Capítulo 18 - Céu e Pétalas
Os olhos dourados com a íris parcialmente azul ao redor das pupilas, desliza pelas janelas do segundo corredor enquanto se aproxima da porta ao final.
Novamente, a visualização do que está pelo lado de fora é obstruída pela escuridão.
“Esse castelo é mais estranho do que eu esperava. Uma prova com livros em branco… A palavra-chave sendo morte e as armaduras vivas no início. Não sei nem o que esperar da segunda torre.”
“Mas eu tenho que admitir que a Torre da Sabedoria representa bem a vida e a morte. Acho que o orbe simboliza o tempo que temos e quando ele se esvai, não resta nada.”
“Não entendi o que os livros em brancos poderiam representar…”
“De qualquer forma, será que essa nova prova vai contar mais da história daqui?”
Em um último suspiro antes de ficar frente a frente ao letreiro e a porta da vez, Raisel reafirma a sua determinação e se concentra desde já.
O contorno azulado pelos olhos é perdido. Agora, totalmente dourados, eles fisgam o letreiro do cômodo acima da entrada.
一 Jardim Espiral?
Uma das sobrancelhas do garoto se contrai, outra se levanta. Em dúvida, o punho esquerdo com a espada e o palmo direito livre empurram o portão.
Conforme o vão da porta se torna mais abrangente, o rapaz visualiza o cenário com extrema surpresa.
Das paredes repletas de vegetação rasteira por todo o castelo, há nesse ambiente incontáveis rosas de diversas cores que seguem em espiral até o topo da torre.
Entretanto, o teto não pode ser visto. É como se as flores seguissem infinitamente até onde os olhos não alcançam.
Com poucos passos, ele chega no epicentro desse espaço que é mais estreito do que a torre anterior.
No piso de concreto cercado por grades na altura do joelho, o orbe púrpuro aparece a poucos metros da cabeça do protagonista.
Contudo, a luz dessa sala não vinha da esfera, mas sim das próprias flores que cintilam, espalhando as suas pétalas pelo ar como uma brisa.
“NA TORRE DA NATUREZA, É NECESSÁRIO DESTRUIR TODAS AS FLORES. PORÉM, ELAS DEVEM ESTAR ESCURAS COMO A NOITE.”
“CASO TODAS AS ROSAS FIQUEM NEGRAS E PERMANEÇAM INTOCADAS, UMA CHUVA DE PÉTALAS COMO LÂMINAS CAIRÁ SOBRE VOCÊ.”
“SE AINDA PERMANECER VIVO AO FIM DESSA CHUVA, ELAS VOLTARÃO AO NORMAL E VOCÊ FICARÁ NESSE ESPAÇO ATÉ A SUA MORTE OU ATÉ COMPLETAR O DESAFIO.”
Após a mensagem vinda do orbe, a esfera de energia desaparece.
“Destruir todas as rosas, mas somente quando todas ficarem negras?”
Completamente confuso, o menino cruza os braços e começa a caminhar em círculos, ainda no mínimo espaço sem flores da entrada.
“Ele não disse que eu preciso esperar elas ficarem escuras, mas sim que elas devem estar.”
“Será que eu devo expandir o Domo Sensorial como fiz na biblioteca? O problema é que não quero tomar uma chuva da morte…”
O olhar do rapaz se estreita com apreensão. O rosto sobe visualizando o céu infinito acima.
Sem acreditar, o palmo direito encosta sobre a boca e preenche o maxilar.
“É muita flor… Com os Schaltung fundidos, eu consigo emanar uma energia pra atingir tudo?”
“Qual movimento de espada seria o ideal pra liberar energia?”
Pondo as duas mãos no cabo da arma, Raisel começa a praticar alguns movimentos visando algum que tenha tanta amplitude horizontal quanto vertical.
“Um golpe de baixo para cima? Não…”
“Um golpe diagonal então? Também não…”
“Talvez horizontal? Não!”
Ele desaba ao chão desesperançoso. As mãos e os joelhos contra o solo de concreto escondem a sua feição.
“Eu… definitivamente não sei o que fazer.”
Um suor escorre pela lateral do rosto enquanto os olhos tremulam com tantos pensamentos.
Numa tentativa de se acalmar, ele respira fundo.
“Pelo jeito, dessa vez vai ser no acerto e no erro. Sem medo. Sem medo…”
O protagonista se ergue. Para começar, deveria prosseguir com a sua primeira ideia.
Elevando a sua aura mantendo Aquila com os olhos fechados, a energia dourada se espalha pelo ambiente como uma bolha cilíndrica.
O Gewissen bate contra as paredes, mas continua a ir para cima… Para cima… Para cima…
“Não tem fim o teto?!”
