Índice de Capítulo

    Quando o fogo tocou o mar, as ondas cantaram em fúria.

    Por um momento, tudo pareceu se alinhar. Se o pressentimento de Selene estivesse certo, então… tudo o que observei desde o início da batalha poderia, finalmente, fazer sentido.

    Fechei os olhos. Respirei fundo, tentando desligar-me do som dos rugidos e gritos de dor. Queria apagar o cheiro metálico de sangue e a umidade sufocante daquele andar. Precisava me concentrar se quisesse ver o que o véu da ilusão escondia.

    No escuro, uma luz vermelha intensa surgiu ao meu lado, pulsando como um coração vivo. Abri os olhos devagar e vi Selene, envolta em sua aura carmesim, tão vívida que parecia que o próprio ar queimava ao redor dela.

    Minha visão se expandiu pouco a pouco, revelando manchas e contornos coloridos. Auras de todos os tons: verdes como musgo, douradas como brasas, vermelhas como sangue. Entre todas, uma azul celeste se destacava, vibrante e impetuosa, quase agressiva. Aqua.

    — Está conseguindo ver? — Selene perguntou, com aquela voz baixa que carregava mais foco do que preocupação.

    — Sim — respondi.

    — Então foque na guardiã.

    Meus olhos procuraram pela serpente, mas era inútil. Havia aventureiros demais entre nós, e suas auras brilhantes se misturavam, formando uma barreira quase sólida.

    — Não consigo — admiti. — As auras dos outros bloqueiam minha visão.

    Selene não hesitou. Em um movimento rápido, segurou-me pela cintura. Antes que eu pudesse reagir, senti o impulso de suas asas e o ar frio subindo contra minha pele.

    — O quê?! — exclamei, quase perdendo o fôlego.

    — Agora você tem uma visão privilegiada — respondeu, como se me erguer no meio de uma batalha mortal fosse a coisa mais natural do mundo.

    O campo de batalha se abriu sob nós como um tabuleiro vivo. Movimentei meu olhar até o ponto onde a guardiã azul estava. E então… algo não batia. Todos os seres vivos que eu havia visto possuíam aura — clara, nítida, intensa. Mas a serpente que via ali… estava vazia. Um casulo oco, sem luz, sem essência.

    Um ataque repentino cortou minha atenção. A cauda da criatura se moveu em um arco veloz para atingir o chão, e naquele instante vi uma aura surgir junto ao golpe, como um reflexo fugaz, antes de desaparecer novamente.

    — Selene — murmurei —, tem algo errado. O ataque… veio de outro lugar… a aura dela apareceu por um segundo e depois sumiu novamente.

    Ela ficou em silêncio, mas a tensão em seu rosto me disse que estava processando cada palavra.

    — Continue observando. Tenha certeza do que vê.

    Mantive meu foco nos movimentos da criatura. Outro ataque se preparava, e desta vez, eu estava pronta. Quando a cauda desceu, meu olhar não se prendeu à imagem dela e sim na aura que aparecia logo abaixo, por um momento pude ver sua forma aparecer do chão e atacar um dos aventureiros.

    — Selene, precisamos ir acima dela. Agora.

    Ela não questionou. Suas asas bateram com força, levando-nos para uma posição diretamente sobre a guardiã. Estreitei os olhos, tentando penetrar o piso translúcido que refletia as luzes das auras como um lago congelado. Então, finalmente… vi.

    Abaixo de nós, ondulando com majestade e crueldade, estava a verdadeira aura da serpente. Enorme, sinuosa… e viva.
    Não era uma ilusão. Não dessa vez, mas talvez nós estivessemos lutando contra um reflexo esse tempo todo.

    — O corpo real dela está embaixo do piso — falei, a voz saindo mais urgente do que eu esperava. — Ela está de alguma forma usando seu reflexo para atacar sem ser percebida.

    Selene me olhou de relance, e no brilho nos olhos dela vi que havia entendido.

    — Então eu não estava enganada… — murmurou, quase para si mesma. — Quando aquele ataque me atingiu… então era esse o truque.

