Capitulo 153 - Antes que sua mente se perca
Não havia dúvidas de que aquele à sua frente era Viktor.
Não dava para dizer isso por sua aparência, mas a voz, a forma como ele falava, denunciava sua verdadeira identidade — ou o que sobrou dela.
Sora o olhava aterrorizada. Eirlys mal conseguia respirar, completamente arrepiada.
Seus batimentos acelerados não davam sinais de se acalmar, e a fumacinha branca saia de suas bocas com as respirações pesadas.
“Viktor… Então você foi pego…”
Sky tinha lhe dito sobre as circunstâncias do garoto, mas não o tinha visto desde que se separaram fora das montanhas. Apesar de ele ter sido como era, ela não conseguia evitar sentir um aperto no peito quando olhava para ele agora.
A forma escura e rancorosa se debateu no ar, como se estivesse sofrendo de dores imensuráveis, enquanto soltava palavras negativas que não formavam uma única frase com sentido.
Como se apenas gritasse tudo o que o atormentava para quem quer que estivesse ouvindo.
Mas isso mudou de repente. Seu corpo começou a queimar e as chamas vermelhas tornaram-se verdes, num incêndio macabro e estranho.
Sem aviso prévio, elas se moveram como um dragão faminto na direção das duas garotas, consumindo e derretendo rochas e cristais, sem controle.
O ar esquentou instantaneamente, ficando sufocante.
Num reflexo rápido, Sora puxou Eirlys e elas caíram. Desviará das chamas.
“A gente tem que sair daqui logo”, gritou a garota, ajudando a princesa a se levantar.
Viktor urrou. As chamas se propagaram mais uma vez contra elas.
Eirlys tropeçou, mas conseguiu correr.
Viktor avançou. Rápido.
O chão rachou com o impacto, e uma trilha de chamas esverdeadas incendiaram sua passagem.
Sora agarrou a mão de Eirlys. Elas correram. Suaram com o aumento de calor.
“Não olhe para trás”, disse ela. Mas foi inevitável.
Olharam.
O ser vinha flutuando no meio da fumaça que se propagou. Os olhos quase vazios, preenchidos apenas por ódio e dor.
Os ataques passavam descontrolados por elas — cortavam o ar e explodiam no chão e na parede, lançando estilhaços e derretendo rochas.
Não dava para fugir para sempre. Por conta do barulho, algumas outras almas rancorosas desceram até eles e se juntaram à caçada frenética.
Sora não era focada em combate. Ela não carregava uma arma consigo. E quanto à Eirlys, pedir para ela brandir uma lâmina era demais.
Portanto, não poderiam fazer muita coisa.
Mais deles estão chegando! E Eirlys já está chegando no limite.
Ela olhou para trás. Almas rancorosas e a princesa dando sinais de estar exausta — era muito exercício para alguém da realeza.
O que a gente faz—!
“Ugh—!”
Chamas atingiram o chão à frente, lançando estilhaços. Sora parou e cobriu o rosto para evitar a poeira.
“Essa não—!”
Não havia mais para onde correr. As chamas crepitavam ao redor delas. E logo atrás…
“Sora!!”
A princesa gritou, mas era tarde demais.
A mão de Viktor estava a poucos centímetros do seu rosto. O calor que emanava dele estava tão perto quanto nunca.
Droga…
Talvez aquele fosse seu fim. Teria o mesmo destino que a mãe de Varian.
O brilho esverdeado começou a ficar vermelho. Ela escutou uma voz distante.
O que é isso…?
Havia silhuetas em meio ao fogo que ardia de forma selvagem, se contorcendo.
Eles estão queimando.
Era o que parecia. Quatro pessoas. Uma delas, era um bebê, o qual chorava, agonizando e causando arrepios.
Quem são eles?
O que é tudo isso?
Sora se perguntava, afundando naquele mar incandescente. Até que teve um flash rápido em sua mente.
São as memórias do Viktor?
