Capítulo 174 - Uma nova era?
A noite era densa, e as luzes da cidade, muito abaixo, pareciam manchas borradas numa tela acinzentada.
Wallace encarava Yumi de pé, os braços pesados ao lado do corpo.
Seu olhar era frio. Não de um garoto irritado — mas de um homem que carregava ódio até os ossos.
Yumi, do outro lado, recostada de maneira preguiçosa numa das vigas enferrujadas, brincava com uma pequena corrente entre os dedos, um sorriso preguiçoso nos lábios.
— Então — disse Wallace, a voz baixa e rouca. — É assim que termina? Depois de tudo que você fez… depois de matar o meu irmão… você simplesmente age como se nada tivesse acontecido?
Yumi soltou uma risada curta, debochada, como se estivesse ouvindo a piada mais idiota do mundo.
— Ah, Wallace… Sempre tão dramático. — Ela empurrou a corrente para dentro do bolso e se aproximou, botas fazendo barulho contra o metal enferrujado.
— Você fala como se eu tivesse matado um cachorro de estimação — ela sussurrou, inclinando a cabeça. — O seu irmão sabia no que estava se metendo. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, alguém iria arrancar aquela cabeça tola dele.
Wallace cerrou os punhos tão forte que as juntas ficaram brancas.
— Não era pra ser você — ele rosnou. — Ele confiava em você, sua… maldita demônia!
Yumi gargalhou, inclinando-se ainda mais para ele, tão perto que Wallace podia sentir o cheiro doce e azedo dela — como ferro misturado a flores podres.
— Confiança?— ela repetiu, debochada. — Confiança é uma moeda barata nesse mundo, Wallace. Quem confia demais… acaba morto.
O silêncio ficou espesso entre os dois.
Por um momento, Wallace pensou em avançar — esmagar aquele rosto insolente.
Mas, por alguma razão, seus pés estavam colados no chão.
Talvez porque, no fundo, ele soubesse que, mesmo agora… mesmo depois de anos treinando… ele ainda não tinha chances contra Yumi
— Por que você está aqui? — ele perguntou entre dentes. — Veio terminar o trabalho? Me matar também?
Yumi piscou lentamente, como uma gata entediada.
— Se eu quisesse você morto — disse ela com um sorriso torto — você já estaria sangrando no chão, querido.
Ela deu de ombros e se afastou, olhando para o céu nublado.
— Eu estou aqui porque… bem… —
Ela suspirou, como se aquilo a entediasse.
— Porque precisamos fazer as pazes, de um jeito ou de outro. Velhos rancores são um peso desnecessário agora.
Wallace franziu o cenho.
— Fazer as pazes? Depois do que você fez?
Yumi deu uma risadinha.
— Não precisa me perdoar. Só precisa… tolerar a minha presença. Um pouquinho.
O sarcasmo estava em cada sílaba, como veneno destilado.
Wallace apertou os olhos, seu coração martelando no peito.
Ele sabia que não podia confiar nela. Nunca.
Mas havia algo na maneira como ela disse aquilo — uma seriedade sombria, escondida sob todas as camadas de escárnio — que o fez hesitar.
Antes que pudesse responder, um grunhido baixo ecoou do canto escuro do prédio.
Yoru.
Ele acordou com uma dor latejante atravessando a cabeça.
O mundo parecia girar em círculos, e, por um momento, ele pensou que ainda estava sonhando.
Mas o cheiro de poeira, sangue e ferrugem era muito real.
— Yoru! — a voz de Hiroshi foi a primeira a atravessar a névoa.
Yoru piscou várias vezes, tentando focar.
Acima dele, quatro rostos familiares — Hiroshi, Leonard, Nathan e Ryuij — o observavam com preocupação.
— O… que aconteceu…? — Yoru murmurou, tentando se sentar. Uma dor aguda percorreu suas costas.
Nathan imediatamente o apoiou.
— Calma, irmão. Você ainda tá ferrado — disse ele, meio rindo, meio aliviado.
Leonard puxou um cantil e estendeu para ele.
— Bebe. Vai te ajudar.
