Capítulo 196 - Hunides (21)
O mundo de Yoru pareceu girar. Aquela mulher, a lenda viva, a mais forte, era sangue de seu sangue. Mas ele não teve tempo de reagir. Ela colocou os óculos de volta e deu um leve sorriso.
— Vá embora com seus amigos. Essa guerra ainda não é sua. Não por agora.
Antes que ele pudesse sequer responder, ela se virou.
— Agora… vocês, da Black G — sua voz ecoou como um trovão nas entranhas da terra — venham.
O massacre começou.
Yumi se movia como um fantasma. Seu Aikido se entrelaçava com o Karatê Kyokushin de forma tão brutal quanto bela. Um inimigo avançou com uma faca — ela torceu o pulso dele como quem manipula o galho de uma árvore e o jogou contra um poste com tanta força que o ferro entortou. Outro veio por trás com uma barra de ferro — ela girou, bloqueou com o antebraço e contra-atacou com um chute na têmpora, fazendo o crânio do adversário ranger.
Ela sorria. O sangue espirrava em seu terno, nos sapatos, no guarda-chuva que havia deixado fincado no chão. E ainda assim ela sorria.
— Que delícia… lutar sem amarras, sem política, sem diplomacia — disse, enquanto quebrava o braço de outro com um estalo seco. — Vocês são fracos, mas servem de aquecimento.
Um dos delinquentes gritou por reforços. Veio um grupo inteiro, cerca de oito homens.
— Todos de uma vez? — ela disse, tirando o paletó e arregaçando as mangas. — Então vamos dançar.
O som da luta se misturava com a chuva. O chão vibrava com os corpos caindo. Os gritos ecoavam, mas ninguém ousava interromper. Era como ver uma fera em seu habitat natural.
Yoru, parado, apenas observava. Não se sentia ameaçado, mas sim… pequeno.
Até que o barulho de uma moto cortou o ar.
Kira.
Ela chegou rasgando o asfalto, parando a poucos metros do campo de batalha. Desceu com elegância, tirando o capacete e revelando seu cabelo molhado, colado no rosto. Seus olhos estavam cheios de confiança.
— Já é o suficiente, Yumi — disse, andando até ela. — Você está exagerando.
Yumi virou-se lentamente, ainda com sangue nas mãos. Sorriu.
— Ora, se não é a grande lenda da geração um. O que veio fazer aqui? Se unir à matança?
Kira balançou a cabeça.
— Traí Charles. Não sigo mais ordens. Agora, só tenho um objetivo: destruir ele, com as minhas próprias mãos. — disse, com uma voz firme, carregada de rancor.
Yumi a encarou por longos segundos. Seus olhos cintilaram com prazer doentio.
— Que interessante… mas ainda assim, vou acabar com você.
Kira sorriu.
— Não agora. Ainda não. Precisamos de estratégia. De tempo. De força. De aliança.
Yumi suspirou.
— Eu odeio política.
— Eu também — Kira respondeu — Mas às vezes, é necessário.
As duas se encararam por mais alguns segundos, e então, inesperadamente, Yumi se afastou, pegou o guarda-chuva, o acendeu novamente e caminhou na direção oposta.
— Mas só porque hoje estou de bom humor.
Kira se aproximou de Yoru.
— Você parece mais perdido do que nunca — disse, parando ao seu lado. — Mas a guerra está apenas começando. E eu quero ver se você está pronto para dar o próximo passo.
Yoru ainda não respondia. Seu mundo estava em frangalhos.
— Aqui está minha proposta — ela disse, abrindo os braços. — Se você ou qualquer um dos seus amigos conseguirem me acertar com um único soco… eu deixo vocês irem embora.
Hayato se adiantou.
— Um só soco?
— Exato. Mas cuidado… — Kira disse, com um sorriso sarcástico. — Sou uma mulher que vale por mil.
A chuva seguia, e agora o campo de batalha se transformava em uma nova arena. Os olhos dos aliados de Yoru brilhavam. Era a chance de escapar. Mas também era o teste final.
O trovão rugiu mais uma vez.
E a guerra… ainda não tinha acabado.
O campo de batalha ainda fumegava. A terra, encharcada pela chuva que havia começado minutos antes, transformava-se em lama sob os pés dos guerreiros ofegantes. Os corpos feridos e desacordados dos delinquentes da Black G jaziam ao redor, enquanto Yumi, a sombra viva da tempestade, desaparecia na escuridão da rua após sua luta sangrenta e a conversa com a misteriosa Kira. Mas agora, o foco estava totalmente voltado à mulher que restava ali em pé: Kira, a mulher que valia por mil.
Sob o cinza opaco do céu, ela permanecia com um leve sorriso nos lábios e os olhos atentos, como uma predadora cercada por presas inexperientes.
Yoru olhou para seus companheiros. Ben estalava os dedos, suas articulações doíam, mas seus olhos mostravam determinação. Hayato girava os ombros, aquecendo os músculos encharcados pela água da chuva. Wallace, sempre com sua expressão de desdém, estava mais sério do que nunca — e sua cópia estava posicionada ao lado, pronta para agir. Todos sabiam: bastava um único soco bem encaixado.
— Um único golpe… — murmurou Ben, com um sorriso de canto. — Parece fácil, mas acho que vamos descobrir que não é.
