Índice de Capítulo

    O fim da conversa com Jake deixava um gosto amargo na boca de Yoru. As palavras ecoavam como marteladas em sua mente: “Você vai ser caçado. Charles vai mandar alguém… cedo ou tarde.”

    O ar da noite estava denso, carregado de um silêncio estranho. A cidade ainda pulsava ao longe, mas na alma de Yoru, tudo estava quieto demais. Ele caminhava sozinho pelas ruas, as luzes dos postes derramando sombras compridas no asfalto. Seu corpo ainda doía, não fisicamente, mas como se algo dentro dele estivesse se partindo em várias direções.

    Chegando em casa, jogou a mochila no canto, passou a mão no cabelo molhado de suor e foi direto ao celular. Discou o número sem pensar duas vezes.

    Chamou duas vezes antes que Sophie atendesse.

    — Alô? — disse ela, com a voz cansada.

    — Sophie… sou eu. Yoru.

    — Ah… Oi, Yoru. O que houve?

    — Eu… queria conversar. Sobre o Haruto.

    Houve uma pausa do outro lado. Um suspiro.

    — Ele morreu, não foi?

    — Foi. Fui eu quem teve que acabar com ele. Não foi algo que eu queria. Mas ele… ele estava obcecado. Achava que podia unificar as escolas com base no medo. Ele era forte, mas estava cego.

    — Sempre soube que o Haruto ia longe demais…

    — Tem mais uma coisa. Eu descobri… sobre a gangue da Lua. Aquela mesma que matou minha mãe.

    Silêncio. Tenso, cortante.

    — E você quer ir atrás deles?

    — Preciso ir. Preciso entender por quê. Preciso acabar com isso de uma vez por todas.

    Sophie demorou a responder. Quando o fez, a voz dela soava… diferente.

    — Yoru… eu não posso mais me envolver nisso. Eu… Eu não quero mais lutas. Não quero mais sangue, medo, hospital…

    — Sophie…

    — Eu estou com o Ben agora. Estamos tentando algo novo. Eu quero estudar. Entrar na faculdade. Eu não quero morrer por causa dessas ruas. Me desculpa.

    Yoru se calou por longos segundos. Depois, sorriu fraco.

    — Você não precisa pedir desculpas. Você tem o direito de viver sua vida.

    — Obrigada por entender. Só… cuida de si, Yoru. Por favor.

    Ele desligou, olhando fixamente para a tela do celular. O mundo dele estava mudando. Mais uma peça se despedia do tabuleiro.

    Reuniu todos que ainda podia confiar. Um por um, vieram ao seu chamado

    [Dois dias depois]

    O local era o velho galpão onde tantos planos haviam nascido. O ar ali carregava memórias de socos, gritos, derrotas e vitórias. A luz fluorescente piscava de leve, e Yoru, no centro da sala, olhava para todos. Seu olhar era firme, mas havia tristeza ali.

    — Obrigado por terem vindo.

    Os rostos eram muitos. Alguns estavam calados, outros mexiam os pés, nervosos.

    — Eu sei que todos passaram por coisas pesadas. Sei que não foi fácil. Por isso, hoje… ninguém é obrigado a continuar. Se vocês querem parar, esta é a hora. Sem cobranças. Sem pressão.

    Yuna foi a primeira a falar.

    — Yoru… eu te respeito demais. Mas… eu quero ficar fora disso. Quero viver uma vida tranquila. Só isso.

    Mia abaixou a cabeça.

    — Eu… me senti fraca. Incapaz. Não tenho mais confiança para lutar.

    Lee sorriu levemente.

    — Quero viver com o Barry. E o Ryuji não veio mas… ele não acredita mais que pode vencer. Ele prefere sair antes de cair de vez.

    Outros foram falando. Phantom. Hajuki. Matabi. Susan. Juan. Sora. Mac-Donny. Cada um com seu motivo. Cada um com seu peso.