Alguém que perdeu tudo quando era muito novo.
Um garoto que teve tudo tirado dele devido ao fanatismo de seu pai.
Uma voz ecoou entre lágrimas na mente da garota.
“Eu odeio isso… Odeio divindades. Quero que todas elas desapareçam!”
“Sora…”
Entendi… Então é por isso que você as odeia tanto…
“Sora…”
Eu lamento sua perda, Viktor. Você com certeza não merecia ter seu destino selado com fogo.
As chamas ficaram mais vivas diante de seu olhos e consumiram tudo, até que não sobrou nada além de um clarão.
“Sora!”
A voz de Eirlys atingiu seus ouvidos e ela acordou.
A mão da princesa estendida na direção que Viktor tinha sido repelido. Havia um brilho na sua palma.
“Sora! Você está bem?! O que eu faço…?!”
Ela ficou atordoada, aflita, enquanto via o braço de Sora com queimaduras de alto grau.
“Ah…! Isso dói!”
Só depois que viu ela sentiu a dor.
“Eu vou ficar bem… Não se preocupe”, disse ela trazendo seu braço ferido para mais perto. “Isso não vai ser um problema tão grande assim… Ugh!”
“Mesmo assim… eu…!”
A princesa queria fazer algo. Mas não havia nada que ela pudesse fazer. Além do mais, as almas não haviam recuado apesar de terem sido repelidas de repente.
Sora poderia se curar sozinha. Mas, para isso, ela precisava de tempo.
É isso, pensou. Eu não sei o que acabou de acontecer, mas sinto que posso fazer novamente.
Com os olhos determinados, ela deu um passo à frente.
As mãos sobre o peito emitiram uma luz intensa.
As almas rancorosas avançaram. Rápidas.
Agora… eu posso fazer isso.
A luz se estendeu para todo o seu corpo, e então criou um campo circular em volta dela, o qual empurrou as almas para longe.
Eu não sei que poder é esse… mas consigo sentir… como se minha mãe estivesse me abraçando agora. É tão acolhedor.
As almas mais persistentes tentaram quebrar aquela barreira, mas tiveram seus corpos desintegrados — transformando em luz e depois desaparecendo — uma após outra.
Sora ficou encantada, sem conseguir tirar os olhos da cena.
Eirlys estava tendo um desempenho espetacular.
Preciso ser mais forte!
Ainda não era o suficiente. Algumas almas estavam conseguindo resistir mais.
E também, Viktor não tinha caído. Ele voltou. Suas chamas tão fortes quanto nunca, atingiram a barreira, até que ela cedeu e se estilhaçou como vidro.
A princesa cambaleou, ofegante. E antes que pudesse se recompor, foi atingida pelas chamas que a lançaram para trás.
“Eirlys!”
Sora correu e a segurou nos braços. Havia muitas queimaduras. Curar aquilo levaria algum tempo.
Ela está sem energia? O que foi esse poder de agora?
Não era hora de pensar nisso, Sora balançou a cabeça e se concentrou em tentar curá-la, torcendo para que conseguisse ao menos um resultado razoável.
Se eu aumentar a energia… Devo conseguir acelerar o processo.
As mãos sobre a garota inconsciente, um brilho azulado a envolveu, transbordando lentamente.
Por favor… Seja rápida…
Mas não foi assim. As almas avançaram implacáveis novamente, determinadas a roubar seus corpos, em uma fúria incontrolável.
Não ia dar tempo. Sora não conseguiria curar Eirlys antes que fossem pegas.
Droga!
Instintivamente, ela estendeu a mão como se quisesse parar as almas que se aproximavam.
E sem perceber, já estava esperando seu fim… embora ainda acreditasse que seria salva.
Não…!
Algo esquentou em seu rosto nos últimos instantes. Ela pensou que era a sensação do toque mortal, mas nada aconteceu.
Huh?
