Capítulo 54 - A empregada secreta do conde (7)
Renica, lutando para conter as lágrimas, fez o possível para manter o controle, apesar do choque. Paula a observava e percebeu que não era a primeira vez que Renica passava por um trauma tão profundo. Naquele momento, Paula não conseguiu oferecer sequer o menor conforto.
Quando se despediram naquela manhã, Renica parecia alegre, um contraste gritante com a sua atitude dos dias anteriores. Mas Paula pôde ver a tristeza escondida por trás do sorriso forçado.
“Tudo o que quero dizer é, não confie em ninguém aqui.”
Não confiar em ninguém… isso incluía Vincent também? Paula se perguntou, então balançou a cabeça. Ele havia feito uma promessa, trazê-la de volta para a propriedade, encontrá-la novamente. Não havia engano em seus olhos quando fez esse juramento.
Quando a carruagem começou a se mover, Paula olhou pela janela, observando a mansão recuar à distância. Quando havia chegado, a grande propriedade parecia, ao mesmo tempo, maravilhosa e estranha.
O mestre, Vincent, era temperamental, e servi-lo muitas vezes parecia uma tarefa perigosa. Houve momentos em que ela pensou que não sobreviveria ao dia. No entanto, com o tempo, conheceu seus convidados, se misturou com a nobreza e enfrentou vários desafios…
Tantas coisas aconteceram. Agora, todos aqueles momentos se tornaram memórias preciosas. E, no entanto, uma nova preocupação se enraizou em seu coração, como Vincent se sairia, ficando sozinho naquela mansão?
“Uma nova empregada vai ocupar o meu lugar?” Paula perguntou, desviando o olhar da janela para olhar para Isabella, que estava sentada à sua frente. Isabella derramou chá em uma xícara e a entregou a ela. O calor da xícara era reconfortante em suas mãos.
“Eu vou ocupar o seu lugar,” Isabella respondeu.
“Você, senhorita Isabella?”
“Sim. O mestre instruiu que ninguém mais fosse contratado para servi-lo.”
‘Eu vou te trazer de volta. Eu prometo.’
As palavras de Vincent ecoaram na mente de Paula, e pela primeira vez, ela percebeu o quanto ele havia sido sincero. Ele realmente tinha a intenção de trazê-la de volta. Ela havia duvidado dele no começo, mas agora seu coração se enchia de emoção, e um nó se formava em sua garganta. Ao mesmo tempo, um sentimento de saudade a dominava, ela já estava começando a sentir falta da mansão.
Paula se encostou na janela enquanto a carruagem balançava pela estrada áspera da floresta. Ela deu um gole no chá, esperando acalmar a crescente inquietação em seu coração.
Logo, suas pálpebras ficaram pesadas. Ela podia ouvir fracamente Isabella falando, mas sua voz se tornava distante, como se estivesse sendo ouvida debaixo d’água. A visão de Paula ficou turva, e, antes que percebesse, seus olhos se fecharam.
De repente, Paula acordou com um sobressalto.
Ela se endireitou de onde estava encostada na janela e olhou ao redor. A carruagem havia parado.
Já haviam chegado? Parecia que ela tinha cochilado por apenas um momento, mas não conseguia lembrar claramente. Aos seus pés, a xícara vazia rolava, ela devia ter adormecido sem perceber.
Nesse momento, a porta se abriu, e Isabella estava lá, olhando para ela.
“Desça,” Isabella ordenou.
Paula pegou sua bolsa e desceu da carruagem. Já estava completamente escuro. Quando haviam saído, o sol estava alto no céu, mas agora era noite. Como ela havia dormido tanto tempo?
Paula olhou ao redor, mas o cenário não correspondia às suas expectativas. Elas ainda estavam bem no fundo da floresta.
“Onde estamos?”
“Estamos na floresta, não muito longe da propriedade Bellunita.”
“O quê?”
De fato, a propriedade ainda era visível à distância, sua silhueta iluminada pela luz suave da lua. Ficou claro que a carruagem não havia viajado muito desde que partiram.
Por quê? Os olhos de Paula silenciosamente perguntavam. Isabella continuou, com um tom calmo.
“Paula, ouça com atenção. Há um caminho ali. Siga-o e chegará a uma vila pequena. Fique na estalagem lá esta noite, e amanhã procure um lugar seguro. Quanto maior a cidade, melhor.”
