Capítulo 41 - Estopim
Algumas horas antes.
Jaro acordou com seu lobo lambendo-lhe o rosto. Olhando ao redor, percebeu que estava em um quarto de paredes sólidas, ele estava de volta à sua base, a dungeon que havia conquistado.
— Calma, amigão, eu tô bem — disse, acariciando Zam. Antes de partir para a vila Crim, ele havia deixado seu lobo na dungeon, acreditando que seria mais seguro.
Mas, do nada, ele se assustou, se sentou na cama e começou a examinar os braços, que haviam sido arrancados e agora, magicamente, estavam de volta ao lugar.
Como?! Tenho certeza de que ele arrancou meus braços! Pensou, se lembrando da dor.
— Chefe, o que está acontecendo?!
De repente, o ambiente ficou mais frio, e Jaro sentiu um choque percorrer todo o corpo. Depois, uma mulher etérea surgiu flutuando atrás dele, envolvendo seu pescoço com um abraço carinhoso.
Jaro, porém, permaneceu sem reação. Isso porque, ele sempre se impressionava com a beleza surreal da chefe e precisava se controlar mentalmente toda vez que a via.
— É simples, não acha? Eu te curei — respondeu a Chefe. Ela desapareceu e reapareceu à sua frente, flutuando de costas para ele.
Ao ouvir a resposta dela, Jaro franziu a testa.
— Para ser mais específica, eu pedi à humana que cuidava de você que pegasse seus braços, que haviam caído no chão, e os posicionasse de volta em seus lugares. Então, ao invés de fazer crescer novos braços gastando uma quantidade absurda de mana, simplesmente remendei os que foram arrancados.
— Obrigado…
— Não precisa agradecer. Eu já tomei sua vitalidade como agradecimento.
— É claro… Mas sabe, chefe — disse Jaro, enquanto a mulher etérea de cabelos prateados se virava. Ele ergueu a mão direita, fechou o punho e declarou com firmeza: — Nunca mais me faça de otário.
A chefe sorriu levemente.
— Oh, você percebeu… Sim. Se eu quisesse, poderia ter te salvado sem o contrato. Mas aí não teria graça.
— É estranho… — Jaro franziu o cenho, — não consigo sentir maldade em você.
A chefe ficou momentaneamente sem palavras, curiosa com a observação.
Jaro se curvou levemente e continuou: — Então… me dê um pouco mais de tempo, e eu aceitarei fazer o contrato.
— Eu sabia que você era um humano interessante… Muito bem. Estou de acordo.
Quando Jaro ergueu o rosto, ela havia desaparecido. Ele respirou fundo, refletindo: Não importa quem seja… mas se eu quiser viver neste mundo, preciso de aliados fortes.
Nesse momento, alguém abriu a porta do cômodo carregando um balde e algumas toalhas.
— Jaro…
— Serena?
A bela mulher de cabelos negros correu até ele e o envolveu em um abraço apertado, pressionando o rosto dele contra o próprio peito. Seus olhos estavam marejados de lágrimas.
— Pensei que você não fosse mais acordar.
Jaro abriu a boca para responder, mas decidiu não interromper aquele momento. Após alguns segundos, ela se afastou e exclamou: — Vou contar aos outros, tá bom? E pedir para prepararem o café da manhã pra você.
— Tá, vai lá — respondeu Jaro, com um leve sorriso por baixo da máscara.
Alguns minutos depois, Serena voltou trazendo o café e contou tudo o que havia acontecido desde que ele desmaiou na vila Crim. Explicou também como a Chefe, por telepatia, havia falado com ela para recolher os braços dele. Surpreendentemente, Serena não fez nenhuma pergunta sobre a Chefe, o que deixou Jaro admirado. Essa jovem era muito mais confiável do que ele imaginava.
— Eu estava pensando… e fiquei preocupado com uma coisa, Serena — comentou Jaro, com um prato de madeira vazio repousando ao seu lado na cama.
— O que foi…? — perguntou ela, apreensiva.
— Mais cedo você chegou aqui com baldes e toalhas… queria saber se você retirou minha máscara.
A pergunta deixou Serena extremamente nervosa. Por um instante, pensou em mentir, mas sabia que não conseguiria enganar seu salvador.
— E-eu… pensei em tirar… mas achei que você ficaria irritado, então não fiz. Só limpei seu corpo e tratei das suas feridas nesses últimos dois dias… e, hoje de manhã, eu ia te limpar novamente.
— Fez bem… é… mudando de assunto, eu gostaria de pedir uma coisa.