Abrindo os olhos, havia uma luz forte em sua frente. Uma silhueta diante dela. Os longos cabelos prateados balançavam com vigor e a capa brilhante tremulava com majestade.
“Quem é você…?”
Seus olhos se encontraram. Aquela presença a confortou de uma forma indescritível.
“A rainha?”
Não dava para ver muito bem, mas ela poderia jurar que a viu sorrir. E de uma forma ou de outra, aquele ser estava evitando a aproximação das almas. Então era melhor ela se concentrar em curar Eirlys, que havia desmaiado em seus braços.
*****
Estava escuro.
Eirlys não conseguia sentir suas mãos ou seus pés.
Tão frio…
Ela sabia que estava congelando. Isso era inevitável. Assim como a destruição de Nevéria… e também da sua família.
Não consegui fazer nada… me perdoe, Sora…
Aqueles fragmentos deslizando por entre seus dedos era nada mais que seu futuro estilhaçado, fadado a ser soprado pelos ventos frios daquelas terras de mentiras.
Talvez eu não seja tão forte quanto minha mãe. Eu não sou capaz de fazer nada… Não posso salvar Nevéria.
Ela fechou os olhos, aceitando se perder de uma vez. Sentir a escuridão a abraçando era uma sensação esquisita, vazia… mas ela não podia fazer mais nada.
“Você não pode desistir.”
Ela abriu os olhos com a voz suave e gentil. E eles se encheram de lágrimas logo em seguida.
“Mãe…”
“Você não vai perder aqui. Eu estou com você. Sempre estive ao seu lado. Levante-se, minha pequena princesa. O futuro do reino… O do seu pai está em suas mãos.”
A memória da antiga rainha segurou suas mãos. O gelo se desfez num piscar de olhos e Eirlys voltou à realidade num passe de mágica.
Ela sentia o poder fluindo dentro de seu corpo, e transbordando em suas mãos.
Sora foi a primeira que ela viu.
“Eirlys… Bem vinda de volta”, disse ela, contendo suas lágrimas.
A princesa sorriu, e elas se levantaram. Colocando-se de pé diante das centenas de almas que estavam prontas para atacar novamente. E assim fizeram.
Mas a luz em volta de Eirlys ficou mais forte. Cintilando como uma chama gelada em volta das duas garotas, que sequer piscaram vendo os inúmeros inimigos.
Eu vou fazer isso. Por Nevéria. Por mim… E pela minha família.
Ela fechou as mãos sobre o peito.
Eu vou salvar vocês da escuridão.
Viktor foi o primeiro a se atirar contra as garotas pé, liderando todas as outras.
Eirlys estendeu as mãos e a barreira cresceu e se esticou para mais longe.
Dentro da barreira, as almas desapareciam uma a uma.
Viktor não foi exceção. Seu corpo foi purificado assim como as demais e ele pôde vislumbrar aquela luz de misericórdia e sentir o calor pela última vez.
Não era um calor ruim como o de antes. Ele sorriu antes de sumir por completo.
A princesa fechou os olhos. Talvez esse fosse o motivo dela estar ali. Nunca tinha se sentido tão realizada quanto agora.
Obrigada, mãe… Por sempre estar comigo.
Ela olhou para trás. A antiga rainha… e também a antiga família real estavam posicionados atrás delas, as mãos estendidas, como se estivessem emprestando seu poder.
“Obrigada a todos vocês”, disse a princesa.
Então ela movimentou as mãos mais uma vez. Um clarão tomou posse da caverna e todas as almas em seu alcance foram purificadas, como fumaça soprada pelo vento.
<—Da·Si—>
A rapieira de Takeda cortou o ar num sussurro imperceptível.
“Gah—!”
E então o último assassino caiu, tendo sua sombra perfurada no pescoço.
O líder da Black Room guardou sua espada, levemente ofegante, e então virou-se para ver como seus colegas estavam.
Estava tudo bem. Os mais feridos se apoiavam nos que tinham melhores condições. Gunner estava com dificuldade para se manter de pé, mas, fora isso, ninguém se feriu gravemente.
