Sendo perseguido pelos Batedores e os guardas no Distrito Comercial, Yurgen se movimenta com agilidade enquanto atira flechas fantasmas com o seu arco, Svartgren.

    Uma, duas, três pessoas são mortas em um piscar de olhos. Mesmo que conseguissem desviar de um disparo, outro logo em seguida crava sobre a testa imperceptivelmente.

    Projéteis rasgam o ar tentando acertar o Coruja, mas nada sequer chega perto. Os olhos dele brilham em prata como a lua, apesar de ainda estar no fim da tarde.

    “Preciso abrir a passagem pro esgoto. Carmen está lutando com um Cavaleiro e o Raisel também.”

    Deslizando os olhos conforme abate mais inimigos, o velho arqueiro pensa sobre como os despistar.

    “Se as coisas não mudaram nesses anos, Sollerman é quem está encarregado da segurança da zona Comercial.”

    Uma memória antiga aparece sobre a mente do mentor. Naquela noite, aos olhos de todos sobre o Distrito Comercial, é como se fragmentos da lua e do sol se encontrassem numa colisão iminente. Os céus foram pigmentados na dualidade entre dourado e prata.

    Fechando os olhos num piscar mais profundo, ele volta a se focar na missão atual.

    “Não vou conseguir enfrentá-lo nessas condições. Mal estou conseguindo usar o Zienung.”

    As chamas incolores de Sansha contra Raisel.

    As explosões vermelhas e rosas entre Carmen e Romélia.

    Mesmo estando repleto de cores à sua volta, o que Yurgen percebe é monocromático. O mundo perdeu a sua cor faz algum tempo. Ele não sente nada mesmo ceifando vidas alheias, pessoas que devem ter famílias, filhos ou pais.

    Frio. A ferida da Ruína em sua costela passa a ser a única coisa que ele sente em meio ao calor da batalha.

    O som da corda do arco se repete incontáveis vezes. O cheiro do sangue é agridoce comparado ao odor pútrido que ele sente de si mesmo.

    As olheiras abaixo dos olhos prateados, no fim, se assemelham ao lado escuro do luar. Um lugar onde a luz não alcança, independente do que fizesse.

    Quando se deu por conta, não há mais ninguém o perseguindo.

    O silêncio devastador não está vindo de fora, mas sim de dentro. O seu coração sequer parece bater hoje em dia.

    Ao pousar sobre a rua com os incontáveis cadáveres, ele os encara, mas mesmo assim permanece inexpressivo.

    Uma energia familiar e um calor abrasivo atingem a luz prateada em seus olhos.

    “É ele.”

    De imediato, o olhar de Yurgen sobe em direção à muralha que separa os distritos. No outro instante, ele desapareceu sem deixar vestígios de si mesmo. O único indício de sua presença são os corpos espalhados pelas casas, destroços e ruas. Uma pilha de pessoas cujo coração não pulsa mais.

    Do alto de um edifício, ele dispara uma flecha de ponta pesada para cima. Espontaneamente, ela se curva como um cometa e visa atingir o Cavaleiro de Elite do outro lado da zona Comercial.

    Antes que a flecha prateada chegasse no alvo, ela é interceptada pelo projétil dourado.

    O choque entre os disparos pulsa as faíscas prateadas para todos os lados em meio ao céu.

    Mesmo sem se ver, ambos se cumprimentaram como no passado.

    Apontando uma flecha contra o chão, o Ziele Ordnung fixa o ponto com precisão. Uma flecha grossa é expelida e o seu brilho sobe como um pilar causando uma cratera sem fim.

    Indo em direção ao breu sem hesitar, Yurgen é o primeiro a se jogar.

    “Carmen e Raisel logo estarão aqui. Preciso verificar se os esgotos ainda estão desocupados.”

    Após alguns segundos, ele se choca contra uma poça de água ao fundo. A molhaceira preenche as suas vestes, a Máscara da Ocultação é tirada ao pisar no concreto, na passagem lateral entre aqueles túneis no subterrâneo do Distrito de Balmund.

    “Parece vazio, como sempre.”

    Pouco após se jogar, o barulho e os respingos da água atrás de si sobem.

    Virando-se lentamente, ele vê os olhos dourados e os olhos azuis dos seus companheiros se erguendo em meio à escuridão.

