— Hm… parece que eu perdi mesmo.

    Os ombros relaxaram. Diante de si, o resultado final: o fim inevitável.

    Aceitou-o com uma serenidade amarga.

    Por mais genial e poderoso que fosse, a demasia de seus planos o arrastara para um desfecho que nunca desejou.

    Mas é sempre assim, não somos donos do primeiro ato, tampouco do último.

    — Perdeu! Quais as últimas palavras?

    Um sorriso forçado lhe tomou a face.

    Da palma de sua mão, o Caos se infiltrava pela pele como praga, florescendo mais uma vez.

    Enquanto o pilar permanecesse, jamais haveria morte definitiva.

    — Eu…

    Suspirou, lento.

    — …Espero que você se ferre! Que saboreie o próprio fracasso, mais uma vez!

    Não recuou. Não importava a situação. O sorriso firme, frio, sustentava sua resistência.

    Seria uma troca solitária… o fim suspenso entre dois inimigos, cada palavra pesando como sentença.

    Mas então, um vulto negro se ergueu às costas do malfeitor, recortando-se contra os olhos do senhor gelado.

    — Seria justo… se eu não estivesse com ele!

    Widerseel surgiu, as mãos apoiadas na cintura, o olhar fanfarrão que destoava da gravidade da cena.

    — Ah, aliás… bela fuga você deu, mestre, hein?

    — Há quem ainda te siga… — foi a última revelação, antes que se tornasse apenas parte da espiral negra que o vilão absorvia.

    Não gemeu. Não gritou.

    No instante em que o choque entre o ser e o não ser se consumou, toda a neve e o gelo daquele andar cederam.

    Derreteram, se pulverizaram, reduzidos a pó. Sem o pilar que os sustentava, tudo o que um dia representou ruiu — e o céu se abriu para o próximo.

    Como fragmentos de vidro despencando, perderam o peso na metade do caminho… terminando frágeis, a quilômetros do solo.

    — Vieram ao meu encalço?

    — Ehr… é… o senhor saiu, né? — Widerseel sorriu nervoso — Estamos ou não juntos?

    — Hm…

    — Então? Vazamos ou lidamos com as sombras daqui?

    O olhar percorreu o vazio ao redor. Não havia inimigos para fazer frente. E, ainda assim, fagulhas de caos ardiam no ar, não como chamas de fúria, mas como brasas de um luto que doía mais que qualquer outro sentimento.

    — Não… não vamos ser agressivos. Seria desperdício. Além disso, não estou em condições. Se os outros estiverem aqui, recrute-os. Poupe os demais!

    — Certo. E se…

    — Aí sim… mate-os!

    Quando se virou, interrompendo seu servo, uma energia irrompeu de seu peito — azul mesclando-se ao negro, como se duas existências disputassem o mesmo corpo.

    Não estava apenas se unindo a outro Rei: estava reclamando para si um dos oito fragmentos.

    Não poderia mover-se no tabuleiro como um mero peão diante de jogadores que manipulavam o jogo.

    Para desafiá-los, precisava transcender, ainda que já fosse o ápice de sua própria raça.

    — Tá…

    — Até que minha essência se funda à dele… terei de esperar. Meu interior lutará até o último instante para não ceder. Entende?

    — Ah… uma batalha de essências…

    Não era muito diferente do que dizia, mas a sensação ia além.

    Era uma dor impossível de ser suportada por outro, apenas alguém que absorveu o vazio e a solidão poderia compreendê-la…

    — Está de acordo?

    E então, deu-lhe as costas.

    Ao redor, tudo agora jazia submerso em água, como se o andar inteiro tivesse afundado em um oceano infinito.

    — Sim! Sim! Vou atrás de Erdwahn e dos outros.

    Curiosamente, aquela promessa lhe trazia uma estranha sensação de alívio, como se o peso da cena anterior tivesse se dissolvido junto às ondas.

    — Fica melhor assim… cobras sempre amaram o calor, afinal.

    É… as coisas não terminaram tão bem.

    A derrota foi sentida em todos os outros andares. Os Sete restantes estremeceram como diante de um abalo sísmico: a primeira frente havia falhado.

    O grande lorde do gelo, capaz de conter a imensidão do vazio, não contava com a astúcia do mal.

    Quer dizer…

    Após alguns minutos, entre meia hora e quarenta minutos, sua resistência chegava ao limite.

    — Isso foi cansativo… — murmurou, ajoelhando-se. As mãos, sondadas por seus próprios olhos, já se mostravam levemente cristalizadas — Você não desiste…

    Aos poucos, não apenas os dedos, mas todos os seus membros eram consumidos pelo gelo.

    Ao erguer os olhos, percebeu que nevava, mesmo após tudo ter chegado ao fim.

    Um sorriso o atravessava. Não era felicidade, nem infelicidade, o que transbordava… apenas algo além.

    — Você estava à frente de mim…

    De novo…

    De…

    Novo…

    Até sua voz congelar. Assim como sua visão, transformou-se em um mero fragmento cristalino, perdido na imensidão das águas, submerso…

    Esquecido…

    Não totalmente… ainda vivo na memória daqueles que agora vivem por suas palavras.

    — Hã? — freou seu servo sobre a copa de um pinheiro seco — O caos do mestre…

    — Ele sumiu… — Erdwahn interveio, surgindo das sombras, o olhar afiado como uma lâmina negra — Talvez tenha desmaiado, não?

    Assim, veio cercado por diversas sombras: todos os sete desertores, que haviam abandonado o cargo de guardas do exílio e foram consumidos pela loucura do feto maldito.

    — Não… o mestre? — murmurou, olhando por sobre os ombros.

    — Está preocupado? Você?

    — Não, não! — mordeu os lábios, emburrado — Suricato, não seja chato!

    — Tá! — retrucou em tom de vingança — Aliás… o que ele te passou?

    — Ehr… — revirou os olhos enquanto descia, os pés flutuando sobre as águas claras e translúcidas — Vamos recrutar algumas sombras… Se não quiserem, deixemos em paz; se quiserem forçar, é bala neles!

    — Bala neles? — a expressão soou confusa — Que linguajar é esse?

    — Nada, nada! Mas você entendeu, né, Suricato?

    — Entendi… cobra…

    Os dois se viraram para a frente. Os demais não estavam ao lado deles — braço direito e esquerdo do inimigo do mundo.

    — Será que isso vai dar certo, hein?

    — O quê? O recrutamento?

    — Não! — suspirou — Falo desse plano mirabolante… Acabar com tudo? TUDO!?

    — Ele é capaz… não sei, não sei bem quando, mas, desde um instante, passei a compreender como ele enxerga tudo isso… Esse falso equilíbrio que inferioriza nossa espécie, que nos torna uma subespécie derivada das demais… quando, na verdade, fomos os primeiros a existir! — Olhando lúcido para o parceiro — Não acha?

    — É complexo… mas, de certa forma, o que me fascina não é o entendimento dele, nem sua visão sobre isso… é o fato de que ele é o Absoluto entre nós. Será… que um dia seremos como ele?

    — Como não? Parecidos? Talvez…

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