Capítulo 33 - A Missão da Gata (3)
Sendo perseguido pelos Batedores e os guardas no Distrito Comercial, Yurgen se movimenta com agilidade enquanto atira flechas fantasmas com o seu arco, Svartgren.
Uma, duas, três pessoas são mortas em um piscar de olhos. Mesmo que conseguissem desviar de um disparo, outro logo em seguida crava sobre a testa imperceptivelmente.
Projéteis rasgam o ar tentando acertar o Coruja, mas nada sequer chega perto. Os olhos dele brilham em prata como a lua, apesar de ainda estar no fim da tarde.
“Preciso abrir a passagem pro esgoto. Carmen está lutando com um Cavaleiro e o Raisel também.”
Deslizando os olhos conforme abate mais inimigos, o velho arqueiro pensa sobre como os despistar.
“Se as coisas não mudaram nesses anos, Sollerman é quem está encarregado da segurança da zona Comercial.”
Uma memória antiga aparece sobre a mente do mentor. Naquela noite, aos olhos de todos sobre o Distrito Comercial, é como se fragmentos da lua e do sol se encontrassem numa colisão iminente. Os céus foram pigmentados na dualidade entre dourado e prata.
Fechando os olhos num piscar mais profundo, ele volta a se focar na missão atual.
“Não vou conseguir enfrentá-lo nessas condições. Mal estou conseguindo usar o Zienung.”
As chamas incolores de Sansha contra Raisel.
As explosões vermelhas e rosas entre Carmen e Romélia.
Mesmo estando repleto de cores à sua volta, o que Yurgen percebe é monocromático. O mundo perdeu a sua cor faz algum tempo. Ele não sente nada mesmo ceifando vidas alheias, pessoas que devem ter famílias, filhos ou pais.
Frio. A ferida da Ruína em sua costela passa a ser a única coisa que ele sente em meio ao calor da batalha.
O som da corda do arco se repete incontáveis vezes. O cheiro do sangue é agridoce comparado ao odor pútrido que ele sente de si mesmo.
As olheiras abaixo dos olhos prateados, no fim, se assemelham ao lado escuro do luar. Um lugar onde a luz não alcança, independente do que fizesse.
Quando se deu por conta, não há mais ninguém o perseguindo.
O silêncio devastador não está vindo de fora, mas sim de dentro. O seu coração sequer parece bater hoje em dia.
Ao pousar sobre a rua com os incontáveis cadáveres, ele os encara, mas mesmo assim permanece inexpressivo.
Uma energia familiar e um calor abrasivo atingem a luz prateada em seus olhos.
“É ele.”
De imediato, o olhar de Yurgen sobe em direção à muralha que separa os distritos. No outro instante, ele desapareceu sem deixar vestígios de si mesmo. O único indício de sua presença são os corpos espalhados pelas casas, destroços e ruas. Uma pilha de pessoas cujo coração não pulsa mais.
Do alto de um edifício, ele dispara uma flecha de ponta pesada para cima. Espontaneamente, ela se curva como um cometa e visa atingir o Cavaleiro de Elite do outro lado da zona Comercial.
Antes que a flecha prateada chegasse no alvo, ela é interceptada pelo projétil dourado.
O choque entre os disparos pulsa as faíscas prateadas para todos os lados em meio ao céu.
Mesmo sem se ver, ambos se cumprimentaram como no passado.
Apontando uma flecha contra o chão, o Ziele Ordnung fixa o ponto com precisão. Uma flecha grossa é expelida e o seu brilho sobe como um pilar causando uma cratera sem fim.
Indo em direção ao breu sem hesitar, Yurgen é o primeiro a se jogar.
“Carmen e Raisel logo estarão aqui. Preciso verificar se os esgotos ainda estão desocupados.”
Após alguns segundos, ele se choca contra uma poça de água ao fundo. A molhaceira preenche as suas vestes, a Máscara da Ocultação é tirada ao pisar no concreto, na passagem lateral entre aqueles túneis no subterrâneo do Distrito de Balmund.
“Parece vazio, como sempre.”
Pouco após se jogar, o barulho e os respingos da água atrás de si sobem.