    一 Que água fria!

    A ruiva, desde já, salta para fora da água e pousa sobre o piso de concreto.

    一 ATCHIM!

    Raisel espirra e se levanta com dificuldade. Tampando o nariz, esse lugar tem um cheiro horrível de coisa podre.

    Por trás da barba, o velho sorri brevemente.

    一 Vocês estão bem?

    O garoto passa o antebraço contra o rosto e olha para o mentor, mas em seguida desviou o olhar para a mulher.

    一 Eu estou, mas a Carmen tá mais ferida.

    A poeira carmesim e dourada deixada para trás, no fim, representa o desaparecimento e o guardar das suas Verbin.

    一 Isso não é nada. Não precisa se preocupar.

    A mulher recolhe os ombros e aperta as laterais dos braços.

    一 Tem certeza?

    Yurgen aponta o palmo para ambos e o brilho prateado emite uma luz que os encobre como uma chama. Ele, mesmo encharcado, não se sente incomodado.

    As labaredas prateadas consomem Carmen e Raisel que estão secos.

    一 Obrigado, vovô.

    一 Você devia se secar primeiro, idiota.

    Descontente, a mulher vira o rosto e continua a caminhar.

    Raisel segue do outro lado, logo atrás do avô.

    一 Isso é “esgoto”?

    一 Sim. São caminhos subterrâneos bem antigos.

    一 Parece abandonado e o cheiro aqui é horrível. Tem certeza que isso vai nos levar pra fora, Yurgen?

    O protagonista ilumina o ambiente com uma orbe de luz dourada.

    一 Tenho, mas precisamos nos apressar. Logo deve vir Batedores checar o buraco.

    一 Por que você não derruba o caminho que ficou para trás?

    一 Acho que isso é meio perigoso, senhora Carmen. Esse lugar parece bem frágil. É capaz de ser totalmente derrubado…

    A senhora ri sem graça.

    一 Eu percebi isso, seu bobo. Quem você acha que eu sou?

    Tanto mestre quanto discípulo a encaram com um olhar de julgamento. A imagem recente dela encharcada de suco de uva os deixa ainda mais desconfiados do quão incontrolável ela pode ser.

    一 Vão pro inferno.

    Ela vira o rosto emburrada.

    O olhar dourado de Raisel se encontra com o cinza de Yurgen. Eles sorriem um pro outro.

    一 Como você soube desse lugar, vovô?

    Apesar de estar iluminando bem, o caminho é bem estreito. A água parada ali parece ser bem mais funda do que parece.

    一 Quando eu servi Yolina, eu precisei atravessar todos os Distritos sem ser pego. Eu soube daqui depois de investigar bastante uma forma de ir para o Deserto sem ser pego.

    一 Chegou a descobrir o porquê de existir um caminho assim sobre todo o Reino?

    A cabeça do avô balança de um lado para o outro.

    Após o diálogo, eles ficam em silêncio.

    O barulho dos passos, a umidade alta que faz os pulmões congelarem e o frio crescente estando em um lugar tão escuro.

    Após alguns minutos, eles avistam uma luz adiante.

    一 O que é?

    一 É um centro. Acima parece estar em algum lugar na zona Residencial.

    Ao se aproximarem, eles se deparam com uma cratera simplesmente colossal. A luz vem da superfície, mas sequer chega nas profundezas. O cheiro horrível vem lá de baixo.

    Nas paredes dessa cratera maior completamente lisa, há outros buracos que ainda escorrem água. O som das águas se encontrando ao fundo é apavorante, mas também curioso.

    一 Qual desses caminhos a gente pega? Você se lembra, né?

    A ruiva perguntou olhando o arqueiro com uma das sobrancelhas erguidas.

    一 Eu peguei aquele para ir até o Deserto.

    O velho aponta com o dedo indicador um dos buracos mais à frente, mas estando bem abaixo.

    一 Então para ir em direção a Kromslaing, deve ser aquele.

    O dedo desliza para a direita, mostrando um mais acima.

    “Deve?”

    Raisel e Carmen se encaram em silêncio após o pensamento simultâneo e idêntico. O olhar deles um pro outro já diz tudo.

    一 Vamos indo?

