Índice de Capítulo

    O céu estava encoberto por nuvens pesadas, como se o mundo pressentisse que algo sério estava prestes a acontecer. O vento frio soprava pelas ruas de concreto desgastado do centro da cidade, onde prédios abandonados observavam tudo como testemunhas silenciosas da guerra que se aproximava.

    No topo de um dos edifícios mais altos do bairro comercial, Jakson encarava a mulher à sua frente com uma expressão sombria. Seus punhos estavam cerrados, veias saltadas nos braços e o maxilar travado.

    — Você só pode estar brincando comigo… Senhora Kim. — a voz dele ecoou, rouca, carregada de incredulidade e raiva. — Você… se aliou ao Charles?

    A mulher diante dele permaneceu calma, quase fria. A Senhora Kim vestia um casaco longo de couro escuro, os cabelos presos em um coque impecável, e os olhos, tão profundos quanto uma noite sem lua, não desviavam nem por um segundo do olhar inflamado de Jakson.

    — Aliar é uma palavra forte, Jakson. — disse ela, com uma tranquilidade que quase irritava — Digamos que estamos… cooperando.

    — COOPERANDO?! — Jakson gritou, dando um passo à frente, sua presença imponente fazendo o chão parecer tremer. — Você sabe quem ele é! O que ele faz! Ele destruiu famílias, assassinou inocentes, manipulou totalmente essa geração ao seu favor!

    — Eu sei. — ela respondeu firme, sem hesitação. — Mas ele tem um plano. E se for verdade o que ele diz… ele mesmo pode acabar com tudo isso.

    Jakson gargalhou, um riso amargo e descrente que ecoou entre os prédios.

    — Você está sendo manipulada. E por alguém como o Charles, ainda por cima. Ele só usa as pessoas como peças descartáveis! Você devia saber melhor, Kim! Você me treinou, me ensinou a ser como um guerreiro, e além disso, a nunca confiar em monstros. E agora você se curva pra um deles?!

    Ela olhou para o horizonte por um segundo, como se buscasse palavras que ainda não estavam prontas para sair.

    — Jakson… Nem tudo é preto no branco. Às vezes, pra derrubar um império, você precisa trabalhar com o diabo por um tempo.

    — Se você cruzar essa linha… — interrompeu Jakson, sua voz agora mais baixa, mais sombria, mas infinitamente mais ameaçadora — Se você se colocar no meu caminho… você vai morrer. Eu vou te matar. Porque agora, Senhora Kim… você é minha inimiga.

    O vento soprou mais forte. Um silêncio cortante pairou no ar. Por um momento, os olhos da Senhora Kim pareceram se entristecer… mas ela não recuou.

    — Então que seja, Jakson. Que sejamos inimigos.

    E então ela se virou, caminhando para longe sem olhar para trás, enquanto Jakson permanecia parado, com os olhos carregados de fúria e decepção, sentindo um pedaço dele se quebrar.

    Alguns minutos depois, em um carro preto luxuoso, com vidros escuros e bancos de couro sob medida…

    Charles observava a cidade através da janela. Suas mãos calmas seguravam um telefone antigo, prateado. Sua voz saiu suave, porém imponente, como a de um rei que já não se surpreende com rebeliões.

    — Yue… limpe a sujeira que aqueles vermes fizeram, eles estão começando a se esquecer de quem manda.

    Do outro lado da linha, a mulher riu suavemente, sua voz carregada de charme e veneno.

    — Já estou a caminho, Charles. Vai ser… divertido.

    Ele desligou sem responder. O carro seguiu em frente, desaparecendo na névoa da cidade.

    Área Industrial Abandonada – Tokyo

    O local era uma junção de becos sujos, galpões caindo aos pedaços e sombras que pareciam se mover por vontade própria. O cheiro de ferrugem e óleo queimado impregnava o ar. Lá dentro, dezenas de jovens delinquentes estavam reunidos, murmurando palavras de insatisfação.

    No centro de tudo, um garoto musculoso, com uma tatuagem de dragão no peito e um olhar de desconfiança e força: Anthony.

    Ele era o líder não-oficial daquele pequeno grupo de rebeldes. Forte, orgulhoso e impaciente, Anthony estava farto de ordens vindas do alto.

    — O Charles acha que pode nos controlar pra sempre? — gritou ele, fazendo os outros murmurarem em concordância. — A gente é quem faz o trabalho sujo, quem sangra nas ruas! Tá na hora de virar o jogo!

    Nesse exato instante, o som de um salto ecoou pelo galpão.

    Toctoctoc…

    Uma silhueta surgiu na entrada, caminhando com calma, como se estivesse entrando numa festa.

    Yue.

    Usava um vestido colado preto com fendas nas laterais, botas de salto alto, batom vermelho-sangue e um sorriso provocante. Seu olhar era felino, sedutor e perigoso.