    Sem perder tempo, ela me segurou pela cintura e voou para longe da criatura, o vento cortando o ar ao redor, ela pousou e me deixou ao lado de Rose.

    — Vou resolver isso logo… vamos sair dessa torre!

    Selene se suspendeu no ar por um instante e mirou a serpente com um olhar predatório. A criatura pareceu entender o desafio e avançou, abrindo a bocarra translúcida, mas Selene não desviou — ao contrário, ela mergulhou direto na direção dela. O impacto que esperavamos nunca veio. Selene atravessou a imagem como se fosse vapor e, de repente, segurou algo invisível aos olhos normais, era como se ela estivesse agarrando o próprio vento, mas vi com clareza ela segurar a cauda da guardiã.

    — Te peguei — disse, num tom frio e satisfeito.

    Então, um impulso de fogo explodiu sob seus pés, a elevando num salto que mais parecia um disparo. No ar, girou o corpo e, num movimento rápido, arremessou o que segurava contra o chão com força brutal.

    O impacto soou como o estilhaçar de vidro e o rugido distante de uma onda quebrando. Do ponto em que atingiu, o piso começou a se distorcer, como se estivesse se desfazendo em fragmentos de luz. Aos poucos, a verdadeira serpente surgiu… ainda era azul, mas com um tom muito mais escuro, quase tempestuoso. Seus olhos brilhavam com fúria, mas por um momento ela pareceu vulnerável.

    — Ela… é maior do que parecia — Sophia murmurou, com a voz embargada, enquanto recuava.

    — Isso é o de menos, essa é a de verdade? — indagou Cratos, girando o machado nas mãos, mas sem ousar se aproximar ainda.

    Aqua estreitou os olhos e apontou para a guardiã.

    — Se preparem. Essa é a verdadeira luta!

    A serpente ergueu a cabeça, balançando de um lado para o outro, e então abriu a boca, soltando um rugido que não parecia som, mas um impacto direto dentro da mente. Senti minhas pernas vacilarem, como se algo estivesse drenando minha força. Ao mesmo tempo, correntes de água surgiram do chão, serpenteando pelo ar e formando lâminas líquidas que giravam em torno dela.

    Selene pousou ao meu lado, ainda incandescente com o fogo que havia usado para impulsionar o salto.

    — Agora a coisa vai ficar séria — disse, olhando para mim com o olhar de quem já estava prevendo o caos.

    E ela não estava errada.

    A água ao redor começou a girar num turbilhão, como se cada movimento dela influenciasse todo o ambiente. A pressão aumentava, dificultando a respiração, e o chão sob nossos pés parecia deslizar. Selene foi a primeira a avançar, um rastro flamejante cortando o ar e criando vapor no impacto com a umidade densa. Hernán tentou se erguer, mas Rose segurou seu ombro, ainda determinada a estabilizá-lo.

    Eu observava a luta, tentando entender a lógica dos movimentos. A serpente atacava com mais violência agora, como se quisesse compensar o tempo perdido se escondendo. Suas investidas partiam sempre de ângulos quase impossíveis, e, por mais que Selene conseguisse desviar ou contra-atacar, havia algo estranho. Não era só força bruta.

    A água explodiu ao redor quando a serpente golpeou com a cauda, lançando três aventureiros contra as paredes com um impacto seco. O som abafado dos corpos atingindo a pedra ecoou junto ao rugido do monstro. As lâminas líquidas cortavam o ar como guilhotinas, obrigando o grupo a se dispersar. Vi um deles levantar o escudo apenas para ser arrastado por uma onda que o jogou para fora do campo de visão.

    Na linha de frente apenas duas pessoas conseguiam se manter. Aqua avançou ao lado de Selene, seu corpo se movendo com precisão quase coreografada, as correntes de água que ela convocava colidindo contra as da própria guardiã, dissipando parte da força dos ataques. O contraste era quase hipnótico — de um lado, as labaredas de Selene riscando o ar e transformando gotas em névoa cintilante; do outro, a água cristalina de Aqua formando lâminas e lanças que estouravam contra as escamas.

