A garagem tremeu quando o brutamonte se ergueu novamente, tirou sua máscara de pano, mostrando seu longo cabelo e face com extrema raiva. O sangue escorria do nariz e da boca, mas seus olhos ardiam em fúria descontrolada.

    Isabel estava de pé, não conseguiu se mover. O corpo recusava obedecer, e a mente gritava em choque.

    — Eu ainda… — o brutamonte rosnou, a voz grossa como trovão. — Vou matar você.

    Antes que ela pudesse reagir, ele agarrou um carro pela lateral, como se fosse apenas um brinquedo, e o ergueu acima da cabeça.

    Isabel arregalou os olhos, o coração paralisado.

    — Morre de uma vez! — rugiu o gigante, lançando o carro contra ela.

    O impacto foi brutal. O mundo virou um borrão de metal retorcido e vidro estilhaçado. O barulho ensurdecedor ecoou pelo estacionamento enquanto o veículo esmagava Isabel contra o chão.

    O brutamonte não esperou para confirmar. Puxou sua máscara do canto e, mancando, desapareceu na escuridão do beco. Silêncio. Apenas o estalar do concreto e faíscas de cabos quebravam o ar sufocante, o estacionamento estava em ruínas.

    Debaixo do carro destruído, Isabel mexeu um dedo. Depois outro. Com um gemido sufocado, empurrou a lataria retorcida com o braço esquerdo, enquanto o direito segurava o abdômen em puro reflexo de dor.

    Aos poucos, saiu debaixo do peso do veículo, respirando em arfadas dolorosas. Seu uniforme estava em farrapos, a blusa e a calça rasgadas em várias partes, manchadas de sangue seco e fresco. A máscara em fiapos, deixava um corte visível na sobrancelha.

    Ela cambaleou alguns passos, tentando escapar, mas o corpo não respondeu. As pernas cederam. Isabel caiu de joelhos, ofegante, apoiando-se no chão com uma mão trêmula.

    — Eu… ainda tô viva… — murmurou, sem acreditar.

    As sirenes cortaram a noite. As luzes vermelhas e azuis preencheram a garagem destruída. Isabel ainda tentou se arrastar para a sombra, mas o corpo não respondeu. Desabou, finalmente inconsciente.

    Poucos segundos depois, uma equipe de policiais invadiu o local, com armas em punho. Um deles foi o primeiro a se aproximar, arregalando os olhos ao ver a figura mascarada caída entre os destroços.

    — É ela… — sussurrou, abaixando-se ao lado da garota. — A vigilante dos vídeos.

    Outro policial se aproximou, ofegante. — Merda, ela tá viva?

    — Chama ajuda! — gritou o primeiro. — Ela precisa de um hospital, agora!

    Do rádio, vozes insistiam por relatório, mas os dois se entre olharam. Havia respeito em seus olhares. Eles já sabiam quem era aquela garota. Não era uma criminosa, nem era uma ameaça. Era alguém que tinha enfrentado sozinha o tipo de monstro que nem eles ousariam encarar.

    — Se não fosse por ela, aquele brutamonte teria matado dezenas… — murmurou o policial, enquanto segurava Isabel com cuidado.

    — Então vamos garantir que ela sobreviva. — respondeu o outro, chamando a ambulância pelo comunicador.

    As sirenes soaram ainda mais alto, desta vez para salvar a vida daquela que a cidade começava a reconhecer como sua nova heroína.

    Naquela noite, Isabel não só conheceu o peso de um super-vilão… mas também o começo do respeito daqueles que juraram proteger a cidade.

    Isabel abriu os olhos lentamente. O teto branco e as luzes frias a cegaram por um instante. O cheiro de desinfetante e o bip constante de um monitor cardíaco confirmaram o óbvio: estava em um hospital.

    O corpo doía em cada fibra, cada respiração parecia arranhar por dentro. Ao olhar para o lado, viu o braço enfaixado, soro preso à veia e a máscara sobre a mesa de cabeceira, rasgada, manchada de sangue seco.

    “Merda…” pensou, sentindo o coração acelerar. “Me descobriram?”

    Mas, antes que pudesse se levantar, a porta se abriu. Uma enfermeira entrou, sorridente, segurando uma prancheta.

    — Ah! Você finalmente acordou, não se preocupe, mocinha. Você está segura aqui. — disse suavemente, ajustando os aparelhos. — A cidade inteira está falando de você.

    Isabel congelou.

    A enfermeira saiu logo em seguida, e então, de fora, vieram sons de vozes e câmeras.

    Na televisão presa à parede, o noticiário estava no ar. O âncora falava com a seriedade de uma manchete histórica:

    — “Boa tarde… Ontem à noite, nossa cidade foi palco da aparição de um novo vilão de proporções nunca antes vistas. Conhecido apenas como o ‘Esmagador’, o criminoso assaltou o banco, devastou ruas e deixou dezenas de feridos. Mas, em meio ao caos, surgiu também uma figura inesperada: a vigilante mascarada que já havia aparecido em vídeos anteriores. Ela enfrentou o vilão sozinha e, segundo a polícia, impediu que a destruição fosse ainda maior.”

    A imagem cortou para uma coletiva de imprensa. Dois policiais conhecidos da cidade estavam diante dos microfones, flashes das câmeras disparando sem parar.