Yoru tomou um gole, tossindo em seguida. A água estava morna, mas parecia a melhor coisa que já havia provado.
Depois de alguns minutos, quando o mundo parou de girar, Hiroshi puxou uma cadeira de metal e se sentou ao lado dele.
—Você apagou depois da luta — disse Hiroshi, sério. — Foi por pouco. Mas… Você demonstrou uma força absurda, algo que agente nunca tinha visto hoje —
Ele parou, balançando a cabeça.
Yoru franziu o cenho.
— Luta…? Eu não lembro de nada depois de… depois do Haruto ter me apagado…
Ryuij cruzou os braços.
— É normal. Você forçou seu corpo além do limite. Não é humano fazer o que você fez.
— Falando nisso… — Leonard olhou para os outros, como se pedisse permissão.
Nathan assentiu.
—Yoru — Leonard disse, o tom pesado. — Muita coisa aconteceu enquanto você estava desacordado.
Yoru sentiu o estômago revirar.
—O quê?
Hiroshi inspirou fundo.
—As 35 escolas do Japão… Elas foram… unificadas.
Yoru piscou, sem entender.
— Unificadas? Como assim?
Nathan se ajoelhou na frente dele, encarando-o nos olhos.
— Não existe mais 35 escolas lutando entre si. Agora… somos um só exército.
Yoru sentiu o chão sumir sob ele.
— Isso é… impossível — murmurou.
— Era impossível — Ryuij corrigiu, seco. — Mas aconteceu.Você conseguiu derrotar o Haruto, mesmo inconsciente, você agora foi capaz de unificar as 35 escolas do Japão depois de 10 anos
Leonard apertou o punho.
— Mas isso não significa que acabou. Significa que nossa verdadeira guerra… está só começando.
O vento soprou mais forte através das janelas quebradas, como se o próprio mundo estivesse sussurrando sobre o futuro.
Yoru apoiou a cabeça nas mãos, tentando organizar seus pensamentos.
Uma única força.
Um único exército.
Uma nova era.
Mas a que custo?
Ele olhou para os rostos dos amigos — sujos, machucados, exaustos.
E, mais ao fundo, viu Yumi observando a cena, encostada em uma coluna.
O sorriso dela era enigmático, quase… triste?
Yoru franziu o cenho.
Mesmo que todos eles estivessem juntos agora…
Nem todos os fantasmas do passado haviam sido enterrados.
….
O silêncio pairava pesado no topo do prédio.
As palavras ainda ecoavam na cabeça de Yoru como um sino distante: As 35 escolas do Japão agora estão unificadas.
Ele mal podia acreditar.
Era surreal… Como se tudo tivesse saído de controle, mas, ao mesmo tempo, estivesse exatamente onde deveria estar.
Yumi, ainda encostada na coluna de concreto, trocou um olhar breve com Yue, que até então permanecera quieta, sua expressão fria como gelo.
Sem dizer absolutamente nada, sem deixar sequer um aviso, ambas viraram as costas e desapareceram na escuridão da noite, seus passos ecoando suavemente até sumirem de vista.
Yoru observou, sentindo uma sensação estranha apertar seu peito.
“Por que…?” pensou ele, mas antes que pudesse formular qualquer teoria, Hiroshi bateu no seu ombro com um sorriso largo.
— Vamos, Yoru. — disse Hiroshi, a voz carregada de alívio. — O pessoal tá esperando.
Nathan riu, cruzando os braços.
— Depois de tudo que a gente passou, nada mais justo do que uma comemoração, né?
Leonard assentiu, ajeitando sua jaqueta rasgada.
— Todo mundo tá lá embaixo. Tão esperando você.
Ryuij ajustou as faixas em seu braço machucado.
— Não faz a gente passar vergonha, moleque. Anda logo.
Yoru esboçou um sorriso fraco.
Por fora, tentava parecer bem.
Por dentro, sua mente fervia de perguntas sem resposta.
Como ele tinha vencido aquela batalha?
Ele não lembrava de ter dado o golpe final em Mael.
Não lembrava de ter vencido.
Era como se… uma força além dele tivesse tomado o controle.
