Capítulo 27 - O poder dos sonhos (II).
POV: MIGUEL CASTRO.
Do lado de fora da arena de treinamento, observava em silêncio a troca de golpes entre as garotas. O sol da tarde já passava do seu pico, então, o calor estava presente com alta intensidade por ali. As sombras frias ao redor da quadra de treinamento, desenhavam padrões estranhos.
Somando isso com a atmosfera de névoa e leve escuridão que Renata criara, deixava o visual daquela quadra diferente, uma atmosfera deverás única.
Havia requisitado que ambas tentassem inovar, desafiar os próprios limites. Queria vê-las experimentando abordagens diferentes, pensando em novos meios e técnicas para se enfrentarem e, ao que tudo indicava, a proposta foi atendida.
Elas haviam aceitado o desafio com seriedade. Vi isso no modo como se movimentavam, nos feixes de energia que traçavam linhas rápidas e improvisadas no espaço, na tensão concentrada em seus olhares. Aquilo não era apenas um treino. Era um teste.
“Elas estão levando isso bem a sério… E isso é ótimo.”
Era uma constatação animadora. Eu me convenci de seus potenciais naquela tarde, mas vê-las aplicando seus encantamentos sob pressão, frente a frente, revelava nuances que escaparam anteriormente da minha compreensão Era como assistir dois artistas experimentando novos traços em uma tela.
Elas sabiam o que queriam fazer. Tinham clareza de intenção, mas a execução ainda deixava a desejar, era evidente de que aquilo, possuía incertezas e imperfeições.
Não por falta de capacidade, mas por falta de refino. De experiência e maturação.
Claro, havia o fator emocional: eram amigas. Era natural que hesitassem diante da ideia de um ataque mais direto ou letal. No entanto, apesar disso, lutavam com ferocidade. Uma, que era contida, disciplinada, mas presente.
Helena, em especial, surpreendeu. Adotou uma postura que eu ainda não havia visto nela: firme, calculada. Avançava com precisão, utilizando seus encantamentos de maneira fluida e multifuncional.
Fortaleceu seus sentidos para ampliar os reflexos, invocou espectros para prover cobertura e distração, e moldou construtos geométricos que forçavam Renata a se mover em trajetórias desfavoráveis.
Seus padrões de ação se ramificam como galhos em crescimento, uma equação viva que se adaptava a cada nova variável. Sempre adicionando uma nova camada, uma nova operação naquele cálculo.
Renata, por outro lado, era o contraponto perfeito. Ela era resistência, foco e controle. Seus encantamentos não tinham a mesma variedade que os de Helena, mas funcionavam como engrenagens de um relógio antigo: cada elemento sustentava o próximo com precisão cirúrgica.
Sua especialidade era a coesão. Dominava suas marcas, por serem de naturezas semelhantes, usou isso ao seu favor de forma quase orgânica. E, naquele início de confronto, isso lhe dava vantagem.
Ela manteve uma defesa sólida, quase impenetrável, observando os movimentos de Helena com olhos atentos, esperando pela brecha perfeita.
Mas, como numa dança, os papéis começaram a se inverter.
Helena pressionou. A curta distância, sua habilidade com construtos físicos e manipulação geométrica a tornava praticamente inalcançável. Ela encontrou uma brecha. Atacou. E vi Renata ser atingida duas vezes.
Por um instante, achei que a vitória fosse de Helena.
Mas a terceira investida foi frustrada por uma conjuração de emergência: o Espelho da Alma Perdida. Uma defesa poderosa, mas exigente. Renata o conjurou com precisão no último segundo, evitando um impacto que poderia tê-la tirado da luta.
A partir dali, tudo mudou.
Renata começou a se reconstruir. Era sutil, mas visível. A cada conjuração do Reservatório Onírico, uma nova camada de energia parecia surgir de dentro dela, como se a própria escuridão a revitalizasse. Era um processo interessante, afinal, seu encantamento era indefinido.
“Acho que irei pesquisar mais sobre encantamentos desse tipo… Pode ser útil de algum jeito”
Voltando minha atenção ao combate, vi Helena que começava a demonstrar sinais de exaustão como respiração mais pesada, movimentos um pouco menos fluidos. Renata se tornava mais precisa, mais intensa. O balanço de energia mostrava-se naquele momento.
A escuridão dela deixava de ser apenas um véu, e passava a ser uma arma.
Helena tentou compensar com a Observação da Sombra, buscando antecipar os movimentos ilusórios com leitura de padrões e intuição mágica. Ela era talentosa, sem dúvidas. Mas seu estilo era exigente demais. Dividia energia entre conjuração, análise e movimentação constante. Era uma tática versátil, sim, mas drenante.
E então, aconteceu.
Um pequeno erro, aquele detalhe minucioso…
Helena avançou, acreditando ter identificado uma abertura. Seus olhos brilharam com convicção, um instante de certeza que a traiu. Era uma ilusão refinada de Renata. Um reflexo falso, conjurado com a Escuridão dos Sonhos.
O terreno à frente parecia seguro, mas era uma miragem ilusória.
No instante em que Helena firmou os pés para o ataque, escorregou. Seus sentidos, momentaneamente enganados, não conseguiram reagir a tempo pois seu sentido de equilíbrio foi enganado momentaneamente.
Renata aproveitou. Um disparo limpo, direto, reforçado com a Essência do Sonhador.
O impacto foi seco. Atingiu o ombro de Helena com força, jogando-a ao chão.
Ela tentou se erguer. Cambaleou. Falhou.
Renata permaneceu em pé. Seus ombros tremiam com o esforço, a respiração era irregular. Mas estava lá. Inteira. Vitoriosa.
Caminhei até elas, em silêncio.
Helena, sentada no chão, olhava para mim com os olhos semicerrados. Um sorriso misto de amargura e orgulho curvava seus lábios. Ela sabia o que aquela derrota significava. E aceitava.
— Acabou — declarei, com voz neutra. — Mas ambas aprenderam.
Estendi a mão para Helena e a ajudei a se levantar. Ela assentiu em agradecimento, ainda respirando com dificuldade.
Voltei-me para ambas.
— O talento de vocês é indiscutível. Mas é evidente que suas forças seguem caminhos distintos.
Apontando para Helena, continuei:
— Você tem o potencial de uma generalista de elite. Versátil, adaptável, criativa. Mas precisa aprender a economizar energia. A dosar sua força. Nem todo combate exige intensidade máxima o tempo inteiro. Seus poderes são um bonsai, aprenda à poda-los.
Depois, olhei para Renata:
— E você é uma especialista rara. Suas marcas se entrelaçam de maneira única. Seu domínio é impressionante. Mas a ausência de ferramentas de curto alcance ainda te deixa vulnerável em certas situações.
Ambas me ouviam em silêncio.
— A chave está no equilíbrio. Treinem com base em seus estilos, sim. Mas aprendam uma com a outra. Helena, aprenda a focar. Renata, aprenda a variar. Adaptação é o que define os grandes.
Permaneci por um instante observando seus rostos. Havia cansaço ali, mas também determinação.
A luta havia terminado. Mas a lição… estava apenas começando.
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