Kira deu dois passos para trás, sem mudar a expressão.
— Se conseguirem me acertar, um só que seja, podem ir embora com vida. Mas não pensem que isso será simples. Eu sou… diferente de tudo que já enfrentaram.
Yoru, já ofegante pelas emoções da noite, rangeu os dentes.
— Então vamos acabar logo com isso.
Ben foi o primeiro. Ele avançou com sua postura de boxe clássico, os punhos em guarda alta, mirando o tronco de Kira com jabs rápidos. Hayato veio em seguida, usando uma variação de boxe sujo, tentando cortar os ângulos. Wallace se dividiu — ele e sua cópia atacaram pelas laterais, enquanto Yoru se manteve mais atrás, analisando.
Kira não revidava. Ela apenas dançava.
Deslizando pela lama como se estivesse sobre seda, desviava dos ataques com uma leveza que beirava o sobrenatural. Cada soco lançado parecia atravessar sombras, cada chute giratório encontrava apenas ar. Sua agilidade não era apenas física, era instintiva, como se ela estivesse à frente dos próprios pensamentos dos garotos.
Ben tentou um uppercut, mas Kira já não estava mais ali.
Hayato girou com um gancho no corpo — mas ela o parou apenas com um leve toque no cotovelo, redirecionando o ataque para o vazio.
Wallace e sua cópia tentaram cercá-la, atacando em sincronia, mas Kira se abaixou, escorregou entre os dois, e ainda por cima, deu um leve tapa na testa da cópia, fazendo-a desaparecer num estalo de energia.
— Vocês são bons — disse ela, ainda com um sorriso. — Mas não são rápidos o suficiente.
Yoru então entrou em ação. Com seu corpo treinado em múltiplas artes, atacou com uma sequência que misturava o controle do Aikido, a força do Muay Thai, o caos do método Keysi e a precisão do boxe. Seus socos vinham em ângulos inesperados, os chutes giratórios carregavam força e cálculo.
Kira desviava de todos. Às vezes com um giro, às vezes com um simples recuo. Sua expressão sequer mudava.
Até que Yoru fez algo impensado. Quando Kira desviou para o lado, ele fingiu um tropeço. Seu corpo tombou, desequilibrado… e nesse movimento, ele deixou o braço solto girar como um chicote e atingir, mesmo que levemente, o ombro de Kira.
O impacto não foi forte. Foi quase um toque. Mas foi um toque.
Kira parou.
— Hm… — olhou para o ombro com leve surpresa. — Trapaceiro.
Yoru se levantou, ofegante, a lama colada em sua roupa. Ben, Hayato e Wallace estavam em silêncio. Ninguém comemorava. Havia algo estranho no ar. A chuva caía com mais intensidade agora, como se a própria natureza tentasse lavar os pecados daquela guerra.
Kira, sem mostrar raiva ou frustração, aproximou-se de Yoru.
— Você é igual à sua mãe em certos aspectos — disse ela, com um tom mais sombrio. — Imprevisível.
Yoru franziu o cenho.
— Você… conheceu a Mei?
Kira assentiu.
— Mais do que isso. Eu fui aliada dela, uma vez. E posso te garantir uma coisa… ela teve um vínculo antigo com o Rei de Um Punho. Um vínculo que talvez te revele mais sobre o sangue que corre em suas veias. Talvez esse velho saiba mais sobre sua história do que qualquer outro.
— Por que está me dizendo isso?
— Porque o jogo mudou. Charles está caindo. E as peças do tabuleiro precisam se mover com sabedoria. Não é hora de guerra. Ainda não.
Nesse momento, os sons de sirenes começaram a ecoar pelas ruas. Luzes azuis e vermelhas tomaram conta do cenário. A polícia havia chegado.
Armas em punho, viaturas bloqueando as entradas, megafones bradando ordens de rendição. Os policiais, visivelmente armados até os dentes, apontavam para os jovens e exigiam que deitassem no chão.
Yoru ergueu os braços, sem forças para resistir.
Wallace resmungou, irritado, mas fez o mesmo. Ben e Hayato também obedeceram. Em poucos minutos, estavam todos algemados, sujos de sangue, lama e dor.
— Que droga de final é esse? — murmurou Hayato, deitado na poça gelada.
Foi então que um carro preto, elegante, com vidros escuros, entrou lentamente na rua. A polícia deu passagem imediatamente. A porta se abriu.
Enzo saiu.
Seu terno branco destoava do cenário apocalíptico. Seus olhos observavam tudo com calma cirúrgica. Caminhou até o oficial de maior patente ali presente, trocou algumas palavras em tom baixo.
Minutos depois, os jovens estavam sendo desalgemados.
— O quê…? — Yoru ergueu-se, olhando para Enzo. — Por quê?
— Ordens de cima — disse o oficial.
Enzo aproximou-se.
— Eu disse que estaria de olho em vocês. Mas essa guerra foi longe demais. Vamos encerrar isso por hoje.
Yoru olhou ao redor. A chuva parecia desacelerar. Os corpos feridos, o cheiro metálico do sangue, os destroços das lutas… tudo aquilo parecia surreal agora. Como se um capítulo tivesse se encerrado.
Kira estava desaparecida. Yumi também.
A guerra havia acabado. Por enquanto.
Mas as perguntas… essas só estavam começando.
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