    Yoru os escutou em silêncio. No final, fez um leve aceno.

    — Vocês todos são parte da minha história. E sempre serão. Não importa se lutarem ao meu lado ou não.

    O restante que permaneceu formava um grupo pequeno, mas fiel.

    Kaito Suzuki, firme como sempre. Hiroshi, com os olhos queimando de vontade de fazer diferença. Nathan, com os punhos cerrados, pronto para tudo. Bunkjae, Hayato, Leonard…

    Yoru olhou para eles e sentiu algo estranho. Não era medo. Era… gratidão. Mesmo com o mundo caindo, ainda havia aqueles que escolhiam ficar.

    — Então, somos nós. Vamos seguir.

    Hayato sorriu.

    — A gente já enfrentou o inferno antes. Um pouco mais não vai matar.

    Kaito cruzou os braços.

    — Hora de descobrir quem realmente está por trás disso tudo.

    Hiroshi completou:

    — E se o Charles mandar alguém… que venha. Vamos mostrar que a nossa chama ainda está acesa.

    Yoru se virou para a porta. O ar da noite entrou pela rachadura da janela. Era como um novo começo, mas também o prenúcio de algo terrível.

    — A guerra… vai começar de novo. Mas agora… vamos lutar do nosso jeito.

    E assim, entre despedidas e alianças, o próximo capítulo começava a ser escrito no sangue, no suor… e na esperança.

    Três dias haviam se passado desde que Yoru tomara uma das decisões mais difíceis de sua vida. Enquanto o jovem reunia os poucos aliados que lhe restavam, em outra parte da cidade, a atmosfera era densa e carregada de tensão silenciosa.

    A sede dos Estúdios GHV — fachada luxuosa para um império forjado em manipulações, sangue e controle — estava envolta por espessas cortinas de veludo vermelho, que abafavam os sons externos. O ar era puro demais, limpo demais, como se a verdade estivesse sendo constantemente filtrada. No último andar, uma sala ampla de vidro escurecido dava uma vista privilegiada para o horizonte de prédios da cidade, mas lá dentro o clima era sombrio.

    Charles Choi estava sentado em uma poltrona de couro preto, de costas para as janelas. O rosto sereno, mas os olhos — frios, calculistas — refletiam um conflito interno constante. Ao seu lado, duas figuras de presença marcante: Yumi Blaker, conhecida como o “Demônio da Geração Um”, e Yue, a estrategista silenciosa e analítica que muitos diziam ser o verdadeiro cérebro por trás das últimas movimentações da GHV

    — O caos está se organizando — comentou Yue, rompendo o silêncio enquanto passava os dedos por uma pilha de relatórios. — As escolas estão se reestruturando. A queda do Haruto acelerou o colapso da falsa unificação.

    Yumi, recostada contra a parede com os braços cruzados, resmungou:

    — Não era uma unificação. Era domínio forçado. Haruto era um boneco com carisma. Eu avisei desde o início. Agora sobrou pro Yoru limpar a sujeira… como sempre.

    Charles girou lentamente sua cadeira, encarando as duas. Seu olhar demorou-se um segundo a mais em Yumi.

    — Não subestime o Yoru — disse com a voz firme. — Ele é resultado direto do que somos. Do que fizemos. Mas é jovem… e tolo. Age com o coração. Isso o torna forte, mas também… vulnerável.

    — Ele mexeu com a Hunides, Charles — Yumi continuou. — E essa gangue não é mais uma criança brincando de ser adulto. O novo grupo dele é bom, mas… tem algo novo surgindo.

    Charles franziu o cenho, interessado.

    — Algo novo?

    Yue respondeu, deslizando uma ficha pelo centro da mesa. Nela, uma foto amassada de um garoto de cabelos negros desgrenhados, olhos claros e sorriso torto. DAGON. Estava escrito em vermelho.