    O velho toma à frente, prestes a saltar.

    O orbe dourado é desfeito. A luz que vem de cima permite enxergar bem os caminhos laterais.

    Contudo, um arrepio consome a nuca de Raisel. Os olhos dele deslizam acompanhando um fluxo como o da própria morte sendo atraído para o breu. Um fluxo das trevas raso, mas amedrontador.

    Encarando o abismo, ele pareceu sorrir para o protagonista.

    O transe do menino é quebrado por um toque nos ombros. As mãos da mulher são visíveis pela cor das unhas avermelhadas.

    一 Vai. Vou logo depois de você.

    一 Ah, tá…

    Ao olhar para cima, o velho já havia ido e está correndo sobre as paredes.

    Quando ele chegou, o menino se preparou e fez o mesmo. Com o uso inconsciente do Impetus para os passos, se torna possível essa movimentação arriscada.

    “O que será que tem lá no fundo?”

    A mão de Yurgen se encontra com o palmo de Raisel que se apoia e, posteriormente, pousa sobre o túnel que provavelmente leva até Kromslaing.

    Em seguida, Carmen também é puxada.

    A orbe dourada novamente é feita.

    O menino toma à frente. Os adultos o acompanham logo atrás como uma fila.

    O protagonista sorri.

    “Isso me lembra da caverna com a Hiseld.”

    O trio caminha sobre o breu, orientados pela luz vinda de Raisel.

    Cada vez mais fundos naquela escuridão, a cratera central gradualmente fica para trás. O início do caminho sussurra com uma brisa que vem das profundezas.

    A perspectiva se afasta desse breu. Dessa vez, os olhos dos Batedores de Balmund estão sobre o buraco feito pela flecha de Yurgen.

    一 Eles pularam aqui?

    一 Sim. Eu vi o homem e a mulher se jogando.

    一 Deve ser bem fundo. Arremessa algo brilhando pra ver a profundidade.

    Um deles solta um pedregulho coberto por energia azul que cai por alguns segundos até bater contra algo líquido.

    一 Tem água lá no fundo. Vamos.

    O trio de perseguidores encapuzados pularam e começaram a cair sobre o buraco em conjunto.

    Ao caírem sobre a poça profunda, eles se levantam e se deparam com o túnel subterrâneo.

    一 Um canal de água?

    一 Desde quando isso existe?

    一 Não fazia ideia de que tinha algo assim aqui.

    Um deles puxa uma lamparina com uma borboleta cintilante esbranquiçada da cintura. Com alguns toques no vidro, a criatura lá dentro começa a se agitar e a iluminar o caminho.

    Os passos deles expressam o medo e o receio pelo desconhecido.

    一 O quão longe isso vai?

    一 Não sei…

    一 Tô com um mau pressentimento.

    Um deles se surpreende enquanto encara o horizonte.

    一 Olha, tem luz ali!

    Eles aceleram os passos.

    O mais à frente que carrega a lamparina para sobre a borda. Os outros dois atrás também param.

    一 Mas o que…

    Visualizando por cima dos ombros do companheiro, eles encaram o breu infinito lá embaixo da cratera central.

    一 Ei, vocês tão ouvindo essa música?

    一 Que música?

    Os dois à frente encaram o outro atrás.

    Com o rosto coberto pelo capuz, o último sorri.

    一 A melodia dos seus gritos.

    Empurrando-os em direção ao abismo com um pulsar de energia negra, os dois Batedores da frente, o da lamparina com a borboleta e o outro começam a cair.

    一 SEU FILHO DA PUTA!

    一 AAAAAAAAAH!

    As vozes dos companheiros ficam cada vez menos audíveis.

    O que os empurrou abaixa o capuz.

    A feição é revelada com um homem de cabelos escuros curtos, olhos de coloração negra e, o mais intrigante, uma estrela escura pulsante no centro da testa.

    一 Aproveite bem a refeição.~

    Virando-se, ele caminha para voltar em direção à superfície com o capuz cobrindo o seu rosto novamente.

    Da cratera central, um urro ecoa estremecendo todos os caminhos. O encapuzado restante permanece a sorrir.

    As trevas realmente nunca estão tão distantes da luz.

    Quem, ou melhor, o que habita as profundezas do Reino de Balmund?

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