Virando-se lentamente, ele vê os olhos dourados e os olhos azuis dos seus companheiros se erguendo em meio à escuridão.
一 Que água fria!
A ruiva, desde já, salta para fora da água e pousa sobre o piso de concreto.
一 ATCHIM!
Raisel espirra e se levanta com dificuldade. Tampando o nariz, esse lugar tem um cheiro horrível de coisa podre.
Por trás da barba, o velho sorri brevemente.
一 Vocês estão bem?
O garoto passa o antebraço contra o rosto e olha para o mentor, mas em seguida desviou o olhar para a mulher.
一 Eu estou, mas a Carmen tá mais ferida.
A poeira carmesim e dourada deixada para trás, no fim, representa o desaparecimento e o guardar das suas Verbin.
一 Isso não é nada. Não precisa se preocupar.
A mulher recolhe os ombros e aperta as laterais dos braços.
一 Tem certeza?
Yurgen aponta o palmo para ambos e o brilho prateado emite uma luz que os encobre como uma chama. Ele, mesmo encharcado, não se sente incomodado.
As labaredas prateadas consomem Carmen e Raisel que estão secos.
一 Obrigado, vovô.
一 Você devia se secar primeiro, idiota.
Descontente, a mulher vira o rosto e continua a caminhar.
Raisel segue do outro lado, logo atrás do avô.
一 Isso é “esgoto”?
一 Sim. São caminhos subterrâneos bem antigos.
一 Parece abandonado e o cheiro aqui é horrível. Tem certeza que isso vai nos levar pra fora, Yurgen?
O protagonista ilumina o ambiente com uma orbe de luz dourada.
一 Tenho, mas precisamos nos apressar. Logo deve vir Batedores checar o buraco.
一 Por que você não derruba o caminho que ficou para trás?
一 Acho que isso é meio perigoso, senhora Carmen. Esse lugar parece bem frágil. É capaz de ser totalmente derrubado…
A senhora ri sem graça.
一 Eu percebi isso, seu bobo. Quem você acha que eu sou?
Tanto mestre quanto discípulo a encaram com um olhar de julgamento. A imagem recente dela encharcada de suco de uva os deixa ainda mais desconfiados do quão incontrolável ela pode ser.
一 Vão pro inferno.
Ela vira o rosto emburrada.
O olhar dourado de Raisel se encontra com o cinza de Yurgen. Eles sorriem um pro outro.
一 Como você soube desse lugar, vovô?
Apesar de estar iluminando bem, o caminho é bem estreito. A água parada ali parece ser bem mais funda do que parece.
一 Quando eu servi Yolina, eu precisei atravessar todos os Distritos sem ser pego. Eu soube daqui depois de investigar bastante uma forma de ir para o Deserto sem ser pego.
一 Chegou a descobrir o porquê de existir um caminho assim sobre todo o Reino?
A cabeça do avô balança de um lado para o outro.
Após o diálogo, eles ficam em silêncio.
O barulho dos passos, a umidade alta que faz os pulmões congelarem e o frio crescente estando em um lugar tão escuro.
Após alguns minutos, eles avistam uma luz adiante.
一 O que é?
一 É um centro. Acima parece estar em algum lugar na zona Residencial.
Ao se aproximarem, eles se deparam com uma cratera simplesmente colossal. A luz vem da superfície, mas sequer chega nas profundezas. O cheiro horrível vem lá de baixo.
Nas paredes dessa cratera maior completamente lisa, há outros buracos que ainda escorrem água. O som das águas se encontrando ao fundo é apavorante, mas também curioso.
一 Qual desses caminhos a gente pega? Você se lembra, né?
A ruiva perguntou olhando o arqueiro com uma das sobrancelhas erguidas.
一 Eu peguei aquele para ir até o Deserto.
O velho aponta com o dedo indicador um dos buracos mais à frente, mas estando bem abaixo.
一 Então para ir em direção a Kromslaing, deve ser aquele.
O dedo desliza para a direita, mostrando um mais acima.
“Deve?”
Raisel e Carmen se encaram em silêncio após o pensamento simultâneo e idêntico. O olhar deles um pro outro já diz tudo.