    Um deles, o capitão Rodrigues, um adulto bonito, de cabelo arrumado e com barba por fazer, falou firme:

    — “Sim, é verdade. A jovem vigilante foi encontrada gravemente ferida após o confronto. Graças à sua intervenção, vidas foram salvas. Ela está sob cuidados médicos e se recuperando bem.”

    Um jornalista gritou da plateia:

    — “E a identidade dela? A polícia já sabe quem é?”

    O capitão trocou um olhar rápido com o inspetor ao lado antes de responder:

    — “A identidade dela não será revelada. Essa jovem arriscou a própria vida para proteger civis inocentes. Ela merece respeito, não perseguição. Enquanto ela quiser permanecer anônima, garantiremos isso.”

    Um burburinho de aprovação ecoou entre os repórteres.

    — “Posso afirmar que, pela primeira vez em muito tempo, temos alguém disposto a enfrentar o que até nós não conseguimos. Se quiserem chamar de heroína, ela já conquistou esse título, em nossa cidade.”

    A plateia explodiu em perguntas, mas Isabel desligou a televisão com a mão trêmula. O coração disparava.

    Heroína. Eles a chamavam de heroína.

    Mas, olhando para as ataduras, lembrando do carro esmagando seu corpo e do sangue que escorria, ela só conseguia pensar:

    Se eu sou uma heroína… então por que ainda me sinto tão fraca?”

    Ela fechou os olhos, deixando o som distante das câmeras se perder.

    Depois de um tempo, o silêncio do quarto foi quebrado apenas pelo bip compassado do monitor. Isabel permaneceu imóvel, encarando o teto, a respiração curta, como se qualquer movimento pudesse abrir suas feridas de novo.

    A porta se abriu devagar. Um homem de terno entrou, carregando consigo uma pasta preta e um olhar sério. Não era médico.

    — Você é mais resistente do que aparenta. — disse, fechando a porta atrás de si.

    Isabel imediatamente se ergueu na cama, apesar da dor. — Quem é você?

    O homem mostrou um crachá da polícia, mas era um rosto familiar, ele estava na tv.

    — Inspetor Álvares. — respondeu. — Só queria ver com meus próprios olhos a garota que sobreviveu ao Esmagador.

    Ela não respondeu. O olhar dele era penetrante demais, como se tentasse enxergar através da pele e da máscara rasgada sobre a mesa.

    — Não precisa se preocupar. — continuou, percebendo a tensão dela. — A polícia decidiu protegê-la. Oficialmente, você é apenas uma “vítima não identificada” do ataque. Mas… — ele se inclinou ligeiramente para frente. — Extra oficialmente, sabemos que você não é apenas uma vítima.

    Isabel desviou o olhar, o coração disparando.O inspetor sorriu de canto, mas não insistiu.

    — Só lembre-se: esse título de “heroína” que a cidade começou a usar… é uma lâmina de dois gumes. Heróis inspiram. Mas também atraem inimigos.

    Ele se virou para sair, parando antes de abrir a porta. — O Esmagador não vai parar. — disse, a voz grave. — E, quando ele voltar, a cidade vai esperar que você apareça de novo.

    A porta fechou.

    Isabel ficou sozinha outra vez, o peso daquelas palavras esmagando o peito.

    O título que parecia tão distante agora era uma corrente. A cidade esperava que ela fosse algo que mal sabia ser.

    As lágrimas vieram sem que pudesse evitar, quentes, silenciosas.

    Mas, no fundo, junto do medo e da dor, uma centelha ardeu. Uma lembrança da sensação que teve ao impedir o monstro, mesmo pagando o preço com sangue e ossos.

    Uma sensação que não era apenas fraqueza. Era… escolha.

    Ela fechou os punhos com força, respirando fundo, mesmo que doesse.

    Se a cidade precisava de uma heroína… talvez fosse hora de decidir se estava disposta a ser essa pessoa.

    E, no corredor do hospital, sem que percebesse, câmeras escondidas já tentavam capturar qualquer pista sobre a identidade da garota mascarada…

    Isabel ficou olhando para a porta fechada, tentando processar as palavras do inspetor.

    Seu peito queimava de ansiedade, como se o ar do quarto fosse insuficiente.

    Instintivamente, levou a mão até a mesinha ao lado da cama. Ali, entre a máscara rasgada e um copo de água, estava seu celular, rachado no canto da tela.

    Com um suspiro hesitante, o pegou. A tela acendeu e imediatamente vibrou com dezenas de notificações.

    “14 mensagens de Davi”

    O coração dela apertou.

    Com dedos trêmulos, abriu a conversa.

    — “Isa, você tá bem?”

    — “Não veio pra escola hoje.”

    — “Você não me responde desde ontem, aconteceu alguma coisa?”

    — “Eu fiz algo de errado?”

    —“Tô ficando preocupado de verdade.”

    As mensagens continuavam, cada uma mais ansiosa que a anterior. Isabel mordeu o lábio, sentindo uma mistura de culpa e calor no peito.

    Davi… ele não fazia ideia do que tinha acontecido.

    Seus olhos arderam. Ela digitou algo, apagou. Tentou de novo, parou no meio da frase. O que poderia dizer?

    “Oi, desculpa, quase fui esmagada por um carro ontem à noite, mas tô viva”?

    Que ridículo.

    Ela fechou os olhos, encostando o celular no peito. Apenas sussurrou para si mesma:

    — Desculpa, Davi… eu não posso te envolver nisso.

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