“O-O que você está dizendo?”
“Alguém vai vir ‘cuidar’ de você em breve.”
A frieza na expressão de Isabella deixou claro o que ela queria dizer com “cuidar de.” Embora sua voz estivesse firme, uma tensão fugaz cruzou seu rosto.
O aviso de Renica ecoou alto na mente de Paula: “Não confie em ninguém aqui.”
Engolindo em seco, Paula tentou se manter calma. “Você está dizendo… que o mestre ordenou isso?”
Isabella balançou a cabeça com firmeza. “Nós obedecemos ao mestre sem questionar, mas às vezes, tomamos certas atitudes para protegê-lo. Principalmente quando se trata de administrar os empregados. Paula, você sabe por que ficou no anexo? Por que só poucas pessoas podiam se aproximar de você?”
“…”
“Foi para momentos como este.”
As palavras de Isabella, ditas com a precisão gélida de um discurso ensaiado, deixaram Paula com uma sensação de queda no estômago. Ela entendeu imediatamente, pois já havia ouvido histórias assim antes.
“Desde o começo, você pretendia me eliminar, não é?” A voz de Paula estava tensa de emoção.
“Era uma precaução,” Isabella respondeu calmamente.
“Você fez isso com os outros empregados que serviram o mestre também?” O tom de Paula subiu, descrença se misturando com raiva.
“Se necessário. Mas nem todo empregado dispensado enfrentou esse destino,” Isabella respondeu de maneira uniforme.
“Então por que eu? Por que está fazendo isso comigo?” A voz de Paula quebrou enquanto ela gritava, tomada pela confusão e frustração. Ela havia trabalhado mais do que qualquer outra, se adaptado bem à vida na propriedade do Conde. Vincent mudara muito durante o tempo em que estiveram juntos, e os esforços de Paula indiscutivelmente contribuíram para essa transformação. Isabella sabia disso também.
Mais importante ainda, ela não estava sendo dispensada de forma abrupta. Vincent havia instruído que ela se escondesse por um tempo, não para ser descartada tão cruelmente. Por que estava enfrentando um destino tão severo?
“Porque o mestre agiu em seu nome,” Isabella disse, com firmeza, seus olhos estreitando.
“As ações dele foram influenciadas por uma simples empregada. Ele tomou decisões com base em você, e isso não é um bom sinal. O mordomo decidiu que sua presença representa uma ameaça potencial. Se isso é justificável ou não, não importa.”
“Mas… eu sou só uma empregada!” Paula protestou, sua voz trêmula. “Por que eu…”
“O mordomo é o único que pode tomar decisões em nome do mestre. Ele tem sido leal à família Bellunita por muitos anos. Isso responde à sua pergunta?”
Paula ficou em silêncio, com os pensamentos a mil.
‘O mordomo…’
Renica havia a alertado sobre ele. Embora estivesse abaixo do mestre em hierarquia, o mordomo exercia um poder considerável e era confiável para tomar decisões que poderiam afetar todos na casa.
Seria essa a razão para ele tê-la levado para lá em primeiro lugar? Um rico homem velho chegando a uma pequena cidade para contratar uma desconhecida como ela, não era por bondade. O pesado saco de moedas de ouro que ele lhe dera naquela época prenunciava provavelmente o dia em que ela poderia ser tão facilmente descartada.
“Você está planejando me matar?” Paula perguntou, sua voz agora estranhamente calma.
“Esse era o plano,” Isabella respondeu, sem hesitação.
“Esse era o plano? Então, você não vai me matar?”
Isabella exalou lentamente. O olhar de Paula caiu sobre o cocheiro caído atrás de Isabella, roncando suavemente e inconsciente. Sua mão pendia sobre o lado da carruagem, ainda segurando uma xícara idêntica àquela de onde Paula havia bebido.
Os olhos de Paula retornaram a Isabella.
“Paula, sou grata a você,” disse Isabella, sua voz suavizando. “Você trouxe consolo para o mestre. Fez ele sorrir novamente, deixar o quarto e se reconectar com seus amigos. A mansão, que antes era tão silenciosa, tornou-se viva novamente. Como empregada desta casa, agradeço por isso.”
Isabella meteu a mão em seu manto e retirou um pequeno saco. Paula hesitou, sem saber o que fazer, mas Isabella se inclinou para frente e colocou-o suavemente ao redor do pescoço de Paula, escondendo-o sob suas roupas.