Se bem que isso teria acontecido caso uma explosão misteriosa não tivesse levado uma onda de choque poderosa, que lhes permitiu derrubar os assassinos através de aberturas em seus movimentos perturbados.
Takeda se moveu, aproximando-se de Kaelric.
“Isso de agora foi o grupo de Lyara?”
“Sem dúvidas veio de onde eles estavam. Mei, junte algumas pessoas e vá verificar a situação.” O líder não conseguia esconder sua expressão preocupada, mas não podia se dar ao luxo de se entregar aos sentimentos, então terceirizou a tarefa de verificar Lyara.
A mulher assentiu com firmeza e se apressou a reunir os homens para a tarefa. Alguns dos agentes, como Masaki, se prontificaram a ajudar. Segundos depois, já haviam partido.
Takeda piscou os olhos brevemente. Toda essa situação estava um pouco além do previsto, mas com o resultado positivo — ao menos daquele lado — ele podia dizer que era uma vitória.
Mas ainda tinham que se preparar para o pior. Afinal de contas, o rei talvez já soubesse de todos esses movimentos, e então arbitrariamente permitiu que eles chegassem até ali.
Não era só ele que tinha essa sensação, no entanto.
“Com isso, só nos resta irmos até o rei, certo?”
“Hm”, Kaelric assentiu. “Ele deve estar nos esperando. Vamos aproveitar o tempo que conseguiram para nós.”
Sua voz estava firme, mas ainda continha algumas falhas, mostrando, claramente, que seus pensamentos estavam distantes.
Depois de dar ordem aos seus subordinados restantes, eles se moveram. Faltava pouco até a sala do trono.
Só precisaram atravessar mais um corredor extenso, e então estavam frente às portas de madeira e prata da sala do trono.
Era o evento principal do dia.
Tudo o que faltava era parar Arden e então dar prosseguimento ao Dia do Escolhido.
Mas seus corações palpitavam de ansiedade.
Se Kaelric não desse o primeiro passo, ninguém daria.
Mas antes de qualquer coisa, ele voltou seus olhos para trás, encontrando os olhares dos homens e mulheres da equipe.
“Atrás dessa porta”, disse ele após respirar fundo. “está o último obstáculo entre nós e o reino que almejamos. Chegamos até aqui graças ao sacrifício de todos. Está na hora de honrar todos os nossos esforços e mostrar o porquê de lutarmos tanto.”
Todos acenaram em aprovação.
E mesmo que só um pouco, a pressão sobre eles tinha diminuído.
Então antes que pudessem refletir mais um pouco e pensar em dar para trás, eles empurraram as portas de madeira. Elas se abriram com um leve ranger, como se anunciasse sua chegada.
O corredor amplo estendia-se até o trono real, com pisos cristalizados azuis claros e padrões que lembravam flocos de neve.
Sem hesitar, entraram.
Arden estava sentado. Sua postura rígida transmitia um ar de autoridade e seus olhos, os fitando desde que abriram as portas, eram tão gélidos quanto o ambiente ao redor.
E nesse exato momento, tiveram a certeza sobre algo.
O rei já os estava aguardando. E por algum motivo, parecia trazer a conclusão daquela história de maneira misteriosa.
Ele também segurava o cabo de uma espada longa, cuja ponta recostava no chão próximo aos seus pés. Ao redor, a prata, que não parecia afiada, moldava um corpo de cristal vermelho carmesim.
Então sua voz percorreu o salão como um trovão, que reverberou na cabeça de todos.
“Para homens tão desesperados quanto vocês, imaginei que me deixariam esperando menos tempo.”
Arden lançou um olhar desdenhoso a eles.
“Se talvez a comissão não estivesse no caminho, talvez tivéssemos conseguido derrubá-lo mais cedo”, rebateu Kaelric, tomando à frente do grupo. “Nós dois sabemos o que nos espera adiante. Tem alguma coisa à dizer?”
