Capítulo 102 — Novo trabalho.
De forma circular, Kevyn mexeu uma colher sobre a panela com frango e alho. No momento certo, jogou extrato de tomate e creme de leite.
“Eu sou um adulto? Nós fizemos aquele ritual esquisito, aquela massagem estranha…”, o garoto girou sua colher pela panela, misturando os ingredientes de maneira homogênea.
“Às vezes me sinto forte, às vezes fraco, assim como um Strogonoff, mas é isso que quer dizer?”, ele bateu sobre uma tábua de corte. Aos céus, diversas azeitonas, em um instante, inteiras; no outro, Kevyn pegou suas sementes enquanto suas partes picadas caiam sobre o molho.
Ajeitando sua bela tábua, ele sorriu. Indo até a geladeira, viu que não tinha milho, mas o que isso poderia significar?
“Vou precisar fazer compras, pelo menos tenho mil grafos guardados, só isso já deve ser o bastante para viver uns dois anos?”, pensou e voltou ao fogão, desligando o fogo do arroz.
— A comida na geladeira não vai durar nem uma semana — disse baixinho.
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Logo após terminar o almoço, o príncipe caminhou pela trilha de pedras e chegou até a cidade. Não podendo se perder mais, ele resolveu deixar um rastro de mana por onde passava.
Brevemente ele chegou a um supermercado, e dentro dele, as pessoas pelas quais se aproximava ou correram para outro setor, ou tremiam de medo.
Kevyn não percebeu aquilo e apenas continuou comprando o que achava ser necessário, mas não só para si, como para sua amada.
Entretanto, a sua falta de percepção não durou muito. Ao chegar no caixa, o garoto pôs suas compras sobre a esteira, mas a pessoa ali sequer conseguia falar algo devido ao seu medo.
“Eu estou sem minhas lentes, eu dou tanto medo assim?”, fitando a sua volta, o príncipe pôde ver diversas pessoas amedrontadas.
De repente, um homem veio até o caixa e cochichou para a atendente lhe dar licença. A pessoa saiu e ele tomou seu posto.
O jovem encarou o senhor de cabelo preto e olhos amarelos e perguntou:
— Você não tem medo de mim?
Ajeitando seu terno, o respondeu: — Medo de você? Por que eu teria medo de uma criança? Eu sou o gerente desse mercado e se tiver que comprar aqui de novo, é só me chamar para atendê-lo, criança de raça superior.
Assustado, Kevyn inclinou a cabeça. — Tudo bem…
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De volta às ruas, agora com algumas sacolas em suas mãos, o jovem suspirou e olhou para uma loja. Na frente dela tinha: “Procurasse empregados”, ele olhou para aquilo e se animou.
Ao entrar no local, o príncipe se aproximou do caixa, mas o atendente já estava com medo. Nada surpreso, o menino deu as costas e saiu.
— Talvez alguém não tenha medo, só preciso tentar — disse para si.
Assim, novamente tentou. Procurou, a loja entrou, o horror reinou. Como um monstro, ninguém olhou para ele sem fraqueza e Kevyn continuou e de novo tentou.
Mas foi falho.
Quantas vezes foram? 10? 20? Sem ao menos contar, o jovem vagou de cabeça baixa até encontrar a mesma sorveteria que foi com seu pai e mãe…
“Se todos somos tons de cinza, podem existir tons mais escuros e outros mais claros? Eu queria tanto tomar um milkshake… com ela… mas não posso”, ele deu um passo à frente e ignorou sua vontade. Todavia, ao final daquela rua, uma casa com a porta azul esverdeada.
Um lapso de memória.
Quando viu a porta, Kevyn reconheceu imediatamente a residência de Purryn, a amiga de sua mãe.
Passo por passo, se aproximar. Decair, pés a alcançar. Ao mover o braço, tocou. O toque, na porta, algo que não daria para voltar.
Quando foi atendido, o garoto viu uma mulher de cabelo ruivo e olhos de caveira. Suas roupas eram causais e ela sorriu para ele. A única a não temer seus olhos. O único a não temer seus olhos.
— Kevyn, você realmente veio me visitar, hein?
— Você não tem medo dos meus olhos? — Surpreso, tímido, ele deu um passo para trás.
Surpresa, sorrindo, ela deu um passo para trás. — Medo dos seus, hein? Fico surpresa por você não ter dos meus… kuku. Venha, entre.