— O quê?
— Avise aos camponeses e aos meus vassalos para se reunirem naquele grande salão real. Quero todos lá dentro de uma hora.
Jaro já havia passado por aquele salão antes de derrotar Dargan, anteriormente, mas não lhe deu muita importância, porque estava cheio de escombros e vazio. Agora, porém, via nele uma utilidade interessante.
— Certo — respondeu Serena, pegando o prato de madeira e parando na entrada. Voltou-se para ele com um sorriso suave. — Até logo.
— Até logo…
A despedida deixou nos dois uma sensação agridoce, como se algo tivesse ficado por dizer. Assim que Serena partiu para cumprir as ordens, Jaro improvisou um banho de cuia ali mesmo. Refrescado, seus olhos se voltaram para o canto do quarto, onde seus tesouros repousavam no chão, cuidadosamente envolvidos em panos: o peitoral do Guardião, o colar do Guardião, o anel do Coração Estático, o anel dos Esqueletos e suas três espadas.
Ele desdobrou o tecido que cobria o peitoral e ficou surpreso. Apesar da dura batalha contra o rei Dollak, a armadura permanecia intacta, sem um arranhão sequer.

Em seguida, tomou nas mãos a Espada da Verdade. Mesmo considerada por ele uma lâmina inferior para combates, também não apresentava nenhum sinal de dano, como se nunca tivesse sido usada.

Essa constatação fez Jaro valorizar ainda mais seus artefatos, além dos poderes que carregavam, mostravam-se incrivelmente resistentes em batalha. Depois, começou a se preparar. Vestiu o peitoral, arrumou o cabelo para trás, já longo o bastante para lhe conferir um aspecto único e, por fim, chegou o momento de partir.
Pegou a Espada da Verdade, já embainhada, e a apoiou como bengala, a usando para sustentar o peso do corpo. Os ferimentos ainda dificultavam seus movimentos, e por isso precisava dela para caminhar. A coincidência da bainha ser feita de uma madeira de castanho escuro apenas reforçava a semelhança com uma verdadeira bengala.
Apesar do desconforto, não julgava necessário pedir à chefe que o curasse, afinal, Serena era maga de cura e poderia cuidar disso. Passados alguns minutos, o rapaz chegou ao humilde salão real, todos os sobreviventes da Vila Crim e seus vassalos já se encontravam reunidos.
O ambiente estava carregado de expectativa. Jaro avançava entre eles em direção a um trono quebrado, e, à medida que passava, ouvia cochichos curiosos, alguns se perguntavam o que ele diria, outros comentavam sobre sua postura nobre e a força que transparecia em sua presença.
Quando cruzou por Serena, ela teve a estranha sensação de que as costas dele brilhavam, tal como no instante em que derrotou o rei Dollak. Espero um dia me tornar alguém forte como você Refletiu Serena, motivada.
Por fim, ele parou diante do trono, permanecendo de pé, de costas para a cadeira e de frente para a multidão ansiosa. Sua mana começou a se espalhar pelo salão e leves choques percorriam a pele de todos. Aquilo não era apenas sua mana, era o prenúncio de que Jaro estava próximo de manifestar sua aura.
A pressão crescente forçou todos a se ajoelharem. Naquele instante, Jaro não parecia apenas um homem, mas algo superior, talvez; o salvador que tanto esperavam.
— Cidadãos da Vila Crim… sei que ficaram aflitos com a demora da minha recuperação — sua voz ecoava pelo salão. Lentamente, levou as mãos à máscara e a retirou, revelando o rosto diante de todos. — Mas como podem ver, agora estou bem. E não quero mais que me chamem de herói, ou qualquer outro título. Me chamem apenas de Jaro.
O espanto tomou conta das pessoas, surpresas com a juventude de seu herói. Apesar da aparência jovem, sua presença destoava a força e a seriedade de um guerreiro. Enquanto, suas palavras, simples e diretas, trouxeram paz aos corações aflitos.
Serena, porém, foi a mais impactada. Recordou-se da conversa que tiveram sobre a máscara e sentiu-se enganada por sua própria ingenuidade, acreditando que ele ficaria furioso caso alguém a removesse.
No entanto, ali estava Jaro, revelando seu rosto sem hesitar.
Não era apenas isso que a deixava atônita. Ele era muito mais belo do que imaginava e, para sua surpresa, parecia até alguns anos mais novo do que ela. Uma estranha confusão a dominou. Serena nunca havia se apaixonado antes… então, que sentimentos eram esses que agora surgiam em seu peito?
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