“Hm.” Ele sorriu. “Eu nunca tive vontade de fazer você mudar de ideia, Kaelric. Você me serviu bem. Por isso, agradeço o seu trabalho.”
“Não. Meu trabalho ainda não acabou. Não vou permitir que reviva o que aconteceu cinquenta anos atrás. Por que recriar uma loucura tão grande e sem limites?”
Kaelric estreitou os olhos na direção do rei, que relembrou eventos mencionados, como se tudo estivesse fresco em suas memórias.
“Cinquenta anos atrás, um rei tolo decidiu lutar contra Nivorah. Seus ideais almejavam a verdadeira liberdade, após descobrir que Nevéria nada mais é que um pequeno pedaço de um mundo maior. Suas decisões levaram o reino ao caos e à ruína. Milhares de vidas foram perdidas, e o povo exigiu que o rei se sacrificasse com toda a família real para acalmar o monstro.”
“Apenas um sobreviveu”, continuou Kaelric. “E foi você, Arden. Você desapareceu por anos. Voltou, e então restaurou o reino destruído, eliminando até mesmo os vestígios dessa era.”
Durante dez anos, Nevéria estava afundada no desespero. Sem um rei, os líderes das outras famílias tentaram manter a ordem, mas não foram capazes de suprimir a dor e a aflição que percorriam as ruas deterioradas.
Mas a sua presença reacendeu a esperança do povo. Arden era o ideal de rei perfeito.
“Eu salvei esse lugar uma vez. Escondi dos neverianos a dor que seus antepassados sofreram. E estou prestes a salvá-los novamente.”
Arden ergueu a espada. O cristal carmesim refletiu a luz fria do salão, tingindo seus olhos com um brilho ameaçador.
“Dessa vez… não ocorrerá a mesma coisa de cinquenta anos. Eu obtive o poder que meu pai não possuía e isso já basta.”
Ele exibia a espada cintilante com orgulho.
“Esse é o tal dispositivo capaz de derrotar Nivorah?” Foi Takeda quem perguntou, enquanto ainda analisava a estrutura complexa daquela arma.
Não parecia ter fio, então ele não poderia usar para lutar de forma convencional. O que quer que estivesse tramando, ainda estava sob outras camadas.
Arden respondeu:
“Um dispositivo… Exatamente como eu queria que acreditassem. Mas ele, por si só, não é capaz de fazer nada.”
O rei movimentou a arma que mais parecia algo decorativo.
“Essa é, agora, a última esperança de Nevéria para sobreviver. E se vocês a destruírem, o futuro que temem acontecerá…”
Ele fechou os olhos brevemente.
“Não. Será muito pior.”
Os olhos se abriram, e eram tão frios quanto o ambiente ao redor deles.
Os membros da oposição se entreolharam, confusos. Uma sombra pairava sobre eles.
“Do que diabos você está falando?”
Kaelric hesitou brevemente, mas lutou para que ninguém percebesse. Havia algo de estranho nas palavras do rei. Um subtexto que ele ainda não conseguiu captar — embora ele não fosse o único.
Mas uma coisa era certa. O palco estava montado e quem comandava a cena não era Kaelric, nem a oposição, mas o próprio Arden.
Ele se ergueu lentamente do trono. Cada movimento seu causava uma reação estranha nos telespectadores abaixo da pequena escada de quatro degraus. A espada tilintou levemente ao tocar no chão. Seus passos ecoaram pelo salão, firmes, autoritários.
“Vocês… não entenderam nada.”
“Que você enlouqueceu e planeja afundar o seu reino em uma luta contra a divindade em que acreditam? Porquê seguir adiante sabendo que tudo o que espera é a destruição?”
Takeda não recuou. Ele continuou a examinar a situação, mantendo-se firme, com os olhos fixos no homem à sua frente.
