Capítulo 77 — Espremendo Até Sair Caldo (Parte 2)
Um frio atingiu a espinha do homem. Era comum receber ameaças e até pessoas violentas, mas o fato dele possuir informações sensíveis como essa o tornavam uma ameaça real contra tudo que ele e seu irmão passaram anos construindo.
— V-você é da Polícia Imperial? O Investigador que a capital estava mandando para cá?
“Tem um investigador imperial vindo pra cá? Melhor eu terminar a investigação e ficar fora do caminho do Santo Império.”
— Eu pareço um policial pra você, porra? Tudo que você precisa saber de mim é que nesse exato momento, essas informações são o que me impede de te matar. Fale tudo o que você sabe sobre a Mão Sombria agora!
Mesmo que não pudesse pegar na sua arma, havia uma corda na lateral da sua cadeira. No instante que a puxasse, seus dois seguranças entrariam com suas armas e encheriam aquele desgraçado de chumbo.
— Eu não tenho que responder nada a você! Sabe para quem eu trabalho, seu filho da puta? Eles vão acabar contigo quando eu-
Havia um telefone de disco em cima da mesa. Estruturalmente de madeira, com um fio emborrachado ligando a base com o fone. No centro da base, havia um disco que ia de zero à nove, onde você girava o disco e selecionava os números para qual desejava fazer contato. Os registros dos números atingiam o cristal de ressonância dentro da base, que emitia um pulso invisível e supersônico que ressoava em cristais maiores, que por sua vez retransmitia a onda até encontrar a combinação de números dentro da enorme rede de comunicação do Santo Império.
Era incrível o quanto a tecnologia havia avançado desde que a era da tecnomagia surgiu rompendo a era da alta fantasia. As pessoas esperavam meses até cartas chegarem até suas casas, ou dias até uma tabuleta de jade voar até suas mãos. Quem podia pagar, contratava um mago especializado para conjurar um feitiço de comunicação. Porém, alguns movimentos em uma máquina conseguiam fazer você ter contato com alguém que está do outro lado do continente em questão de segundos.
O emissário retirou o fone da base e acertou o rosto do homem, esmagando o seu nariz. Huan Shen não queria ter que usar da violência, ainda mais estando dentro do território inimigo sem estar devidamente preparado, mas algumas pessoas só conseguiam compreender através da força.
Enquanto Lucca gemia de dor, o emissário se dirigiu até a sua cadeira e puxou o fone para si, envolvendo o seu pescoço com o fio e o comprimindo.
— A partir de agora, a cada segundo que você se recusar a me dar informações ou nomes, eu vou apertar um pouco mais. E não acredite nem por um segundo que eu vou aliviar enquanto eu não estiver satisfeito com suas respostas.
Foram apenas quatro segundos, mas Lucca sentia seu rosto ficando roxo. Aquele homem não era apenas uma pilha de músculos, mas sabia como usá-los na medida certa. Não demoraria muito até a falta de oxigênio começar a afetar sua capacidade de fala, então resolveu abrir a boca.
— Eu falo! Eu falo! — disse Lucca, com dificuldade. — Tudo que sei é que um mensageiro vem até mim solicitando que eu emita uma licença especial de transporte!
Huan Shen ficou em silêncio por alguns segundos, então soltou o fone e o fio que prendia seu pescoço, deixando-o finalmente respirar. Lucca tossia e estava bastante tonto, tentando se manter firme na sua cadeira.
— Que licença especial é essa? — perguntou o emissário, com as mãos no ombro do cambista. Mesmo que tenha optado por não o estrangular, não significava que seu bem-estar ainda não estivesse ameaçado.
— Você acertou tudo que disse sobre o lance da autorização, mas o Império também sabe que muitos comerciantes precisam de pressa. Então, dependendo do seu histórico, você pode comprar uma “Licença de Transporte Temporária”, que permite você ter livre acesso pela cidade nas próximas quarenta e oito horas.
— E presumo que você precise ser no mínimo um comerciante com um largo histórico de crédito para o Santo Império para ter esse benefício.
— Sim — continuou Lucca. — Porém isso é na teoria. Quando o mensageiro solicita, ele também envia uma barra de jade. Usamos nossa reserva financeira e nomes “limpos” em Santa Marília para adquirir uma Licença de Transporte e entregamos de volta ao mensageiro. Então, usamos a barra de jade para investir nos bancos locais e fornecer rendimentos e linhas de crédito para nós.
— E por que ninguém investiga isso?
Lucca riu.
— Estamos em Santa Marília, cara! O regente está pagando os impostos devido ao Santo Império. Contanto que eles continuem recebendo, eles estão cagando para o que está rolando aqui. Mas eu juro! Não sei quem tá por trás de tudo isso! Não pergunto o nome de ninguém, só faço o que me mandam. Se eu não fizer, outra pessoa faz, cara.