Vendo-a entrar para dentro, o príncipe se viu forçado a acompanhá-la. Aquele mesmo corredor, tudo não pareceu mudar. Nervoso, os quadros o assombravam, aqueles rostos desconhecidos, mas… um deles de sua mãe…?
— Eu sinto muito — disse Suedrom.
Kevyn sentiu uma leve fisgada. — Obrigado.
Ao chegarem na sala, sobre a mesa estavam duas xícaras fumegantes. Como sempre, um local tão oriental e calmo. Mas dessa vez, algo há de se perceber, as janelas não refletiam o lado de fora, eram a pura luz.
— Vá, sente-se — Ela ofereceu para ele sentar-se sobre o sofá maior.
O garoto então se sentou no final do aconchegante móvel, mas quando olhou para a mulher, ela estava com uma xícara na mão, oferecendo-a.
O príncipe aceitou, ela pegou o outro recipiente e ficou ao lado dele. Mais uma vez, eles estavam um do lado do outro.
— Kevyn, qual é o seu objetivo?
— Objetivo?
— Qual é o seu sonho?
— Meu sonho?
— Você sente essa solidão?
— Solidão…
Purryn tomou um gole do chá. — Pequeno, eu sei que você não tem vontade de matar e que seu objetivo é cuidar dela.
— Dela… você diz a Night? — Kevyn olhou de canto para ela.
— Sim.
— Acho que meu objetivo atual é arrumar um trabalho. Meu sonho é…
— Você não tem um ainda, não é?
— Não, dessa vez não. — Ele encarou sua xícara de chá e viu seu próprio reflexo. — Eu quero poder viver.
Um sentimento ¹invólucro de dor e compaixão foi sentido por Learza. O quão irônico aquilo era? O quanto a fez arrepiar? Sem conseguir dizer nada, ela passou seu braço por trás do pescoço dele e deitou sua cabeça em seu seio.
Apático, Kevyn arregalou seus olhos pela reação dela e desviou o olhar.
— Kevyn, eu tenho um trabalho para você. Durante a noite, procure por um beco, lá vai ter uma porta azul esverdeada. Mas por favor, esconda seu rosto com uma máscara ou pano, hein?
— Como assim? Qual é o trabalho? — O garoto encarou-a.
— Eu vou ser a patroa e é isso que você precisa saber, se quiser alguma informação, pergunte ao Jeremy, kukuku. — Ela riu.
Purryn soltou o menino e então tomou outro gole de sua xícara de chá.
Observando-a tão bela e distorcida, o menino se sentiu oprimido por um breve momento, mas lembrou: “Ela parece a Night e… esses olhos não ajudam, hehehe…”, o príncipe levou sua mão até a testa de Suedrom e perguntou:
— Qual é o seu nome? Você é a mãe da Night?
Surpresa, ela sorriu meio nervosa e respondeu: — A-ahm?! O quê?! Meu nome é Etubezaab Suedrom Learza, mas… mãe da sua espada?! Ah! Não é bem assim, mas é, e…
Sem nem precisar saber se ela estava mentindo ou não, o príncipe sorriu.
— Etubezaab, hein? Que nome bonito e complexo.
— Que exagero… — Desviou o olhar.
— Bem, não importa, não precisa responder minha segunda pergunta. — Kevyn retirou sua mão e deu um gole em seu chá.
Purryn olhou para a mesinha, a televisão, coçou seus olhos e suspirou. “Ele tem o charme dos pais. Mas… afinal, não demorou muito pra ele deduzir isso, não é? Vai ficar tudo bem”.
— Kevyn querido…
…você têm medo…
…da Morte?
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Night acordou e, mesmo de olhos fechados, procurou por seu amado com suas pequenas mãos, mas nada. Preocupada, ela arregalou suas pálpebras e olhou por todo o quarto.
A demônio se levantou e procurou no banheiro. Nada. Ela pegou seu sobretudo e correu para o andar de baixo, mas lá, também não achou nada, ou pelo menos, não ele.
No fogão, a comida preparada por Kevyn, aquilo tranquilizou a garota, que arrumou seu almoço e pôs seu prato sobre a mesa.
“Aonde você pensa que foi sem me avisar? Como eu vou cuidar de você se ficar longe?”, com certa raiva, ela misturou o strogonoff e o arroz.
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¹ invólucro — Aquilo usado para cobrir, revestimento, cobertura.
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