    — Dagon — disse Yue. — Ele é o novo nome entre os delinquentes de ponta. Ex-membro do grupo Hunides. Foi dado como sumido por meses, mas ressurgiu liderando a Black G, um coletivo emergente, formado por jovens que não se alinharam a nenhuma das escolas principais. Eles rejeitam autoridade e estrutura. Vivem pela guerra. E o pior… Dagon tem carisma. Aquilo que Haruto forçava. Ele não precisa fingir.

    Charles segurou a ficha, lendo cada linha.

    — Um dissidente da Hunides com potencial para criar uma nova revolução…

    — E ele conhece bem o estilo do grupo — completou Yumi. — Sabe como eles pensam. Como recrutam. Ele era amigo pessoal de Jake, antes da cisão. Dizem que os dois divergiram em ideologia. Jake quer manter o caos sob controle. Dagon quer alimentá-lo.

    O silêncio tomou conta da sala por alguns segundos.

    Charles deixou a ficha de lado, fechando os olhos por um momento. Quando os abriu, já não havia hesitação. Apenas estratégia.

    — Muito bem. Vamos montar um plano. Antes que o Yoru ache que pode mover esse tabuleiro sozinho.

    Ele se levantou e caminhou até um painel escondido na parede, onde digitou uma senha. A parede deslizou, revelando um mapa enorme da cidade, com marcações em luzes vermelhas e azuis.

    — A Hunides tem ramificações nos setores Leste e Norte. Yoru se estabeleceu na zona intermediária. Mas já fez aparições em áreas da Zona Oeste. Se deixarmos como está, em dois meses teremos uma nova guerra civil entre gangues.

    Yue se aproximou do mapa, analisando com atenção.

    — Jake ainda controla a estrutura da Hunides, mas perdeu força política interna. Com Yoru mexendo no vespeiro, logo outros vão tentar tomar o trono. É o momento ideal para desestabilizá-los. Quebrar a confiança entre eles.

    — Ou jogar Dagon contra Jake — sugeriu Yumi, com um sorriso cruel. — Deixá-los se matar.

    Charles assentiu lentamente.

    — Uma guerra interna. Nada destrói uma organização mais rápido do que ela mesma. Precisamos de um catalisador. Um movimento cirúrgico… preciso… e devastador.

    — Eu posso lidar com isso — disse Yumi. — Deixe-me ir até a zona Sul. Conversar com Dagon. Ver até onde ele está disposto a ir pra subir na hierarquia.

    Charles hesitou por um segundo, então assentiu.

    — Vá. Mas não entre em confronto. Observe. Analise. Se ele for tudo o que dizem, ele mesmo vai te procurar. Os predadores sentem o cheiro uns dos outros.

    Yue fechou o painel com um toque.

    — E quanto ao Yoru?

    Charles respirou fundo.

    — Ainda não. Quero ver até onde ele vai. Ele precisa sentir o peso da responsabilidade que carrega. Quando ele perceber que carisma não basta… que o mundo real exige sangue… então ele estará pronto para a próxima lição.

    Yumi se virou para sair, mas antes de atravessar a porta, parou.

    — Você acha que ele vai sobreviver?

    Charles não respondeu imediatamente. Olhou mais uma vez para o mapa, como se enxergasse além das luzes e fronteiras.

    — Não sei. Mas se ele cair… outro ocupará o lugar. Sempre foi assim.

    A porta se fechou atrás dela, e o som metálico ecoou pela sala. Yue fitava Charles em silêncio, até que disse:

    — Você ainda o considera que ele é aquela pessoa?

    Charles sorriu de forma quase imperceptível.

    — Não se trata de laços. Se trata de propósito.

    Lá fora, a noite se instalava sobre a cidade, mas dentro da sede dos Estúdios GHV, a verdadeira escuridão começava a tomar forma. E o mundo dos delinquentes estava prestes a mudar — mais uma vez.

    E talvez… pela última vez.

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