“Destruição… Você está certo”, disse Arden. “Eu não nego isso. Mas o papel de um rei não é simplesmente garantir que seu povo tenha água, comida, conforto e segurança. É garantir que eles sejam livres para viver e se expressar. Dar a liberdade de existir em um mundo sem estar preso às garras de um demônio que dita como seguirão suas vidas.”
Ele parou de se mover e seus olhos varreram o salão um a um, até pararem em Kaelric, que o encarava de forma hostil.
“Durante o tempo em que estive fora, alguém iluminou minha mente… e me mostrou o caminho para a liberdade que eu almejo. Depois de caminhar até aqui, não serão seus zumbidos ensurdecedores que irão me impedir.”
“Você é lunático!”
Kaelric não conseguiu se conter. Ele arrancou sua espada da bainha e apontou a lâmina contra Arden.
Mas o rei simplesmente riu.
Baixo, primeiro. Depois, alto. Uma risada cheia de desdém, que reverberou pelas paredes como um trovão contido. Não havia loucura nela. Arden apenas sabia o que estava fazendo, e que a oposição era formada por meros idealistas que se recusavam a lutar.
Um bando de covardes.
Quando o silêncio voltou, a tensão se tornou quase insuportável.
Arden pousou os olhos sobre Kaelric, e falou com uma voz firme, cortante, sem qualquer traço de dúvida.
“Vocês ainda não perceberam nada.”
“O que tem pra perceber, seu desgraçado?! Apenas fique em silêncio e morra!”
Gunner estava se contendo até ali, mas finalmente explodiu.
O rei não se importou com tal atitude que o faria ser jogado na prisão. Ele apenas suspirou.
“Lamento decepcioná-los.”
Ele pausou brevemente.
“O ritual não pode ser completado.”
A frase soou como um fantasma que vagou no meio da oposição, causando arrepios intensos e confundindo seus pensamentos. Mas Arden não lhes deu tempo para processar. Abaixou levemente a espada, apontando-a na direção deles, e declarou.
“Não existe um ‘escolhido’.”
O silêncio que se seguiu após isso foi absoluto. Ninguém se moveu por um instante. Kaelric, em especial, travou completamente. Suor frio escorreu por seu rosto e as mãos estremeceram.
Não há…? Por que eu não pensei nisso antes?
Agora ficava fácil de imaginar.
Cinquenta anos atrás, ou dez anos atrás.
Não havia um escolhido nas duas épocas também. E foi isso que desencadeou o que aconteceu aquelas duas vezes.
Uma chama ardia no peito de Kaelric. Ele pisou firme no chão, com os dentes rangendo.
“Você matou o escolhido?!”
“Eu o libertei do sofrimento. Melhor do que ninguém, você sabe como a preparação do ritual funciona. Arrancamos toda a vida de uma pessoa, que será torturada dia e noite, enquanto é forçada a absorver energia constantemente durante dez anos.”
Ele empinou o nariz, olhando com superioridade.
“Vocês gostam de manter essa crueldade?”
As palavras perfuraram a oposição como lâminas afiadas.
“Nós vamos mudar isso. Os sacrifícios não precisam ser feitos com pessoas ou seres vivos…”
“Palavras fúteis! Esse é o pensamento mais medíocre que eu já ouvi.” Arden o cortou. “Você realmente não sabe nada sobre a entidade chamada Nivorah, não é?”
“O quê?”
Arden bufou. Sem a intenção de continuar a sessão de perguntas e respostas.
“A peça se encerra aqui”, disse ele, erguendo a espada. “É hora de começarmos o ato final. Venha, Nivorah. Hoje você cairá pelas minhas mãos!”
Nesse exato momento, houve um terremoto.
A oposição ficou agitada, questionando o que estava acontecendo, e de repente um silêncio sobrenatural calou todo o reino.
Até que um som apavorante reverberou por toda a cidade. Um rugido macabro, como se portas que nunca deveriam ter sido abertas fossem derrubadas num estrondo.
“Ela despertou.”
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