A concentração se quebra enquanto ele está boquiaberto.
“Puta merda… E não senti nenhuma rosa negra mesmo indo tão longe.”
“Tem azul, verde, dourado, prata, cinza, amarelo, vermelho, colorida… Mas não tem uma mísera negra.”
Passos curtos e ligeiros o fazem se aproximar de uma das grades.
A íris diminui bruscamente enquanto o foco se expande novamente. Todavia, dessa vez o mundo se tornou completamente enegrecido com a visualização extra-sensorial.
A energia de cada flor é similar na coloração roxa, mas mesmo nesse oceano de pigmentos, o fim da extensão do jardim espiral não pode ser visualizada em direção ao céu.
Em um suspiro, Raisel volta à normalidade.
“Então só sobra tocar.”
Com a espada na mão esquerda, ele estica a arma ainda embainhada na direção de uma flor. A grade é pequena, o que permite facilmente a entrada dele no espaço da vegetação, mas ele em si não passa para o outro lado.
Ao toque sutil, a rosa balança minimamente e começa a ser contaminada pela escuridão. As pétalas dela vão se tornando negras gradualmente.
“Então eu preciso tocar em todas pra-”
Antes que conseguisse concluir o pensamento, ele vê essa flor ressoando e espalhando a sua coloração para uma, duas, quatro, dez flores!
Antes que percebesse, essa escuridão está prestes a tomar uma parte da parede.
Em espanto, o garoto se prepara para sacar a espada. Os olhos acompanham o fluxo da contaminação das flores escuras, cobrindo todas as cores e brilho das suas irmãs.
“Eu ataco? Não! Vou ter que resistir…”
A sala florida e cintilante cada vez mais afunda no breu. Em poucos segundos, o céu que parecia infinito em pétalas, no fim, desaparece nas sombras.
Elevando a própria energia dourada para conseguir enxergar algo, a bochecha dele é cortada…
Os olhos deslizam acompanhando esse vulto enquanto um calafrio surge pela espinha.
“Droga!”
Trocando para Aquarius o mais rápido que consegue, Raisel desembainha a lâmina e começa a balançar contra o vazio.
O Gewissen sobre a espada começa a tecer uma defesa constante conforme a arma balança.
Emanando, concentrando e fazendo a energia fluir pela espada, uma cúpula espiral segue a se expandir. Todavia, há um limite para isso.
“São muitas pétalas! É ainda mais pressão do que naquela vez que eu fiquei preso no lago!”
O fluxo de golpes da redoma é perfurado por uma pétala. Uma parte do braço do rapaz é cortado.
A luz dourada continua a brilhar perante a imensidão vazia.
Raisel fecha os dentes com força.
“Meus braços estão pesados!”
Rosto, costas, peitoral, pernas, mãos, ombros… Cada vez mais o garoto é cortado pela infinidade de ataques vindo por todas as direções.
Segundo? Minutos? Horas?
Não parecia ter fim essa enxurrada.
Completamente ofegante, a única coisa que mantém o espírito de Raisel ainda vivo é a necessidade de sobrevivência.
Aos poucos, os palmos começam a soltar a lâmina por exaustão.
O sangue dele já escorre pela armadura de couro desgastada. Respingos de seu suor e do seu sangue banha parte do chão abaixo.
As pegadas no ritmo dos passos e dos balanços, causam cada vez mais um desnível no solo de concreto.
“Não vou morrer! Não vou morrer! Não vou morrer!”
Pondo um passo à frente com firmeza, todo o seu corpo está centrado em apenas em um objetivo. Não só o corpo, a mente, o espírito, ele como um todo.
O fluxo do seu sangue arde e flui de uma única maneira. A energia escorre pela espada e mantém o ciclo.
Sem que percebesse, de maneira totalmente inconsciente, a força do passo ressoa em um lapso por todo o corpo. O giro da cintura, o balanço da arma, os fios encharcados de suor, tudo parece estar em harmonia.
Um estado de iluminação breve. A exaustão sobre a carne desaparece por um único momento.
A espada é balançada. O vácuo em conjunto com a energia, o vigor físico e espiritual, ressoa por toda a sala empurrando todas as pétalas negras para longe, em direção ao vasto breu acima.
Os joelhos de Raisel cedem, mas ele rapidamente se apoia com a arma fincada contra o chão.
À direita, um pigmento azulado surge. Em seguida, um rosa, um vermelho, um amarelo.
Da mesma forma que a escuridão apareceu de repente, o brilho e a atmosfera da sala repleta de flores é restaurada.
Contudo, dessa vez o menino está totalmente exaurido.
O sangue seco ao chão escorre pelas arestas dos tijolos junto ao suor.
