Capítulo 29 - Investigações de Noah (II).
POV: NOAH WILLIAMS.
Eu estava parado na praça, a poucos minutos do horário marcado para a entrega.
O ar da manhã já tinha perdido o frescor e começava a se misturar com o cheiro de fritura vindo de food truck que ficava no canto da praça. Uma mulher, que ficava encostada na bancada do food truck, mastigava um sanduíche enquanto conversava com o atendente, rindo alto.
Observei o movimento com atenção, tentando gravar cada rosto e cada gesto suspeito.
A praça ficava em uma região bem movimentada da cidade, era ao lado da escola que Miguel estava infiltrado temporariamente para ficar de olho na garota.
Aquela região ficava entre uma avenida e um ginásio. Possuía caminhos de pedra, ilhas de grama e bancos alinhados. No centro, um playground colorido, com escorregador, balanços, uma torre de madeira, onde o riso das crianças era característico.
Haviam lâmpadas curvas em pequenos postes na calçada; ao fundo, o galpão vermelho e as colinas formam um limite tranquilo. O sol aquece o concreto, o cheiro de grama fresca mistura-se ao ruído distante de motores dos ônibus entrando e saindo da rodoviária ao fundo.
“Lugar bem conectado… Escola, praça, rodoviária e um fórum, praticamente colados um no outro”
A cidade parecia ganhar vida de repente, o que era característico em certos horários, como se alguém tivesse apertado um interruptor invisível.
As ruas enchiam-se de gente apressada, ônibus escolares voando baixo pelos pontos, caminhões passando carregados com mercadorias aleatórias. Alguns ambulantes disputam espaço e atenção, anunciando seus produtos em vozes quase ensaiadas.
O som de moedas tilintando e sacolas sendo abertas se misturava ao ronco dos motores.
Era um fluxo intenso e caótico, o tipo de ambiente perfeito para que H movesse o contrabando sem chamar atenção. Aqui, um homem poderia transportar um pacote valioso à vista de todos e ainda assim parecer invisível.
Não havia barreiras ou sistemas de inspeção nas entradas e saídas dali. Mesmo que houvesse, eu não tinha confiança alguma na polícia local para garantir que funcionassem.
Na verdade, havia uma boa chance de que H já tivesse comprado parte da força policial. A SLI acreditava firmemente que ele explorava justamente essa fragilidade.
As operações da Guarda-Sol costumavam ser meticulosas, grandes e complexas, envolvendo múltiplos intermediários e rotas redundantes. Mas a movimentação atual estava diferente, menos planejada, quase apressada.
Pensei nas últimas semanas. H sempre foi impulsivo, mas desde Budapeste, algo havia mudado.
Lembrava-me com nitidez da noite gelada à beira do Danúbio, quando o encontramos pela última vez. Aquele olhar calculista que ele sempre carregava parecia ter sido substituído por uma urgência quase ansiosa.
Agora estava mais descuidado, deixando rastros que antes jamais permitiria. Isso não combinava com o homem que conhecíamos. Conseguimos rastreá-lo com mais facilidade do que o normal, e isso não me parecia simples coincidência.
Talvez fosse um truque, uma armadilha para nos atrair. Ou talvez H estivesse sob pressão de algo maior, algo que nem mesmo ele conseguia controlar.
Terminei de analisar mentalmente os riscos, mas a sensação de que havia algo fora do lugar permanecia como um peso frio na nuca.
“Provavelmente, a GS tem alguma ideia maluca para H…”
Observei meu relógio de pulso para checar a hora, pois o emissário deveria chegar a qualquer momento. Já que o horário de entrega havia passado há alguns minutos.
Como se estivesse ouvindo meus pensamentos, um ônibus encostou na plataforma da rodoviária, freando com um chiado alto que ecoou pelo entorno.
As portas se abriram com um estalo metálico e a massa de passageiros começou a se mover como um organismo único, descendo com pressa e dispersando-se em várias direções.
Afastei-me da parte aberta da praça, e caminhei até uma posição de onde pudesse observar sem ser visto, me encostando em uma árvore, olhando diretamente para plataforma de embarque
Entre as pessoas que desciam, notei um homem usando roupas discretas, quase genéricas, típicas dos emissários, camisa sem estampas, jaqueta escura, calça de tecido resistente e um boné barato.
Era o tipo de aparência que passava despercebida em qualquer lugar.
Ele me olhou rapidamente, e naquele breve instante, fez um leve sinal de confirmação com a mão. um movimento quase imperceptível para qualquer observador casual.
Ele estava apertando o pulso da sua mão esquerda levemente, ele tocou com o indicador duas vezes onde ficava a posição da marca assinatura de um dominador; Aquilo era uma forma de verificar se eu possuía a marca-assinatura que provaria que eu era a pessoa para quem ele deveria entregar.
Respondi com minha marca literária: um gesto sutil, quase imperceptível, mas carregado com a simbologia do Fogo da Liberdade. Era meu sinal identificador dentro da organização, conhecido apenas por aqueles que realmente pertenciam a ela.
O homem captou a resposta e, sem hesitar, caminhou até a lateral da rodoviária.
Parou ao lado de uma lixeira simples com o símbolo da prefeitura, abriu-a com um movimento natural e colocou ali um pequeno envelope.
Não olhou para trás, não apressou o passo nem fez qualquer gesto que denunciasse ansiedade. Simplesmente seguiu andando, misturando-se à multidão que já esperava pelo próximo ônibus.
Aproximei-me devagar daquela região, tentei manter o olhar atento ao redor, como se estivesse apenas observando o movimento.
Dois adolescentes discutiam sobre futebol perto de um quiosque, um homem falava ao telefone de costas para mim, e uma senhora tentava acalmar uma criança que chorava. Tudo parecia normal.
Quando a área ficou momentaneamente livre, alcancei a lixeira e retirei o envelope com um movimento rápido, escondendo-a sob o casaco. O peso era pequeno, mas suficiente para confirmar que havia algo ali.
Comecei a andar de volta pelo caminho que vim. Enquanto seguia pela calçada, abri discretamente o envelope e examinei o conteúdo. Era o que eu esperava: o relatório, embalado e lacrado como de costume.
Conferi os selos internos e as marcas de autenticação. Tudo parecia em ordem, possuía o papel timbrado da SLI, códigos internos, carimbo de segurança.
Quando cheguei ao Trilegal Hotel, o recepcionista de sempre levantou os olhos do livro para me cumprimentar. Dei um leve aceno de cabeça e fui em direção ao elevador. E subi rapidamente para o quarto.
Fechei a porta atrás de mim, trancando-a com a chave.
O relatório continha imagens de alguns lugares com informações gerais e com assinaturas de QP que indicavam a possível presença de H, cada uma com coordenadas e anotações detalhadas.
Quatro locais com altas energias mágicas detectadas nos últimos dias, eram áreas espalhadas pelo município, e eu teria que investigar cada uma delas.
O primeiro ponto e a prioridade, seria o bosque que ficava na região do centro, perto da entrada para os bairros mais isolados e rurais da cidade. As imagens mostravam um longo campo verde com grama à meia altura e algumas trilhas de terra falhadas e várias árvores com copas largas e troncos grossos ao redor.
Popular por ser um ponto de comércio de drogas, merecia atenção máxima.
Fechei o arquivo e fiquei alguns segundos em silêncio, olhando para a parede à minha frente.
Cada um desses lugares poderia ser uma armadilha ou a peça que faltava para entender o que H estava tramando naquela cidade.
Eu teria de ser rápido, preciso e, acima de tudo, invisível.
“Era hora de investigar…”
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