    Selene atacou primeiro, impulsionando-se com fogo nos pés e girando a espada em um arco incandescente. A lâmina encontrou a carne, mas apenas arranhou a superfície endurecida das escamas. A serpente reagiu imediatamente, girando o corpo num movimento tão rápido que o olho mal conseguia acompanhar. Um chicote líquido cortou o ar na direção de Selene, mas Aqua interveio, moldando um muro de água que absorveu parte do impacto antes de quebrar em uma chuva pesada.

    — Ela está usando a pressão! — gritou Aqua enquanto já conjurava uma lança de água.

    Era verdade. Cada golpe dela vinha acompanhado de uma força que não era só física — a própria água ao redor obedecia, comprimindo, esmagando, como se estivéssemos no fundo do oceano.

    Selene não recuou. Com um rugido determinado, ela investiu de novo, mas desta vez Aqua a seguiu em sincronia. A água de Aqua se enroscou no corpo da serpente, criando correntes que forçavam sua atenção para um lado, enquanto Selene mergulhava no ângulo oposto, espada em chamas. O golpe atravessou a névoa e atingiu a lateral do pescoço da criatura, arrancando um rugido que fez as paredes tremerem.

    A serpente reagiu de forma mais violenta. Colunas de água irromperam do chão, quase como se o piso estivesse sangrando, tentando separar as duas combatentes. Uma delas atingiu Aqua no ombro, lançando-a contra a parede com força, mas ela já se erguia antes que alguém pudesse reagir.

    Selene, sozinha agora, girou no ar, usando um impulso de fogo para desviar de um golpe vertical da cauda. Assim que seus pés tocaram o chão, Aqua reapareceu, deslizando sobre uma fina lâmina de água, cortando em direção à serpente como se deslizasse. A criatura tentou mordê-la, mas foi interrompida quando Selene lançou uma rajada de fogo concentrada contra seus olhos.

    O calor me atingiu mesmo à distância, e vi as escamas naquela região ficarem marcadas de um tom opaco. Aqua aproveitou a abertura e canalizou um jato de alta pressão contra o mesmo ponto. O som do impacto foi como uma explosão abafada. Fragmentos de escama voaram, revelando carne viva.

    O rugido que veio depois foi diferente. Mais profundo. Mais… irritado. A serpente mergulhou para o fundo do turbilhão, sumindo completamente. O silêncio que se seguiu durou apenas um segundo antes de o chão inteiro tremer, ondulando em várias direções.

    Uma sombra enorme apareceu abaixo do piso, Selene e Aqua se mantinham lado a lado entre nós e a guardiã.

    — Será que sombras sangram? — arfou Selene com um sorriso de canto.

    Fim do Capítulo 50: O Cântico das Águas em Chamas.

    Notas do Autor: Em meio a tantos empecilhos, chegamos finalmente ao primeiro grande marco de Reinos de Cores Ilusórias: o capítulo 50. É uma conquista que não teria sido possível sem o apoio e a companhia de cada leitor e amigos que me incentivaram a seguir contando essa história.

    Este momento simboliza mais do que um número: representa o crescimento da trama, a evolução das personagens, e o fortalecimento da nossa conexão através das palavras. Espero que estejam sentindo o mesmo fascínio e emoção que eu sinto ao escrever cada desafio, cada vitória, e cada momento de dúvida e superação que Ashley e seus companheiros enfrentam.

    No geral, tem sido um desafio divertido e cativante criar o universo de Reinos de Cores Ilusórias, acredito que ainda tenho muito a desenvolver e talvez acabe me perdendo algumas vezes no processo, mas o importante para mim no momento é criar uma história que eu leria, não precisa ser perfeita, apenas uma fantasia imperfeita já está bom.

    Muito obrigado por estarem aqui. Que venham muitos capítulos mais… repletos de cor, mistério e emoção.

    Com gratidão, TheLastShadow.

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