Capítulo 33 - Notícias do outro lado do mundo.
POV: HELENA IVYRA
As primeiras aulas têm sido repetitivas e cansativas, sinceramente.
Eu me lembrava bem da sensação: sempre os mesmos roteiros, a mesma sequência dos professores explicando como funcionariam as avaliações, descrevendo as dinâmicas das aulas e revisando aqueles conteúdos padrões que todos nós já estávamos cansados de ouvir.
A cada repetição, parecia que o tempo se arrastava. Mas, finalmente, havíamos chegado ao fim.
A última, primeira aula do ano. A de Geografia.
Era a disciplina da professora Andressa, a mais jovem entre todos os docentes da escola. Isso me fazia sorrir, porque era quase cômico pensar que, no meio de tantos professores mais velhos, com décadas de carreira às costas, tínhamos ela, uma mulher que sequer havia completado trinta anos.
Claro que não estava ali por acaso. Andressa tinha fama de ser rígida, às vezes até chata, mas ninguém podia negar que sabia transmitir o conteúdo de forma clara e precisa. Ela era respeitada, e até causava um certo medo em muitos colegas de classe.
Eu me lembrava de sua aparência: cabelos loiro-claros, sempre presos de forma simples; estatura mediana; e o detalhe mais marcante, aquele par de óculos quadrados que lhe davam um ar sério.
Seus olhos castanhos refletiam uma firmeza que, por vezes, nos deixava desconfortáveis, mas também havia neles uma certa doçura oculta, típica de alguém que nunca esqueceu suas origens.
De fato, ela carregava aquela simplicidade do interior, ainda que disfarçada sob uma postura profissional.
Muitos tinham medo dela, e com razão. Suas broncas podiam ser duras, suas provas eram pesadas, e suas cobranças, quase sufocantes. Mas, ao mesmo tempo, havia nela um aspecto protetor.
Eu mesma já tinha testemunhado momentos em que ela não hesitou em enfrentar até o próprio diretor para defender um aluno injustiçado.
Era desse tipo de professora: dura quando precisava, mas capaz de se colocar como um escudo.
E assim, a última aula começou.
– Hoje, vamos conversar sobre algo que, à primeira vista, não parece tão ligado à geografia, mas que, se olharem com atenção, vão perceber a conexão direta – disse Andressa, ajeitando os óculos enquanto abria a apresentação no projetor.
Ela começou a falar sobre os diferentes estilos de literatura ao redor do mundo.
A forma como cada gênero, cada formato e cada tradição literária acabava se enraizando em determinada região, tornando-se quase um reflexo da própria cultura local.
– Se você deseja poesia de alta qualidade e sentimentalismo, vá à França ou à Espanha – explicou, com a naturalidade de quem já repetiu aquela lição outras vezes. – Se procura filosofia com profundidade e vários ensinamentos, os Alamanos, ou Alemanha, é o seu destino.
Eu anotava mentalmente, fascinada pela clareza com que ela traçava o mapa cultural.
– Ficção científica, quadrinhos, cultura pop? Partiremos para a terra da liberdade, os EUA – disse a professora, enquanto fazia um sinal de aspas com as mãos. – Mangás? Vamos à terra do sol nascente, Japão é o destino.
Ela fazia pausas estratégicas, permitindo que tivéssemos tempo para absorver e anotar cada exemplo. Aos poucos, seu discurso se ampliava, conectando o que parecia apenas literatura ao aspecto geral da matéria.
– Cada gênero tem suas próprias marcas. A cultura modifica a literatura, mas a literatura também molda a cultura. As fantasias épicas da Inglaterra não nasceram à toa; elas beberam da tradição medieval. Já as guerras e os conflitos políticos da França e da Espanha forjaram seus poetas melancólicos na base dos seus conflitos.
Eu a ouvia com atenção, e era como se cada palavra abrisse uma janela para além da sala de aula.
Era como uma viagem simples aos países e suas culturas, através de seus textos e histórias. Dizem que a leitura te permite viver mil vidas em apenas uma, mas não era apenas isso…
“A leitura permite que você viva mil culturas, apenas através do texto!”
Circulando rapidamente os países que ela já havia comentado e seus respectivos pontos fortes. Voltei minha atenção à sua explicação.
– A Rússia – continuou ela, num tom mais firme. – Com sua política tão turbulenta, foi o terreno perfeito para as obras realistas que marcaram época.
Houve um instante de silêncio, como se todos refletissem sobre a intensidade daquelas palavras.
– E não podemos esquecer a literatura sul-africana, frequentemente negligenciada. Carregada pelos traços do colonialismo e das tensões raciais, tornou-se profunda, dolorosa, mas também de uma beleza ímpar.
Eu suspirei baixo, sem querer. Havia algo magnético naquela aula.
– Resumindo: a literatura é moldada à perspectiva cultural de uma região, assim como influencia a forma como os costumes e tradições são representados – concluiu ela.
Mas a aula não parou por aí. Andressa, então, fez uma ponte inesperada.
– Da mesma forma, os poderes que estudamos também encontram terreno mais fértil em determinadas culturas. Não é coincidência – disse, mudando o slide.
Explicou que os Alamanos, com sua herança filosófica, tinham desenvolvido excelentes escolas de magia mental. Já os ingleses, mestres na dramaturgia, possuíam renomadas escolas de domínio nessa área, o que resultou em diversos atores de sucesso em Hollywood, por exemplo. E como uma cereja em cima do bolo, possuíam uma tradição de excelência em economia.
Tudo parecia se encaixar, como peças de um grande quebra-cabeça.
Enquanto ela organizava rapidamente os próximos slides, percebi que quando ela abria o navegador para conferir algo. Sem querer, percebi uma notícia em destaque.
Uma manchete corria pela tela: Crise médica na Terra do Sol Originário.
O nome oficial soava pomposo, mas logo reconheci: Japão. Do outro lado do mundo.
– O que é aquilo, psora? – perguntou um dos garotos do fundão, o típico tagarela Gabriel.
Meus olhos viraram para a professora, e não fui a única.
– É uma notícia que comenta os últimos acontecimentos no Japão, eles têm sofrido com algum tipo de crise médica ou surto de gripe nas últimas semanas. – respondeu Alessandra, conforme abria a notícia.
A notícia descrevia uma situação grave: várias pessoas estavam sofrendo com ataques de raiva e estranhamente, possuíam relatos de excesso de energia disparada em seus sistemas nervosos, criando vários casos de surtos espalhados por Tóquio e Kyoto.
As autoridades japonesas já haviam decretado estado de emergência.
Ao ler aquilo, senti um frio na espinha. Era como se, de repente, a realidade tivesse invadido a sala de aula, cortando a atmosfera quase acadêmica em que estávamos mergulhados.
A notícia mostrava algumas imagens daquelas pessoas sofrendo, vítimas de algo que parecia incontrolável, os ataques pareciam ser aleatórios, mas ocorriam principalmente com adolescentes.
O Japão sempre me pareceu um lugar distante, quase intocado. Porém, naquele instante, senti a proximidade brutal daquilo que até então era apenas um trecho de jornal.
“São só notícias, e ainda por cima, do outro lado do mundo, não há o que se preocupar… Eu espero…”
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