    — Mas que revoluçãozinha charmosa é essa? — disse, com voz doce, passeando os dedos pelos trilhos de ferro enquanto caminhava em direção a Anthony.

    Os delinquentes se armaram, mas hesitaram. Todos conheciam o nome dela. Yue. A “serpente”. Uma assassina. Uma das fieis garotas de Charles. Um toque dela e a maioria ali morreria sem sequer saber como.

    Anthony manteve a postura, apesar do suor escorrer pelas têmporas.

    — Você veio sozinha?

    — Acha que preciso de ajuda pra lidar com garotinhos que jogam pedras e gritam por liberdade? — ela piscou.

    Anthony rangeu os dentes.

    — Vai dizer que veio nos matar, só porque queremos ser livres?

    Ela riu. Um riso lento, provocante, cheio de duplo sentido.

    — Na verdade, Anthony… vim te fazer uma proposta. Você é bonito, forte, corajoso. Eu gosto disso. — ela se aproximou, deslizando os dedos pelo braço dele, como uma cobra marcando território. — Mas precisa escolher… Vai continuar brincando de rebeldinho… ou vai se tornar meu brinquedo?

    Os outros se entreolharam, confusos e nervosos. Anthony engoliu em seco. A presença dela era sufocante, seu cheiro doce e letal, seus olhos profundos e hipnóticos.

    — Você acha que eu tenho medo de você? — ele murmurou, tentando resistir.

    Ela se aproximou mais, agora com o rosto a poucos centímetros do dele.

    — Não, amor… Eu acho que você tem medo de como vai gostar disso.

    PUM!

    Um dos delinquentes tentou atirar, mas Yue sacou uma adaga e a lançou num movimento quase invisível. A lâmina atravessou o crânio do rapaz, que caiu morto com os olhos arregalados. O galpão mergulhou num silêncio sepulcral.

    Yue passou a língua pelos lábios, como quem saboreia o clima de pavor.

    — Última chance, Anthony. Se ajoelhe… e beije minha mão. Ou eu começo a dançar. E quando eu danço… todos morrem.

    O garoto respirava pesado. Sentia raiva, medo… e algo mais. Uma excitação confusa, instintiva. Ela era um veneno doce. E ele estava preso.

    Anthony, tremendo, deu um passo à frente… e se ajoelhou.

    Yue estendeu a mão com dedos longos e pintados de vermelho.

    — Boa escolha.

    Quando os lábios dele tocaram sua pele, um novo pacto foi selado. A rebelião havia morrido. E Charles havia vencido mais uma vez.

    A noite se esvaía lentamente, e o céu começava a clarear em tons alaranjados. No galpão enferrujado do Distrito 12, o silêncio reinava após a rendição dos delinquentes. Corpos estavam estirados no chão, vítimas da brutal eficiência de Yue. Os que restaram vivos estavam ajoelhados, de cabeça baixa, como cães domados pela coleira invisível do medo.

    De pé entre os sobreviventes, Yue mantinha a postura elegante. Nenhum fio de cabelo fora do lugar, o vestido ainda impecável, e a lâmina dourada em sua mão cintilava sob a fraca luz da manhã.

    Ela levou o celular dourado aos lábios pintados de vermelho e discou calmamente. Em segundos, a voz conhecida atendeu.

    — Charles. — disse ela com doçura. — Está feito. Os ratinhos se ajoelharam. Anthony agora lambe os próprios pecados… e a minha mão.

    Do outro lado da linha, um silêncio breve foi seguido por uma gargalhada seca e refinada.

    — Ah, Yue… você nunca decepciona. — Charles disse, com a satisfação de um xadrezista ao capturar a peça-chave. — Volte para seus aposentos. Descanse. Esta noite, você vai ser recompensada.

    — Já estava esperando por isso. — ela respondeu, com uma voz cheia de malícia e mistério.

    Ela desligou e lançou um último olhar a Anthony, que a fitava com olhos indecifráveis — um misto de raiva, vergonha e… desejo.

    — Nos veremos em breve, querido. — ela sussurrou, desaparecendo entre as sombras, deixando atrás de si apenas medo e submissão.

    Manhã seguinte – Escola Secundária 25

    O clima estava tenso mesmo com o sol brilhando alto. Dentro de uma das salas de treino da escola, o chão de madeira rangia sob os passos dos três adolescentes reunidos num círculo improvisado. Yoru, com as mãos nos bolsos e expressão carrancuda, encarava o chão. Hiroshi, sentado de pernas cruzadas, coçava a nuca com impaciência. Sophie, com um caderno cheio de rabiscos e planos, folheava as páginas sem parar.

    — A gente precisa agir logo. — disse Hiroshi. — Se o Charles continuar expandindo, vai controlar todo o Japão em menos de um mês.