“Isso deve te sustentar por um tempo.”
“O que você está tentando dizer?” Paula perguntou, desconcertada.
“Corra,” Isabella disse firmemente.
Os olhos de Paula se abriram.
“O quê?”
“Isso é tudo o que posso fazer por você,” Isabella afirmou com calma resoluta.
Paula olhou para o cocheiro inconsciente, percebendo que Isabella havia agido por conta própria, desobedecendo qualquer ordem que tivesse sido dada. Chocada, Paula gaguejou, “Mas… por quê? Você não vai se meter em encrenca por causa disso?”
“Sim, se eu for pega, não posso garantir minha vida,” Isabella admitiu.
“Então, por quê…?”
O olhar de Isabella se abaixou, o suave farfalhar das folhas pontuando o silêncio entre elas.
“Paula, mulheres como nós, trabalhando como empregadas, enfrentam discriminação e muitas vezes humilhação. Somos tratadas como inferiores aos homens, até mesmo por outras empregadas. Mas isso não significa que devemos aceitar esse tratamento como algo normal. Você fez mais do que o suficiente. Essa é a minha forma de te recompensar.”
Paula permaneceu sem palavras.
“Corra o mais longe que puder…” Isabella insistiu.
“E nunca volte.”
O olhar de Isabella percorreu a floresta escura, sua expressão tensa de urgência. O tempo estava se esgotando. Seu olhar implorava que Paula se movesse, e Paula sentiu uma dor atrás dos olhos. Ela apertou a bolsa com força e fez uma reverência profunda. Isabella, que uma vez a guiara para a mansão, agora era a única a ajudar em sua fuga.
“Obrigado,” Paula sussurrou, sua voz carregada de gratidão.
Sem dizer mais nada, Paula virou-se e fugiu.
O chão da floresta estalava sob seus pés. As folhas arranhavam seus tornozelos, coxas e braços enquanto ela avançava pela espessa vegetação. Ela correu, mesmo quando seus pulmões gritavam por alívio.
Ela não sabia se estava no caminho certo, mas não parou. Enquanto corria, ela se dava conta de uma verdade inquietante, o som das folhas não vinha apenas de seus próprios passos. Ele vinha de trás dela.
Parecia alarmantemente perto.
Farfalha, farfalha
Estaria vindo da esquerda? Da direita? Ou diretamente atrás dela? O som sinistro parecia crescer, envolvendo-a em medo.
‘Alguém vai vir cuidar de você.’
O aviso de Isabella ecoou em sua mente.
‘Eles sabem que você estava no local do acidente de Lucas. James vai eventualmente descobrir. Ele não vai deixar você viver. Você é a única testemunha.’
Vincent a havia alertado de que James poderia enviar alguém atrás dela, e agora essa ameaça estava grande na mente de Paula. A gravidade da sua situação era esmagadora, deixando-a cheia de perguntas e dúvidas.
Como tudo havia se desmoronado tão rapidamente?
Por que ela estava enfrentando tanto perigo?
Seus dias de luta pela sobrevivência haviam aparentemente a levado diretamente para o perigo.
Mas não havia tempo para perguntas agora. Tudo o que ela podia fazer era correr.
Ela empurrou para longe a onda crescente de pânico, tentando manter o foco apesar do terror que a tomava.
“Haa… haa…”
Sua respiração estava ofegante, cada inspiração queimando seus pulmões. O peso da bolsa parecia insuportável, e o suor a tornava escorregadia em suas mãos. Ela lutava para mantê-la firme, com os dedos escorregando repetidamente.
Então, ela tropeçou em uma grande pedra e caiu no chão. Uma dor percorreu seus joelhos, mas ela não teve tempo de se concentrar nisso. Ignorando a umidade que indicava que estava sangrando, ela se levantou rapidamente.
‘Só me deixe viver. Alguém, por favor, me ajude.’
Sua ansiedade estava crescendo de forma incontrolável. Parte dela queria parar, se agarrar à árvore mais próxima e gritar por ajuda. O terror a sufocava, aumentando a cada segundo que passava. As lágrimas a ameaçavam, enquanto ela via a borda da floresta à frente. Uma onda de esperança a impulsionou para frente.
Quando finalmente conseguiu escapar da densa vegetação, uma luz cegante atingiu sua visão.

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