一 Vamos indo?
O velho toma à frente, prestes a saltar.
O orbe dourado é desfeito. A luz que vem de cima permite enxergar bem os caminhos laterais.
Contudo, um arrepio consome a nuca de Raisel. Os olhos dele deslizam acompanhando um fluxo como o da própria morte sendo atraído para o breu. Um fluxo das trevas raso, mas amedrontador.
Encarando o abismo, ele pareceu sorrir para o protagonista.
O transe do menino é quebrado por um toque nos ombros. As mãos da mulher são visíveis pela cor das unhas avermelhadas.
一 Vai. Vou logo depois de você.
一 Ah, tá…
Ao olhar para cima, o velho já havia ido e está correndo sobre as paredes.
Quando ele chegou, o menino se preparou e fez o mesmo. Com o uso inconsciente do Impetus para os passos, se torna possível essa movimentação arriscada.
“O que será que tem lá no fundo?”
A mão de Yurgen se encontra com o palmo de Raisel que se apoia e, posteriormente, pousa sobre o túnel que provavelmente leva até Kromslaing.
Em seguida, Carmen também é puxada.
A orbe dourada novamente é feita.
O menino toma à frente. Os adultos o acompanham logo atrás como uma fila.
O protagonista sorri.
“Isso me lembra da caverna com a Hiseld.”
O trio caminha sobre o breu, orientados pela luz vinda de Raisel.
Cada vez mais fundos naquela escuridão, a cratera central gradualmente fica para trás. O início do caminho sussurra com uma brisa que vem das profundezas.
A perspectiva se afasta desse breu. Dessa vez, os olhos dos Batedores de Balmund estão sobre o buraco feito pela flecha de Yurgen.
一 Eles pularam aqui?
一 Sim. Eu vi o homem e a mulher se jogando.
一 Deve ser bem fundo. Arremessa algo brilhando pra ver a profundidade.
Um deles solta um pedregulho coberto por energia azul que cai por alguns segundos até bater contra algo líquido.
一 Tem água lá no fundo. Vamos.
O trio de perseguidores encapuzados pularam e começaram a cair sobre o buraco em conjunto.
Ao caírem sobre a poça profunda, eles se levantam e se deparam com o túnel subterrâneo.
一 Um canal de água?
一 Desde quando isso existe?
一 Não fazia ideia de que tinha algo assim aqui.
Um deles puxa uma lamparina com uma borboleta cintilante esbranquiçada da cintura. Com alguns toques no vidro, a criatura lá dentro começa a se agitar e a iluminar o caminho.
Os passos deles expressam o medo e o receio pelo desconhecido.
一 O quão longe isso vai?
一 Não sei…
一 Tô com um mau pressentimento.
Um deles se surpreende enquanto encara o horizonte.
一 Olha, tem luz ali!
Eles aceleram os passos.
O mais à frente que carrega a lamparina para sobre a borda. Os outros dois atrás também param.
一 Mas o que…
Visualizando por cima dos ombros do companheiro, eles encaram o breu infinito lá embaixo da cratera central.
一 Ei, vocês tão ouvindo essa música?
一 Que música?
Os dois à frente encaram o outro atrás.
Com o rosto coberto pelo capuz, o último sorri.
一 A melodia dos seus gritos.
Empurrando-os em direção ao abismo com um pulsar de energia negra, os dois Batedores da frente, o da lamparina com a borboleta e o outro começam a cair.
一 SEU FILHO DA PUTA!
一 AAAAAAAAAH!
As vozes dos companheiros ficam cada vez menos audíveis.
O que os empurrou abaixa o capuz.
A feição é revelada com um homem de cabelos escuros curtos, olhos de coloração negra e, o mais intrigante, uma estrela escura pulsante no centro da testa.
一 Aproveite bem a refeição.~
Virando-se, ele caminha para voltar em direção à superfície com o capuz cobrindo o seu rosto novamente.
Da cratera central, um urro ecoa estremecendo todos os caminhos. O encapuzado restante permanece a sorrir.
As trevas realmente nunca estão tão distantes da luz.
Quem, ou melhor, o que habita as profundezas do Reino de Balmund?
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