    — Ele já tem agentes infiltrados em várias diretorias. Até mesmo na mídia local. — Sophie completou, a voz carregada de tensão.

    Yoru permanecia em silêncio. Seu olhar estava distante, como se analisasse cem mil possibilidades em sua mente.

    — E se a gente conseguir… mostrar ao mundo quem ele realmente é? — Sugeriu Sophie. — Revelar os segredos, os crimes, os documentos. Expor ele.

    — Ele queima provas antes mesmo de cometer o crime. — Yoru respondeu finalmente, com a voz baixa, quase como um aviso. — Nada do que ele faz é deixado ao acaso. Ele sempre está dez passos à frente.

    Hiroshi socou o chão com frustração.

    — Então qual é a droga do plano, Yoru?! Esperar ele vir matar a gente também?

    O silêncio que se seguiu foi tão denso quanto chumbo.

    Foi então que… o ar da sala congelou.

    Literalmente.

    A temperatura caiu como se o inverno tivesse engolido o ambiente. Os três pararam, sentidos em alerta, corações acelerando.

    — Você sentiu isso? — murmurou Sophie.

    A porta da sala rangeu.

    E ele entrou.

    Charles.

    Vestindo um terno impecável preto com detalhes prateados, o homem caminhava com uma lentidão quase poética. Seus olhos cinzentos pareciam varrer cada centímetro da alma dos adolescentes. Nenhum guarda o acompanhava. Nenhuma arma à vista. Apenas ele… e um silêncio opressor que dobrava a espinha dos fracos.

    Yoru tentou se mover. Seus músculos… não obedeceram. Como se algo invisível o pressionasse ao chão. Hiroshi também ficou paralisado. Sophie tremia levemente, com os dedos ainda sobre o caderno.

    — Olhem só vocês… os pequenos revolucionários. — disse Charles, com um sorriso sutil nos lábios finos. — Planejando minha queda em uma escolinha de quinta. Que adorável.

    — Como você entrou aqui…? — Hiroshi conseguiu soltar, com esforço.

    — Por favor. — Charles arqueou a sobrancelha. — Eu entro onde quiser. Respiro o mesmo ar que vocês. Controlo as ruas, os sistemas, as câmeras, os diretores… Vocês acham mesmo que estão seguros em algum lugar?

    Yoru forçou os músculos, sentindo o suor escorrer pela têmpora. Ele rugiu, um som animal, e finalmente deu um passo.

    — Você não devia estar aqui.

    Charles o encarou com um brilho nos olhos. Não de medo, nem de cautela. Mas de… curiosidade.

    — Ah, Yoru. O jovem lobo. Tão cheio de ódio. Tão promissor. — ele se aproximou, agora a menos de um metro de distância. — Tem algo em você. Algo que me intriga. Algo que nem você entende ainda.

    — Fica longe de mim. — Yoru rosnou.

    — Você sabe que eu poderia esmagar vocês três agora, certo? — disse Charles, calmamente, como quem explica o clima para um turista. — Mas não estou aqui para isso. Estou aqui para conversar. Como adultos.

    — A gente não quer conversar com um monstro. — Sophie cuspiu as palavras, se levantando com dificuldade.

    Charles apenas riu, sem se abalar.

    — Então escutem. Só isso. Escutem.

    Ele deu um passo para trás, ergueu as mãos como quem mostra que não oferece perigo. Mesmo que isso fosse uma mentira óbvia.

    — Eu vou mudar este mundo. E vocês três podem fazer parte disso. Não como inimigos… mas como arquitetos da nova era.

    — Você fala como um profeta, mas é só um manipulador. Um assassino. — disse Hiroshi.

    Charles suspirou.

    — Já ouvi isso antes. Mas me digam… vocês realmente acham que podem me derrubar? Quem vai liderar esse mundo quebrado se eu cair? O governo? As gangues? Esses moleques de cabelo colorido gritando por respeito?

    Yoru cerrou os punhos.

    — Eu não sei quem vai liderar. Mas eu sei que você não vai.

    Charles o olhou por um longo momento.

    Silêncio.

    Depois, ele sorriu. Um sorriso cheio de algo mais profundo. Convicção. Loucura. Grandeza.

    — Veremos. Muito em breve.

    E sem mais uma palavra, ele virou-se… e desapareceu pela porta como uma sombra se dissipando ao nascer do sol.

    Assim que ele se foi, a pressão no ar se dissipou.

    Os três caíram sentados no chão, ofegantes.

    — Ele… realmente esteve aqui. — Sophie murmurou, incrédula.

    — Ele nos deixou viver. Por quê? — Hiroshi perguntou, sem conseguir conter o tremor.

    Yoru encarava a porta por onde Charles saíra. Os olhos dele estavam diferentes. Ardendo como brasas. Ele finalmente entendia o que estava em jogo.

    — Porque ele quer que a gente veja… o que está vindo.

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