Sem outra escolha, ele se levantou com esforço, apoiando-se nos amigos, e desceram as escadas estreitas do prédio até a rua.
A noite lá fora era fresca, cheia de vida.
Grupos de jovens de diversas escolas se misturavam — rivais de ontem, companheiros de hoje — comemorando como se não houvesse amanhã.
Haviam fogueiras improvisadas queimando em tambores de metal, churrascos improvisados, músicas tocando de celulares antigos, e, acima de tudo, risadas.
Muitas risadas.
Yoru caminhou vagarosamente ao lado de Hiroshi, Leonard, Nathan e Ryuij, seus olhos vagando pelo cenário quase surreal.
Ali estavam eles: os guerreiros que tinham sobrevivido à maior guerra escolar da história.
Assim que o viram, uma onda de gritos e aplausos varreu a multidão.
— Yoru!!
— O líder!!
— O cara que unificou o Japão!!
Alguém entregou uma garrafa de bebida para ele, e, mesmo hesitante, Yoru tomou um gole, sentindo o calor rasgar sua garganta.
Nathan gargalhou, batendo forte nas costas dele.
— Isso aí, campeão! Bebe que hoje é festa!
Leonard riu.
— Só não morre engasgado, por favor. Já chega de susto por hoje.
Ryuij, com aquele sorriso frio e contido de sempre, cruzou os braços.
— Aproveita. Você merece.
Hiroshi aproximou-se e sussurrou, meio brincando, meio sério:
— Sem você, Yoru… isso aqui nunca teria acontecido.
Yoru sorriu, mas era um sorriso vazio.
Por dentro, ele sentia que havia algo errado.
Ele ergueu o olhar para o céu — uma vasta tapeçaria de estrelas, como se o universo estivesse observando tudo em silêncio.
Como ele havia ganhado a luta estando inconsciente?
A pergunta martelava sem parar dentro da sua mente.
Ele se lembrou de flashes:
Gritos.
Luz.
Um calor insuportável.
A sensação de que algo… ou alguém… tinha acordado dentro dele.
Mas depois… apenas escuridão.
— Hiroshi… — disse Yoru, chamando o amigo de lado.
Hiroshi se virou, preocupado.
— O que foi?
— Você viu o que aconteceu naquela luta? — Yoru perguntou, a voz baixa.
Hiroshi coçou a cabeça.
— Mano… eu vi você e o Mael lutando até o fim. Parecia que você tava no seu limite. E aí, do nada… você levantou. Como um monstro.
Nathan, se aproximando, acrescentou:
— Foi sinistro. De verdade. Parecia que você tava… diferente. Seu corpo tava brilhando. Uma energia azul bizarra saía de você.
Leonard se intrometeu.
— Não foi só força física. Foi como… sei lá… como se você fosse outra pessoa.
Ryuij, sério, completou:
— Era como se você tivesse se tornado… algo além de humano.
Yoru sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
Ele? Além de humano?
Era impossível… não era?
Ele fechou os olhos, tentando puxar qualquer memória daquela noite, mas tudo que veio foram ecos confusos e imagens distorcidas.
De repente, Hiroshi deu um sorriso meio torto.
— Mas, quer saber? Foda-se. Você venceu. A gente venceu. Isso é o que importa agora.
Nathan riu, puxando Yoru pela gola.
— Vem, mano! Vamos aproveitar essa porra. Hoje é dia de esquecer tudo.
Ryuij soltou um pequeno grunhido de concordância.
Leonard jogou um braço em volta dos ombros de Yoru.
— Você merece descansar, líder.
E, pela primeira vez em muito tempo, Yoru permitiu-se relaxar, mesmo com o turbilhão de dúvidas dentro dele.
A noite seguiu com festa, risadas, música ruim e churrasco queimado.
Mas, no fundo da mente de Yoru, a dúvida continuava queimando, silenciosa e implacável:
O que exatamente tinha despertado dentro dele naquela luta?
E…
será que ele ainda era o mesmo Yoru de antes?
O céu acima parecia sussurrar a resposta.
Mas, naquela noite, ele escolheu não ouvir.
Afinal, para perguntas tão grandes, às vezes… o silêncio era a melhor resposta.
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