era uma lenda, foi a realidade. Realizado com um único soco…
Todavia, tudo o que Liam sentiu foi: nada.
Ele não se culpou pelas consequências de destruir vilarejos e danificar uma região inteira. Ao contrário de Malcolm…
— Lilzing… — disse Theo, optando por chamar Malcolm pelo sobrenome: em Mikoto era sinônimo de extremo respeito.
— Oi…
O vento assobiou entre eles.
— Você está bem? — perguntou caminhando até Malcolm.
Theo subiu no corrimão da torre e se segurou no pilar.
O general da primeira Legião suspirou forte.
— Não.
Aquela resposta já era algo esperado por Theo.
— Talvez não tenha acontecido com você, mas… Imagine a sensação de ter a força para destruir, mas não para conter a destruição.
“É… Ele tá pensando nisso.” Theo concluiu.
— Se o Nietsz não tivesse bloqueado as dimensões do ataque, provavelmente essa torre em que estamos, deixaria de existir. Todo aquele horizonte, assim por dizer. O impacto foi forte o bastante para danificar as máquinas dos hospitais, a luz das cidades e até os transportes… Aqueles bondinhos deixaram de funcionar por algumas horas e vários ficaram presos.
Theo olhou para o Corta-Céu, que funcionava normalmente naquela noite tempestuosa.
— Nos últimos dias, diversas pessoas faleceram nos hospitais e máquinas elétricas perderam o rumo, causando inúmeros acidentes. Entende, Theo? Isso foi apenas em Kiescrone. O mundo está muito… além disso.
Ele fungou.
— Quantas vidas eu destruí tentando matar um garoto?
— Olha quem era esse garoto.
— Eu sei! Mas existiam outras formas!
— Não, cara. Não existiam. Sim, tá bom, você gostaria de prolongar a luta e envolver mais do que nós? Olha, sem parecer antipático, mas a culpa é tua mesmo. Não tem como negar este fato.
Malcolm não teve reação.
— Desculpa, não é o que você quer ouvir, eu sei. Mas, veja bem… Quem se importa? Eles vão apontar o dedo na sua cara, mas logo vão dizer: eu faria de tudo para tê-los de volta. E você fez de tudo para ficar vivo. Não é um problema nem pecado se por acima, como prioridade. O ego não é ruim. Foi pelo ego que você está aqui. E graças a você que estou aqui, todos aqueles lá embaixo provavelmente.
Theo sentou-se ao lado de Malcolm no corrimão de concreto.
— Não tem cabimento você se culpar por exercer sua função como general.
— Não é assim que a mente humana funciona…
— Eu sei! Já vi um vilarejo inteiro de pessoas importantes, para mim, queimar numa manhã bela. Cadáveres por cada ângulo, já vi o espirito da morte tantas vezes que olha, acho que tirei muitos da morte pelo tanto que ela esteve ocupada comigo. Eu convivi com uma culpa descomunal e com medo de seguir em frente. E, sinceramente? Se você continuar se culpando, não vai largar isso. Então, maluco, que se foda.
O general riu das expressões de Theo.
— Se você não enfrentar essa culpa, vai morrer agoniado. E, se enfrentar muito ela, não vai conseguir superar — concluiu.
— Belas palavras… Bom, não tão belas assim. — Malcolm sorriu, mas desabou num choro raso e controlado. — Mas, como eu já falei: a mente humana não é assim. Você não foi o primeiro a querer vir me tirar dessa sensação…
— Tô ligado. Não vai ser hoje, amanhã, talvez nem próximo mês. Mas… Só tenta manter um pensamento positivo, beleza? Não pensa besteira, cara.
— Relaxa. Você foi melhor do que o Nietsz e o Zemynder.
Theo gargalhou, pois imaginou perfeitamente como Zemynder pressionou Malcolm.
Parando com a risada, Theo deu um leve empurrão com o ombro.
— Você é um filho da puta, seu lixo. — Theo xingou.
— Quê?
— Eu vim aqui para te xingar, mas acabei sendo conselheiro. Você pediu licença para Jeanne, e isso acabou sobrando para mim! Agora terei que fazer todas suas tarefas…
Malcolm riu a ponto de largar sua expressão depressiva.
— Otário! — exclamou o general, enxugando os olhos.
— Sinceramente, agora quero mais é que você morra. Mas, pelo menos, arranquei uma risada de ti.
Lilzing segurou o estômago após tanto rir.
— É… — assou o nariz. — Valeu. Boa sorte nas tarefas.
— Tô para te empurrar daqui de cima, infeliz!
Os dois generais de mundos, agora não tão diferentes, sorriram por mais alguns minutos.
Subúrbio de Kiescrone, Sub-zona Sul
A tempestade tornava o território de Kiescrone com ventos violentos e um som estrondoso.
Theo caminhava por uma viela ao lado de Moris, presos entre as casas e degraus mau-construídas. O Titã estava completamente em alerta, já que a sensação de andar naquela região era a de algo apontando uma arma de fogo para sua cabeça.
Mas, ao mesmo tempo que alerta, Moris estava inquieto com o estado daquele lugar.
Um reino rico deixando aquela situação acontecer…
Crianças, vez e outra, apareciam nas portas com grades de ferro. Eram tão desnutridos que o Titã só podia sentir algo em comum com Theo: pena daquela situação.
Chegava a ser irônico, um reino tão rico e próspero, habitar tanta pobreza e miséria.
Aquela realidade era comum para Liam Mason, que se tornou um agente de alto escalão realizando missões no subúrbio da capital de Egon, que, por sua vez, tinha uma situação ainda mais precária.
As memórias de Liam estavam frescas na mente de Theo, devido à assimilação de corpo e alma, então o rapaz estava se lembrando daquela sensação como se ainda estivesse preso naquela rotina.
Theo ficou incomodado, mas Moris estava realmente sendo afetado pelo ambiente.
A situação amenizou quando eles chegaram a uma rua principal, onde mesmo com a pobreza e desgraça, as crianças brincavam e os vizinhos sorriam.
Um garoto chutou uma bola pela rua de paralelepípedos.
Tentando descontrair, Theo questionou ao Titã: — Como era o papai?
— Hã?
Um raio rasgou o céu.
Moris raciocinou por um instante…
Ele não sabia explicar.
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