— Uma pessoa burra não sobrevive nesse ramo, Pagliacci — disse Huan Shen, virando a cadeira na sua direção. — E eu acho que você é um cara esperto. Não tanto, mas ainda assim esperto. Você sabe muito bem que pode se queimar caso alguém como um investigador imperial, aquele mesmo que você mencionou, comece a procurar a fundo a causa disso. Mesmo que não saiba seus nomes, deve ter algo que possa pelo menos servir de linha para rastreá-los.
O cambista ficou em silêncio. Aquilo não era apenas uma resistência desnecessária, mas uma forma de autoproteção do seu instinto. O que ele possuía era uma carta que não só garantia a sua vida, mas também a estabilidade do seu negócio. Lucca sabia que estava se metendo com forças maiores do que deveria e isso o preocupava, não só por si mesmo, mas pelo seu irmão.
Suas mãos abriram uma gaveta, retirando um pequeno caderno de anotações. Em uma das folhas desgastadas, havia uma lista de numerações com doze dígitos cada.
— Quando recebemos as barras de jade, elas costumam vir com números em sua lateral indicando onde e quando foram produzidas. Quando chegam até mim, a numeração está raspada, mas eu consigo repará-las usando um pouco de lixa e água.
O emissário pegou o bloco de notas. Cada um dos números estava catalogado por data de entrega, indicando que a operação em Santa Marília acontecia a pelo menos dois anos.
“Todos começam com 245, que é o código postal da cidade de Primeira Estrela. É curioso, pois não sabia que havia uma mina de jade por lá. O resto dos dados não possuem padrões que sirvam para uma análise, são especificações de produção. Agora eu sei de onde o dinheiro se movimenta.”
— Já vi o suficiente.
— Escuta, cara. Eu e meu irmão só éramos cambistas normais, apenas servindo como intermediários do dinheiro entre as pessoas. Nosso objetivo era ajudar pessoas a evitar burocracia, mas então começamos a perder clientes de uma hora para outra. Estávamos perto da falência, então esse mensageiro surgiu do nada com uma proposta que poderia nos tirar daquela situação.
O emissário o puxou pela gola da camisa.
— Você sabe quantas pessoas perderam suas vidas, tanto figurativamente quanto literalmente, por causa desse dinheiro? A vida delas valia tão pouco para vocês?
— Eu juro por tudo que é mais sagrado, não sabíamos que estávamos ajudando a transportar escravos. Eles nunca falaram o que tinha nas carruagens, apenas mandavam fazer as licitações.
Seus olhos azuis fitaram o medo direto na alma de Lucca, que parecia se arrepender de cada uma das suas escolhas na vida.
— Não tenho mais tempo e nem paciência para lidar com você. Saiba que essas anotações salvaram sua vida hoje.
Huan Shen soltou a gola do homem e se dirigiu em direção a saída.
— Ah! Se eu descer e ver que seus guardas ficaram hostis por nada, eu os mato e volto para te matar. Espero nunca mais te ver novamente, filho da puta.
Algumas horas se passaram enquanto Lucca tentava colocar seu nariz no lugar. Sua linda camisa florida estava com respingos de sangue por todo o canto e seu pescoço ainda tinha uma marca avermelhada.
— Gigante de merda — murmurou.
Ele correu para o seu telefone, para tentar comunicar o que aconteceu para seus patrocinadores, mas viu que o emissário aproveitou para partir o fio do fone enquanto saía.
— Desgraçado! Sabe o quão caro é um desses? — esbravejou. — Tudo bem, ainda tenho os métodos antigos.
Lucca sabia que no instante em que o emissário saísse de sua sala intacto, após ter sido visto por Ren e Schumacher, os homens de confiança do mais velho dos Bakir, isso colocaria não apenas ele, mas toda sua família na mira da família mais poderosa da cidade.
Retirando das profundezas de um do seu armário, uma tabuleta de jade empoeirada ainda preservava o seu brilho. Usando uma caneta, ele deu uma descrição detalhada de tudo o que aconteceu naquela sala. Obviamente, ocultou o fato de ter dado informação privilegiada para Huan Shen, mas tinha coisa para atenuar qualquer forma de punição.
O homem se dirigiu até o terraço do seu prédio, fechou os olhos, respirou fundo e soltou a tabuleta, que imediatamente começou a flutuar e a ascender aos céus, percorrendo o ar como um pássaro e desaparecendo no horizonte.
Tudo que Lucca poderia fazer era torcer para que tudo desse certo e sua família fosse poupada da ira dos Bakir.
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