Ofegante, ele respira fundo.
“Essa foi… por pouco. Meu corpo todo tá ardendo pelos cortes.”
O contorno azulado ao redor da pupila, nos olhos, se torna mais evidente.
“Vou conseguir me recuperar a tempo? Não posso esperar muito… Esse é o quarto dia aqui em Fyodor.”
“Preciso de algo… Tenho alguma memória da Carmen ou do vovô ensinando algo útil pra agora?”
Fechando os olhos, o rapaz se concentra na recuperação e na tentativa de se lembrar de alguma coisa.
Uma hora se passa nessa meditação breve. Ele não percebeu o tempo que gastou, mas pelo menos as feridas pararam de arder ou escorrer.
Ao se levantar com a espada em mãos, a bainha está ao lado no solo.
“Não me lembrei de nada… Praticamente já tô usando tudo o que me ensinaram…”
Os olhos cabisbaixos visualizam os resquícios da sua sobrevivência.
“O fundamento do Kaelduryx é muito complexo. Não posso apostar minha vida em algo tão incerto… Apesar de que…”
Olhando o palmo esquerdo, ele percebe a sensação do último balanço.
“Foi bem parecido, mas ainda foi inferior ao que ele me mostrou. O que eu faço?”
O palmo se fecha. O olhar se ergue contra a imensurável quantidade de flores espalhadas em espiral por todo o ambiente.
“Muitos alvos pro Ziele Ordnung, fora que eu fico exposto.”
“Não sinto Aquarius se aprofundar em mim. Uma habilidade nova seria bom…”
“Sem Schaltung, sem técnicas… Só sobra isso.”
Novamente, o rosto se abaixa. O punho esquerdo apertado esbanja a sua luz dourada.
“O vovô me disse que o Gewissen é o retrato da nossa própria consciência no momento. Ele reflete as nossas emoções, os nossos desejos…”
“Só que, independente do quanto você deseje algo, sempre há um limite entre o possível e o impossível.”
A perspectiva se aproxima da luz dourada. A claridade ofusca e se aprofunda em uma memória passada.
一 Raisel! Presta atenção!
Batendo o palmo sobre uma parede lisa, há desenhos e círculos com nomes envolvidos.
一 Você precisa saber sobre si mesmo caso queira se tornar um Nômade!
一 Mas vovô… Aulas são tão chatas…
Completamente exausto no olhar, o garotinho está quase adormecendo.
O homem velho leva a mão até a face. Em um respirar profundo, ele solta a pedra na outra mão, que foi usada para fazer os desenhos.
“Por que eu sou tão ruim para explicar?”
一 Eu sei que são chatas. Mas presta atenção dessa vez… Caso você entenda tudo direitinho, eu… Eu te mostro a minha técnica secreta com o arco!
一 U-UMA TÉCNICA SECRETA!?
O pequeno protagonista aperta os punhos e estrelas tomam conta dos olhos repleto de ânimo.
Em oposição, um suor de canto escorre pelo rosto do velho barbado.
一 Isso, mas só se você prestar atenção.
A criança balança a cabeça; pronto para ter todos os seus neurônios para funcionar!
Olhando a parede de soslaio, o homem começa a apontar com o dedo.
一 Pra cada sentimento que você tem, o Gewissen reage de uma maneira. Se você ficar bravo, é esperado que ele fique quente. Se você ficar triste, é natural ele ficar pesado ou gelado. Entendeu isso?
一 Hmrum!
一 Tá. Mas o que acontece é que cada pessoa tá mais… ligada a um sentimento do que a outro. Desses sentimentos, surgem virtudes e pecados. Eles são opostos, mas podem ser usados pra terem resultados semelhantes.
O dedo se move até outro círculo maior com “Gewissen” escrito no centro, no qual está cercado de sete outras esferas menores divididas ao meio.
一 Você se lembra quais são os pecados?
一 Hm… Inveja. Ira, gula… Luxúria, ganância e… preguiça!
Conforme o garoto fala, o mentor pega a pedra ao chão e volta a rabiscar na parede.
一 Quase. Falta um.
一 Hmmmm…
Massageando as laterais da cabeça com os olhos fechados, Raisel abre os olhos e responde com convicção:
一 Não sei!
Os olhos azulados de Yurgen se estreitam.
一 É orgulho.
Ele então preenche a metade do círculo à esquerda acima.
一 No contrário de cada pecado, temos as virtudes.
No círculo central acima, ao lado de “Inveja”, ele escreve “Caridade”.
No próximo círculo à direita, na outra metade de “Ira”, o velho preenche com“Paciência”.
Mais abaixo, ao lado de “Gula”, é escrito “Temperança”.
Na diagonal direita inferior, ao lado de “Luxúria”, a metade é preenchida com “Castidade”.
No círculo central abaixo, é rabiscado “Generosidade” na outra metade de “Ganância”.
Na diagonal inferior esquerda, ao lado de “Preguiça”, “Diligência” aparece.
E por último, mais acima ao lado de “Orgulho”, está escrito “Humildade”.
一 Inveja e Caridade. Ira e Paciência. Gula e Temperança. Luxúria e Castidade. Ganância e Generosidade. Preguiça e Diligência. Orgulho e Humildade.
一 Todos esses interagem entre si, mas cada pessoa está mais próxima de um pecado e de uma virtude, do que outras.
一 Quanto mais a pessoa vive, maior é essa afinidade, onde o Gewissen toma propriedades únicas que é chamado de Kern.
一 Entendeu, Ray?
Ao se virar e fixar os olhos no menino, ele já está dormindo sentado de pernas cruzadas no chão.
一 RAY!
Com o grito, o menino se assusta e cai para trás.
A luz da lareira ofusca a visão do pequeno com as brasas dentro do casebre.
Aprofundando-se dentro dessa chama, a perspectiva volta para o punho de Raisel brilhando incandescentemente.
“Desculpa por nunca ter muito interesse nas aulas teóricas, vovô…”
Com um sorriso de canto, ele finalmente entende o que deveria fazer.
“Se cada parte dos meus pecados, das minhas virtudes e emoções influenciam na minha energia. Eu já sei qual deles eu deveria me aprofundar.”
O palmo para de brilhar. Com as duas mãos sobre a lâmina, ele toma a postura para um corte horizontal poderoso.
Um respirar profundo.
Os olhos afiados refletem a sua determinação.
Com diligência por todos os seus esforços, com o ódio da sua frustração e do luto, todas essas emoções, virtudes e pecados se misturam.
O resultado? Um brilho exaltado que banha inteiramente o jovem como uma labareda dourada.
Mesmo em meio a sala preenchida por flores luminosas, a luz emitida pelo desafiante parece atordoar o cintilar multicolor pelos seus arredores.
Em um primeiro balançar de espada firme, a força do vácuo balança e entra em contato com as plantas.
A desarmonia começa a escurecer as pétalas uma por uma. Por outro lado, a postura é refeita conforme o fluxo da escuridão cresce exponencialmente.
“Ainda não… Ainda não.”
Conforme o breu toma a sala, as únicas luzes em destaque são o da infinita espiral acima e a luminescência pura daquele rapaz.
Um único balanço usando ambos os braços, a energia se expandiu para além da espada atingindo o chão pelos arredores.
Entretanto, de maneira fluída com o auxílio de Aquarius, o corte se ondula como uma serpente acompanhando o ritmo da escuridão crescente.
Os braços mantêm a arma rodopiando ao redor de si. Contudo, esse manejar se cessa após alguns instantes.
Todo o Gewissen do rapaz ressoa pela escuridão como uma chama, incendiando o breu.
À medida que as sombras correm, a luz inevitavelmente a persegue. No fim, os dois pontos de luz se unem.
O coração de Raisel, repleto de dúvidas ou hesitações, está leve.
“Que sensação boa…”
Mesmo após usar toda a sua aura, o seu espírito ainda está intacto. Da sua pele, os ferimentos causados começam a se curar com a tranquilidade, o calor, a sensação agradável no seu ente.
Com a união dos clarões, o brilho o força a fechar os olhos.
Assim que a luz se acalma, ele se vê novamente diante da torre central no bosque.
“Deu certo.”
Em um suspiro de alívio, os cantos dos lábios se curvam.
Ao lado, ele percebe uma espécie de esquilo se movendo por entre os arbustos.
Mais ao fundo, os pássaros cantam.
“Esse lugar sempre foi tão vivo?”
Inclinando-se contra o chão, a bainha é pega e a espada é guardada.
Mantendo-a ao palmo esquerdo, ele olha para os caminhos.
O corredor à esquerda que levava até as torres recém concluídas está obstruído por destroços.
Agora, resta apenas o caminho pela direita.
“Faltam mais duas torres. Vamos nessa.”
Perante o céu laranja no entardecer em Fyodor, as quatro estrelas aparecem brilhando antes da noite chegar.
A perspectiva se aproxima dessas estrelas indo além da ilha do Castelo.
Brilhando em meio ao breu, cabelos encaracolados de uma silhueta jovial feminina, segue acompanhando o garoto. No semblante dela, um sorriso de canto se esboça.
一 Falta pouco, garotinho. Estou ansiosa para quando nos encontrarmos.

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